Enzo Di Lucca Souza – acadêmico do 4° Semestre de Relações Internacionais da Unama.

Estabelecido a partir do Estatuto de Roma, adotado em 17 de julho de 1998, e instituído oficialmente em 2002, o Tribunal Penal Internacional (TPI) é uma corte internacional de caráter permanente criada com os objetivos de defender a justiça e a responsabilidade em escala internacional, e atuar na dissuasão de futuros crimes graves. A corte, sediada em Haia, na Holanda, tem competência para julgar os chamados crimes contra a humanidade, assim como crimes de guerra, genocídio e agressão (LEWANDOWSKI, 2002), garantindo que os indivíduos responsáveis por tais crimes sejam levados à justiça, independentemente de seu status, cargos políticos ou nível de influência e poder no sistema internacional. A importância de uma corte internacional permanente desse escopo é ressaltada pelo ministro da justiça e ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski.

Sua criação constitui um avanço importante, pois esta é a primeira vez na história das relações entre Estados que se consegue obter o necessário consenso para levar a julgamento, por uma corte internacional permanente, políticos, chefes militares e mesmo pessoas comuns pela prática de delitos da mais alta gravidade. (LEWANDOWISK, 2002)

Atualmente, até 2023, a Corte possui como membros, voluntariamente submetidos à sua jurisdição, todos os 123 países signatários do Estatuto de Roma, incluindo o Brasil. Entretanto, mesmo tendo como seu objetivo principal a defesa da justiça e da responsabilidade em âmbito internacional, julgando e exigindo a punição de todos aqueles que gravemente afligem os direitos e a dignidade humana, o TPI não possui jurisdição em alguns dos mais poderosos e influentes países do mundo, como China, Índia, Rússia e, notoriamente, Israel e os Estados Unidos (LEWANDOWSKI, 2002).

A ausência destes países, tão influentes no sistema internacional, destaca algumas das falhas estruturais do TPI que perpetuam desigualdades e marginalizam vozes subalternas, levando a questionamentos sobre sua legitimidade e efetividade na promoção da justiça internacional.

Com suas limitações de atuação em países não membros, o TPI julga principalmente crimes cometidos por nacionais de Estados membros ou em seus territórios. Críticos como William Schabas, professor de Direito Internacional, questionam a eficácia da corte e sua seletividade. Richard Goldstone, juiz sul-africano e ex-procurador do TPI, criticou a decisão de não investigar crimes de guerra cometidos por Israel na Faixa de Gaza, alegando que isso prejudica a credibilidade do TPI. Esses críticos acusam o tribunal de focar em países periféricos e negligenciar crimes de potências hegemônicas.

O histórico de condenações envolve líderes africanos ou do sul global, como Omar al-Bashir, ex-presidente do Sudão, e Muammar Gaddafi, ex-presidente da Líbia, ambos acusados de crimes graves. Isso destaca uma discrepância: o TPI condena crimes de indivíduos de países em desenvolvimento, mas não investiga atos semelhantes por líderes de potências ocidentais, que também poderiam se enquadrar nos crimes definidos pelas Convenções de Genebra e pelo próprio Estatuto de Roma.

Com todas essas notáveis discrepâncias entre seu objetivo primordial de aplicar justiça e direito internacional na defesa dos direitos humanos, e suas falhas ou negligências ao julgar líderes de potências hegemônicas, o TPI ainda é uma ferramenta importante para a manutenção da justiça na sociedade internacional. É crucial reconhecer os avanços do TPI na promoção da justiça internacional, incluindo a condenação de líderes por crimes graves e a prevenção de futuras atrocidades. O tribunal também representa um símbolo significativo na luta contra a impunidade e a favor da responsabilização individual.

Hedley Bull, em sua obra “A Sociedade Anárquica”, ressalta a complexa interação entre soberania estatal, normas internacionais e cooperação na busca por uma sociedade internacional mais justa e ordenada. As ações do TPI frequentemente desafiam a soberania dos Estados, especialmente quando envolvem líderes políticos ou militares. No entanto, a aceitação de pedidos do TPI para prender indivíduos acusados de crimes de guerra demonstra o reconhecimento da interdependência global e da necessidade de cooperação para manter a ordem e a justiça internacionais. Bull argumenta que a eficácia do TPI depende dessa cooperação, enfatizando a importância das regras, instituições e da disposição dos Estados em colaborar para sustentar a ordem internacional (Bull, 1977).

Apesar de suas imperfeições, o TPI é uma ferramenta crucial na busca por justiça internacional. Apesar das críticas e dos desafios enfrentados, seus avanços na responsabilização individual por crimes graves e na promoção da cultura da responsabilidade são inegáveis. O cumprimento das decisões e solicitações do TPI é essencial para promover uma ordem internacional fundamentada em justiça e responsabilidade. 

Referências:

BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica: Uma Introdução à Teoria das Relações Internacionais. Tradução de Pedro Celso A. de Magalhães. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2002.

LEWANDOWISK, Ricardo. O Tribunal Penal Internacional: de uma cultura de impunidade para uma cultura de responsabilidade. 2002.