
Gabriele Nascimento – Acadêmica do 2º semestre de Relações Internacionais da UNAMA
A alimentação é um recurso básico para a sustentação de vida humana. As nações têm dever de assegurar esse direito fundamental. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, prevê , em seu artigo 6°, o direito à alimentação como inerente a todo cidadão brasileiro. No entanto, o modelo econômico capitalista transforma esse direito essencial – a alimentação – em mercadoria, submetendo-a exclusivamente a lógica do lucro. Dessa forma, a partir do momento em que uma mercadoria não apresenta lucratividade, ela é descartada, o que resulta em um grande desperdício; em um país onde tantas pessoas passam fome.
Segundo o relatório “ o Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2023”, divulgado pela ONU, entre 2020 e 2022, cerca de 21,1 milhões de pessoas estavam em insegurança alimentar grave, representando 9,9% da população do país. Além disso, aproximadamente 70, 3 milhões de pessoas (32,8% da população) está em algum grau de insegurança alimentar e 10,1 milhões (4,7 % da população) sofrem com a desnutrição (GOV, 2023). Diante do exposto, esse cenário se sustenta por limites políticos internacionais e locais, os quais, principalmente no neoliberalismo, visão um modelo de produção voltado para a exportação de commodities, o qual muitas vezes negligencia as necessidades da população local.
No contexto do neoliberalismo, o Estado adota uma postura de mínima intervenção na economia e promoção do livre mercado. Essa modelo leva o Estado a atender os interesses da burguesia, às custas dos direitos e necessidades básicas da população, a exemplo a alimentação e moradia. Nesse sentido, o Estado neoliberal acaba negligenciando a vida e os direitos das pessoas, seguindo uma lógica que se enquadra na necropolítica. Segundo o pensamento do filósofo Achille Mbembe, essa lógica se refere à capacidade de um Estado determinar quem pode viver e quem deve morrer dentro de suas estruturas. Essa lógica pode ser observada, por repressões que os ativistas sofrem, tanto por latifundiários quanto por agentes do Estado, ao reivindicarem as terras irregulares.
Ademais, a medida em que uma pequena parcela da população possui a maior parte das terras, a agricultura familiar perde força e capacidade de produção, o que torna os alimentos mais caros, diminui a proporção de empregos e acentua a desigualdade e insegurança alimentar no país. Isso por que, de acordo com o censo agropecuário de 2006 a agricultura familiar é a principal atividade econômica de 90% dos municípios do Brasil com até 20 mil habitantes , contribui com 35% do Produto Interno Bruto do país, e é responsável por grande parcela de alimentos consumidos do Brasil (CFN, 2017)
A partir disso, movimentos sociais são imprescindíveis na luta contra as imposições do sistema capitalista. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), surgido em 1984, atua denunciando terras consideradas improdutivas pelo artigo 186 da carta magma brasileira, que prevê que a propriedade rural e urbana considerada sem função social está sujeita a desapropriação, vale ressaltar que a desapropriação ocorre mediante pagamento de indenização, por parte do Estado, ao proprietário. Todavia, infelizmente, essa máxima não se reverbera, na maioria das vezes, na prática uma vez que observa-se a grande influência de latifundiários na política e mídias.
Uma das principais formas de atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é a ocupação de terras. Essa ação tem como objetivo pressionar o Estado a desapropriar terrenos considerados sem função social e o redistribui-lo para famílias sem terra. Nas ocupações, as famílias instalam acampamentos onde se organizam e vivem de forma coletiva desenvolvendo a agricultura familiar e cooperativa. Essa forma de organização permite que o que for produzido seja compartilhado, promovendo a autonomia das famílias.
Segundo o Instituto Riograndense de Arroz ( Irga), o movimento do MST tem desempenhado um papel fundamental na produção de arroz orgânico, sendo o maior produtor da América Latina. Segundo o Instituto, a produção é realizada por 352 famílias e 22 assentamentos localizados no interior do Rio Grande do Sul (CUT, 2023). Desse modo, observa-se o êxito do movimento na busca de desenvolvimento sustentável, valorização de alimentos e na transformação de uma terra que antes era considerada ociosa agora que apresenta produtividade e que exerce sua função social.
Portanto, a luta do MST está profundamente ligada ao combate das desigualdades e , consequentemente, a erradicação da fome. O Movimento busca por justiça e pela aplicação das leis. Ao ocupar terras, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra não prezam somente pela democratização das terras, mas também luta por direitos sociais, educação, saúde, cultura, pelo uso consciente do meio ambiente, por uma alimentação saudável sem uso de agrotóxicos e principalmente por uma maior acesso aos alimentos.
Por isso, é imprescindível que a democratização das terras seja acompanhada do apoio governamental, por meio de políticas públicas que assegurem a dignidade de vida para todos os brasileiros. Logo, o papel do MST na luta pela garantia da Soberania alimentar é essencial para a superação da lógica capitalista de lucro promovendo um sistema alimentar mais justo, sustentável, saudável e abrangente.
Referências :
BRASIL. Secretaria de Comunicação Social. Relatório da ONU sobre a fome no Brasil usou dados de 2020 e 2022 : Reestruturação do Bolsa Família permitiu que 18,52 milhões de famílias saíssem da linha da pobreza em junho. [ S/l]: Secretaria de Comunicação Social, 17 de julho de 2023. Atualizado em 03 de junho de 2024. Disponível em : < https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2023/07/relatorio-da-onu-sobre-fome-no-brasil-usou-dados-de-2020-a-2022 > . Acesso em: 15 de julho de 2024.
CFN (Brasil). Conselho Federal de Nutricionistas (ed.). 70% dos alimentos que vão à mesa dos brasileiros são da agricultura familiar. 04 de outubro 2017. Disponível em: https://www.cfn.org.br/index.php/nutricao-na-midia/70-dos-alimentos-que-vao-a-mesa-dos-brasileiros-sao-da-agricultura-familiar/. Acesso em: 15 jul. 2024.
CUT-RS (Rio Grande do Sul). Central Úmica dos Trabalhadores (ed.). MST celebra maior produção de arroz orgânico da América Latina: produzir alimentos saudaveis, livres de agrotóxicos e sem trabalho escravo. Produzir alimentos saudaveis, livres de agrotóxicos e sem trabalho escravo. 20 de Março 2023. CUT. Disponível em: https://www.cut.org.br/noticias/mst-celebra-maior-producao-de-arroz-organico-da-america-latina-4704. Acesso em: 15 jul. 2024.
GUERRA, Clarissa de Souza. SOBERANIA ALIMENTAR NO BRASIL: LIMITES ECONÔMICOS (GEO) POLÍTICOS E JURÍDICOS NOS MARCOS DO CAPITALISMO PERIFÉRICO. [2024?]. UFSM: PPGD. Disponível em: https://www.ufsm.br/cursos/pos-graduacao/santa-maria/ppgd/soberania-alimentar-no-brasil-limites-economicos-geopoliticos-e-juridicos-nos-marcos-do-capitalismo-periferico. Acesso em: 15 jul. 2024.
IGNACIO, Julia. Necropolítica: explicamos o conceito de Achille Mbembe! 30/07/2020. Politize. Disponível em: https://www.politize.com.br/necropolitica-o-que-e/. Acesso em: 20 jul. 2024.
LIMA, Paulo Romário de; BRITO, Larissa de Padilha. Caminhos para a superação da fome:O primeiro caminho para superar a fome passa pela Reforma Agrária Popular. 04 de abril de 2023. MST. Disponível em: https://mst.org.br/2023/04/04/caminhos-para-a-superacao-da-fome/. Acesso em: 15 jul. 2024.
