Heitor Sena Passos – 7°
Como forma de combater a crise econômica na Argentina, o governo Javier Milei implementou uma forte política de austeridade. A medida, amplamente defendida por agentes do mercado e por economistas neoliberais, consiste na realização de um forte ajuste fiscal buscando eliminar o déficit público como forma de garantir a saúde da economia e como forma de realizar o controle inflacionário. Nesse âmbito, é importante destacar que apesar dos indicadores macroeconômicos celebrados por Milei e sua equipe, longe de solucionar a crise, a austeridade têm agravado ainda mais seus efeitos sobre a sociedade argentina.
Primeiramente, é de nota a forma como o governo argentino obteve um superávit fiscal. Sem aumentar as receitas do governo, a Argentina optou pelo corte de gastos em áreas como saúde, assistência social, cultura e nos subsídios para o setor de energia somados à demissão em massa de funcionários do setor público (CARTA CAPITAL, 2024). Além do desmonte de serviços públicos e o aumento no desemprego, o “Plano Motosserra” de Milei também tem afetado negativamente a renda da população Argentina.
Com o aumento de 30% no salário mínimo, valor insuficiente frente a um contexto de aumento da inflação de 254%, os argentinos enfrentam cada vez mais dificuldade para atender suas necessidades básicas (GGN, 2024). Sendo assim, a conjuntura atual de aumento no desemprego e a queda no nível real de renda da população demonstra que a política de austeridade na Argentina é extremamente prejudicial para a classe trabalhadora.
Ademais, há de se destacar que a forma como o governo argentino tem conseguido reduzir a taxa de crescimento da inflação, longe de refletir uma economia em melhoria, apenas evidencia os efeitos deletérios da política econômica argentina. Na Argentina, a redução da inflação está atrelada à contração econômica provocada pela política econômica de Milei, que resultou na paralisação de obras públicas e em uma queda no nível de consumo da população (G1, 2024).
Sendo assim, o ajuste fiscal tem afetado negativamente a economia nacional, agravando ainda mais a perda de poder de compra da população, já fragilizada pela inflação. O contexto atual da Argentina pode ser visto a partir da escalada na quantidade de pessoas em situação de pobreza ou miséria, alcançando 57,4% da população argentina (LA RED 21, 2024). Desse modo, a política de austeridade têm contribuído para o agravamento dos efeitos da crise que afeta a Argentina nos últimos anos.
Não obstante, a política em vigor na Argentina está respaldada pela economia ortodoxa neoliberal. Nesse ponto, a teoria monetarista atribuída ao economista Milton Friedman mostra-se particularmente relevante. Segundo Jahan e Papageorgiou (2014), o monetarismo defende que a principal causa do aumento da inflação é proveniente do aumento na oferta de dinheiro em circulação na economia, em decorrência disso, é imperativo que os gastos do governo sejam rigidamente controlados, de modo a garantir a estabilidade do mercado e o controle inflacionário.
Sendo assim, o paradigma de Robert Cox oferece uma abordagem interessante acerca da função das teorias no sistema internacional. O autor rejeita a neutralidade das teorias, afirmando que estas são criadas com base nos interesses e no contexto político e social de quem as produz, ou seja, as “teorias são sempre para alguém e para algum propósito” (COX et al., 2021 p.13). Com isso, as teorias podem ter como função a solução de problemas dentro do contexto vigente, sem questionar as instituições e as relações de poder, ou a abordagem crítica, que visa o contexto social e político em conjunto e busca promover sua mudança (COX et al., 2021).
Ademais, o autor destaca que a hegemonia é uma forma de dominação que combina a coerção e o consenso central para a configuração da ordem internacional, sendo configurada a partir da interação de capacidades materiais, ideias e instituições (IBIDEM). Portanto, a manutenção da ordem internacional atual, além de fatores como o poder militar ou a capacidade econômica de uma potência, também depende da frente ideológica, através da promoção do neoliberalismo, e da frente institucional através de OIs como o FMI, que estabelecem os valores, normas e garantem a legitimidade da estrutura.
Desse modo, ao observarmos a implementação da austeridade como parte da agenda neoliberal do governo Milei na Argentina é possível perceber que as medidas adotadas têm contribuído para o agravamento dos efeitos da crise no país sobre a população argentina juntamente com a contração da atividade econômica no país. Nesse âmbito, é de nota que o Plano Motosserra tem atendido aos interesses de grandes agentes do mercado nacional e internacional, que se beneficiam de medidas como a redução do custo de mão de obra, programas de privatização e a reestruturação das contas públicas. Sendo assim, a austeridade mostra-se inadequada para o enfrentamento da crise na Argentina, servindo apenas para reforçar a posição periférica do país na economia internacional.
Referências:
CARTA CAPITAL. Ajuste fiscal de Milei leva Argentina ao superávit, mas intensifica a pobreza, 23 abr. 2024. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/mundo/ajuste-fiscal-de-milei-leva-argentina-ao-superavit-mas-intensifica-a-pobreza/. CARTA CAPITAL. Acesso em: 5 jul. 2024.
COX, Robert W. et al. Forças sociais, Estados e ordens mundiais: além da teoria de Relações Internacionais. OIKOS (Rio de Janeiro), v. 20, n. 2, 2021.
G1. Inflação argentina fica em 8,8% em abril e chega a 289,4% em 12 meses, 14 mai. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/05/14/inflacao-argentina.ghtml. G1. Acesso em: 5 jul. 2024.
GGN. “Aumento” de Milei no salário mínimo é menos de 1/3 do custo básico de vida dos argentinos, 21 fev. 2024. Disponível em: https://jornalggn.com.br/america-latina/milei-salario-minimo-e-menos-de-1-3-do-custo-basico-dos-argentinos/. GGN. Acesso em: 5 jul. 2024.
JAHAN, Sarwat; PAPAGEORGIOU, Chris. What is monetarism. Finance & Development, v. 51, n. 1, p. 38-39, 2014.
LA RED 21. Casi 60% de argentinos están en situación de pobreza o indigencia, unas 27 millones de personas, 19 fev. 2024. Disponível em: https://www.lr21.com.uy/mundo/1474198-27-millones-argentinos-pobreza-javier-milei#google_vignette. LA RED 21. Acesso em: 5 jul. 2024.
