Thaís Roberta da Costa Carvalho, acadêmica do 6° semestre de Relações Internacionais

Presente na Emenda Constitucional  n° 64, incluso no Artigo 6° da Constituição Federal, a alimentação adequada é um direito humano básico que deve ser garantido pelo estado brasileiro, disponibilizando meios de acesso, seja econômico e/ou  físico, de todos os cidadãos brasileiros a alimentos de qualidade. Apesar de estar presente na constituição do país e sua personificação através das políticas públicas destinadas à redução da fome, infelizmente ainda há 8,7 milhões de pessoas que enfrentam a insegurança alimentar grave no país, segundo dados do IBGE (Brasil, 2024).

A discussão acerca do combate à fome e a necessidade de políticas públicas que lidam diretamente com a problemática tem sido levantada desde a década de 1940, com a publicação do livro “Geografia da Fome” (1946), de Josué de Castro, no qual o cientista político apresentou como fenômenos sociais a fome e a má nutrição. Assim, as pautas levantadas por Castro em sua obra, trouxeram maior destaque ao debate acerca da alimentação dos cidadãos, instigando em 1952, a criação da primeira política pública acerca da redução da fome no país, a qual ficou conhecida como “A Conjuntura Alimentar e o Problema da Nutrição no Brasil”, cujo principalmente objetivo era idealizar e possibilitar a estruturação de um programa de merenda escolar a nível nacional (Geografia da Fome, 2024).

Com o decorrer dos anos, passou-se a existir um entendimento maior acerca dos fatores que estão interligados ao fenômeno da fome no país, como não só a renda dos cidadãos, mas também a quantidade e qualidade dos alimentos, a organização da sociedade civil e o envolvimento do governo. Assim, tornou-se extremamente necessário levar em consideração tais fatores para a elaboração de políticas públicas que realmente sejam eficientes na redução do índice de insegurança alimentar e nutricional grave no Brasil. 

Desse modo, é inegável afirmar que a partir dos anos de 2003 a 2014, o Brasil apresentou avanços relevantes no que tange a criação de ações e estratégias sociais que lidam com a questão da fome e da pobreza. O surgimento de políticas de segurança alimentar e nutricional foram de grande relevância para tais avanços, sendo alguns dos principais programas sociais: o Fome Zero (conjunto de ações que abrange a segurança alimentar e nutricional, renda, e programas estruturais de complementação), o Bolsa Família, no qual se consolidou como um programa único de transferência continuada de renda, além de uma maior assistência técnica e financeira a agricultura familiar (Almeida, 2019).

No entanto, o país enfrentou diversas séries de retrocessos no decorrer dos anos de 2016 a 2023, haja vista que ocorreram inúmeros cortes orçamentários no que tange políticas sociais de combate a fome no país, acarretando, em 2019, a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), um dos órgãos responsáveis por aproximar a sociedade civil organizada da implementação e elaboração de políticas públicas que buscam reduzir a fome no Brasil, que foi restituído pelo governo Lula, em 2023. Contribuindo ao agravamento de tais situações, a pandemia de COVID-19 desencadeou inúmeros problemas, sendo eles: o sucateamento de políticas públicas, com cortes em programas como o Bolsa Família e o fim do Auxílio Emergencial, o aumento do preço dos produtos alimentícios, e o aumento do desemprego de inúmeros brasileiros, impactando diretamente na queda de renda da população, sendo, no ano de 2020, 19 milhões de cidadãos que vivenciaram um grau avançado de insegurança alimentar (Agência Brasil, 2021).

No que tange a elaboração de políticas públicas que tratam a segurança alimentar e nutricional, de acordo com o pensamento do teórico economista Amartya Sen, a fome coletiva é considerada uma das principais privações de liberdade que impedem o desenvolvimento humano, estando diretamente ligada a falta de liberdades econômicas, sociais e políticas. E devido a isso, o combate à fome não depende somente do aumento da produção de alimentos, mas também da cooperação entre os Estados e atores não-estatais para garantir o acesso universal, qualitativo e quantitativo, a uma alimentação adequada, além de políticas públicas eficientes que garantam aos cidadãos o acesso à alimentação, educação e emprego  (Ferri; Kalsing, 2022).

As ideias de Sen dialogam diretamente com a ideia de governança global e interdependência entre os atores, levantadas principalmente pelos cientistas políticos James Rosenau e Ernst-Otto Czempiel, onde a colaboração entre múltiplos atores – seja ONGs, estados e organizações internacionais -, são cruciais para lidar com a questão da fome, haja vista que é um problema que não afeta somente um único país, e nesse sentido, o compartilhamento de práticas, políticas e recursos acerca da temática minimizará o impacto mundialmente (Rosenau; Czempiel, 2000).

Por isso, apesar dos esforços do atual governo para reverter a situação do Brasil no que tange a redução da fome entre os cidadãos, com a reformulação do Novo Bolsa Família e a elaboração do Plano Brasil Sem Fome, torna-se extremamente necessário visualizar a importância de políticas públicas para a redução da insegurança alimentar e nutricional grave para além de uma política de governo, mas sim uma política de Estado, possibilitando assim o aprimoramento, desenvolvimento e criação de políticas que possam reduzir significativamente a questão da fome do Brasil, garantindo, desse modo, a segurança alimentar inclusiva e sustentável de cada cidadão brasileiro, além da relevância da cooperação entre os países acerca de ações que possam combater ativamente a fome, influenciando positivamente o surgimento de novas políticas públicas acerca da redução da fome mundialmente.

REFERÊNCIAS:

AGÊNCIA BRASIL. Pesquisa revela que 19 milhões passaram fome no Brasil no fim de 2020. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-04/pesquisa-revela-que-19-milhoes-passaram-fome-no-brasil-no-fim-de-2020 >. Acesso em: 4 ago. 2024.

ALMEIDA, Mário Tito Barros. A dinâmica eco-geopolítica da fome e as relações de poder na governança global da segurança alimentar: a soberania alimentar como resistência. 2019. 305 f., il. Tese (Doutorado em Relações Internacionais)—Universidade de Brasília, Brasília, 2019. 

BRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 18 set. 2006. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm>. Acesso em: 3 ago. 2024.

BRASIL. No primeiro ano de governo, 24,4 milhões deixam de passar fome. Disponível em: <https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2024/04/no-primeiro-ano-de-governo-24-4-milhoes-deixam-de-passar-fome-no-brasil>. Acesso em: 3 ago. 2024.

FERRI,M; KALSING, R. Segurança alimentar e nutricional no Brasil: uma análise do panorama atual do país com enfoque nos estudos de Amartya Sen sobre pobreza e fome coletiva. Revista Contexto Geográfico. Maceió, v. 7, n 15, p. 73-84, dez. 2022. Disponível em:

<https://www.researchgate.net/publication/378985362_SEGURANCA_ALIMENTAR_E_NUTRICIONAL_NO_BRASIL_UMA_ANALISE_DO_PANORAMA_ATUAL_DO_PAIS_COM_ENFOQUE_NOS_ESTUDOS_DE_AMARTYA_SEN_SOBRE_POBREZA_E_FOME_COLETIVA >. Acesso em: 3 ago. 2024.

GEOGRAFIA DA FOME. Combate à fome: 75 anos de políticas públicas. 2024. Disponível em: <https://geografiadafome.fsp.usp.br/combate-a-fome-75-anos-de-politicas-publicas/ >. Acesso em: 4 ago. 2024.

ROSENAU, James N; CZEMPIEL, Ernst-Otto (Org.) Governança sem Governo: Ordem e Transformação na Política Mundial. Tradução: Sérgio Bath. Brasília: UNB, 2000.