
Caira Queiroz, acadêmica do 4° semestre de Relações Internacionais
Um dos principais nomes da ginástica artística mundial, Daiane dos Santos é sinônimo de brasilidade, ao se tornar uma referência no esporte brasileiro devido às suas conquistas inéditas representando o país. Entre elas, destaca-se a medalha de ouro obtida através de uma performance excepcional na arena de Anaheim, nos Estados Unidos, em 24 de agosto de 2003, fazendo-a entrar para a história. Esse feito fez com que Daiane fosse a primeira campeã mundial da ginástica artística brasileira e, junto com outros atletas de destaque na modalidade, elevou o nível do Brasil no cenário mundial da ginástica artística.
Nascida (1983) é criada em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Daiane Garcia dos Santos já demonstrava um talento natural ao esporte desde muito jovem, em especial no solo da ginástica artística, o que rapidamente a destacou em suas primeiras competições, chamando atenção de treinadores. Seus primeiros saltos ocorreram na Associação dos Amigos do Centro Estadual de Treinamento Esportivo (AACETE), marcando o início da sua jornada formal no mundo da ginástica artística. Até que, aos 11 anos, enquanto brincava em uma praça, foi descoberta por Cleusa de Paula e logo em seguida, a ginasta passou a treinar no Grêmio Náutico União.
“Foi com a oportunidade que a treinadora Cleusa de Paula me deu [..] que eu me agarrei para mostrar o meu talento.”
Daiane dos Santos em “Falas Negras” -G1, 2024
Sua dedicação e disciplina com a modalidade logo foram notórios, o que contribuiu crucialmente para a ascensão meteórica de sua carreira. Aos 16 anos, Daiane entrou na seleção brasileira de ginástica artística e competiu nos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg 1999, conquistando a medalha de prata no solo e bronze por equipes. A partir de 2001, sua carreira internacional foi impulsionada ao participar do seu primeiro campeonato mundial, na Bélgica, e terminar em quinto lugar. (GE.OLIMPÍADAS, 2024)
Desde então, Daiane foi pioneira em diversas situações. Em 2003, após trocar Porto Alegre por Curitiba para treinar, fazendo parte da primeira equipe completa de ginástica artística a competir pelo Brasil em uma edição das Olimpíadas, Daiane alcançou um feito verdadeiramente histórico ao competir no mundial de Anaheim: foi a primeira ginasta brasileira, entre homens e mulheres, a conquistar a primeira medalha de ouro para o Brasil na competição mundial de ginástica artística. (TODOS NEGROS DO MUNDO – TNM, 2021)
No mesmo evento, a atleta também apresentou ao mundo dois movimentos inéditos que destacaram seu nome ao ser a primeira ginasta do mundo a conseguir realizá-los: o duplo twist carpado, que foi homologado como oficial pela Federação Internacional de Ginástica (FIG) e recebeu o nome “Dos Santos”, e o duplo twist esticado (conhecido como Dos Santos II), exibido em 2004 nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004, pela ginasta, que mesmo lesionada, conseguiu realizar mais um grande movimento (CBDU, 2021). Ambos estabeleceram um novo padrão para a modalidade, consolidando-a como uma força a ser reconhecida, o que elevou o patamar do Brasil no cenário internacional da ginástica artística no ciclo olímpico de Atenas.
Além do duplo twist esticado realizado em 2004, Daiane também marcou a história das Olimpíadas de Atenas com sua apresentação ao som do chorinho “Brasileirinho”, de Wladir Azevedo. Tal performance entrou para a história da ginástica brasileira e marcou a carreira de Daiane, pois o Brasileirinho também era uma grande atração onde quer que a atleta fosse competir, assim como a performance de Rebeca Andrade com o Baile de favela vibra o público atualmente.(OLIMPÍADA TODO DIA – OTD, 2023)
Complementando uma carreira repleta de pioneirismos, Daiane também foi a primeira atleta negra do mundo a conquistar uma medalha de ouro. A ginasta inspira e tem ciência dessa importância de servir como um referencial para meninas pretas no esporte. Pois essa incrível trajetória só foi possível após vencer o racismo estruturado em diversas nuances, já que sofreu com os estereótipos associados à mulher e ao esporte, em uma época ainda mais opressora, tanto dentro da modalidade quanto na esfera social como um todo. Para enfrentar este contexto, a ginasta teve consigo a “conta de três”, uma técnica oriunda dos conselhos que seus pais a ensinaram a fazer. Uma regra titpicamente brasileira, com o conceito que diz que negros têm que ser até três vezes melhores em suas áreas. (FALAS NEGRAS, 2024)
“A repercussão foi mundial, porque eu não fui a primeira negra brasileira, fui a primeira ginasta negra do mundo a ganhar uma medalha de ouro. Se fala sobre preconceito racial na semana da Consciência Negra, no mês de novembro, que a gente tem um dia. Desculpa, eu não sou negra um dia, eu sou negra todos os dias”
Daiane dos Santos em Todos negros do mundo, 2023.
Fora do tapete de ginástica, atualmente Daiane se dedica a causas sociais e continua inspirando jovens atletas a persistirem por seus sonhos, através do seu Projeto Brasileirinhos, trabalhando a iniciação de crianças no esporte, fomentando a cultura na periferia paulistana. Também é comentarista em transmissões da TV Globo, onde acompanha e vibra por outras ginastas brasileiras que mantêm seu legado continuado na ginástica artística, como Rebeca Andrade. A expectativa é que muitos outros nomes brilhem no caminho que Daiane abriu em 2003, em Atenas.
“As comunidades do Brasil estão cheias de Lewis Hamiltons, Serenas Willians, Rebecas Andrades. Eles só precisam de uma coisa: oportunidade”.
Daiane dos Santos em “Falas Negras” -G1, 2024.
Nesse sentido, é possível relacionar a resistência da trajetória artística de Daiane dos Santos no esporte e sua crucial representatividade como precursora de movimentos e títulos na ginástica com a Teoria pós-moderna de Michel Foucault que examina as relações de poder e o papel do discurso na construção da identidade e da resistência, já que “é possível construir ‘verdades’ que sirvam como instrumento de resistência ao poder dominante”. (SARFATI, S.D)
Foucault analisa que o poder está disseminado em todas as esferas da sociedade e que os indivíduos podem resistir e subverter essas estruturas através de suas ações e discursos, desconstruindo vertentes ocidentais que por muito tempo foram ou ainda são permanentes. Como a primeira ginasta negra brasileira a alcançar um alto reconhecimento internacional através da medalha de ouro, Daiane desafiou muitas normas raciais e sociais dentro do esporte, desde encarar caras feias em locais devido a sua cor até ignorar pessoas que se recusaram a usar o mesmo banheiro que ela. Tudo por não ser considerada um “padrão” dentro do esporte, tentando mostrar que ela não deveria estar lá.
Porém, sua persistência, presença e o almejo do seu sucesso no cenário internacional através de seus resultados foram grandes atos de resistência contra estas estruturas de poder que tradicionalmente marginalizam atletas de minorias raciais. Ao conquistar títulos e ser uma pioneira em movimentos, Daiane não apenas abriu portas para outras atletas brasileiras, mas também contestou e reconfigurou as narrativas existentes sobre quem pode ocupar espaços de destaque na ginástica artística.
Portanto, a trajetória de Daiane dos Santos é um exemplo de como a teoria de Foucault sobre poder e resistência se manifesta no esporte. Sua carreira não apenas é um testemunho de habilidade atlética, mas é também um símbolo de resistência e transformação social, desafiando e redefinindo as relações de poder dentro da ginástica artística através da sua persistência, ou para ser mais exata, através da técnica “conta de três” que aprendeu com seus pais e carregou consigo: negros têm que ser até três vezes melhores em suas áreas.
REFERÊNCIAS
BRASILEIRAS que fizeram história: Daiane dos Santos. Confederação Brasileira do Desporto Universitário, 2024. Disponível em: https://www.cbdu.org.br/brasileiras-que-fizeram-historia-daiane-dos-santos/. Acesso em: 3 ago. 2024.
GONÇALVES, Vinicius. DAIANE dos Santos e a sua importância na história. Todos Negros do Mundo, 2024. Disponível em: https://todosnegrosdomundo.com.br/daiane-dos-santos-e-a-sua-importancia-na-historia/. Acesso em: 3 ago. 2024.
SANTOS, Elaine. FACES negras: Daiane dos Santos, de ícone olímpico a referência de empoderamento. G1, 15 anos, 12 set. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/g1-15-anos/noticia/2021/09/12/faces-negras-daiane-dos-santos.ghtml. Acesso em: 3 ago. 2024.
GENTILE, Gabriel. DAIANE dos Santos: 20 anos de um ouro histórico. Olimpíada Todo Dia, 2024. Disponível em: https://www.olimpiadatododia.com.br/ginasticaartistica/534306-daiane-dos-santos-20anos/. Acesso em: 3 ago. 2024.
Daiane dos Santos: história, conquistas e prêmios . Esportelândia, 2024. Disponível em: https://www.esportelandia.com.br/ginastica/daiane-dos-santos-historia/. Acesso em: 4 ago. 2024.
CATALGO, Diego. DAIANE dos Santos: altura, idade, medalhas e história da ginasta. Ge, 14 jul. 2024. Disponível em: https://ge.globo.com/olimpiadas/guia/2024/07/14/c-daiane-dos-santos-altura-idade-medalhas-e-historia-da-ginasta.ghtml. Acesso em: 4 ago. 2024.
Bampi, L. (2002). Governo, Subjetivação e Resistência em Foucault. Educação & Realidade, 27(1). Recuperado de https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/25941
SILVA, Antonio José Carlos da. BIOPOLÍTICA E RESISTÊNCIA EM MICHEL FOUCAULT. 2023.
SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais.
