Thaís Roberta Carvalho, acadêmica do 6° semestre de Relações Internacionais

Ficha técnica:

Ano de publicação: 2023

Autor (a): Asha Lemmie

Gênero: Ficção. Romance

País de origem: Estados Unidos

Editora: Darkside Books

“Palavras que Aprendi com a Chuva”, primeira obra literária da escritora norte-americana Asha Lemmie, retrata a história da jovem Noriko Kamiza, filha de uma nobre japonesa com um soldado norte-americano negro. Ao longo de sua narrativa é apresentada a difícil infância de Nori, quando é abandonada pela mãe na casa de seus avós, até sua vida adulta, levantando pautas como autoconhecimento, amadurecimento, amor fraterno e pertencimento (VALKIRIAS, 2024).

Ambientado em Quioto, no Japão, a história se inicia quando, em 1948, Nori é abandonada por sua mãe na porta da casa de seus avós maternos, os quais – por serem membros nobres próximos da família real -, são extremamente tradicionais e influentes na sociedade japonesa, e a presença de uma neta “bastarda” apenas mancharia a história da família. Por isso, Nori passa a ser tratada de forma cruel pela família Kamiza, sendo obrigada a viver no sótão da residência, onde nunca pode sair sem a autorização de sua avó. Sendo ensinada a viver em silêncio e sempre respeitar os mais velhos, a jovem também passa, ao longo de sua infância, por  procedimentos estéticos, como banhos com produtos químicos cujo objetivo era clarear o tom de sua pele.

Por ser uma criança doce e curiosa, mas que cotidianamente convive em um ambiente extremamente hostil e cruel, onde raramente pode contestar alguma ordem, Noriko vê na chegada de Akira a mansão, seu meio-irmão até então desconhecido, um conforto e uma improvável amizade que nunca presenciou ao longo de sua vida. Assim, os dois personagens passam a desenvolver um laço fraternal repleto de respeito e carinho, e é graças a Akira e o seu papel de herdeiro da família Kamiza, que Nori passa a descobrir novas oportunidades como: estudar, conhecer a cidade e aprender a tocar instrumentos musicais, que até o momento, eram duramente negadas a ela por ser mulher, e principalmente por ter um tom de pele diferente dos outros membros da família.

E é com muita sensibilidade e assertividade que a autora descreve as diversas lutas que a personagem perpassa ao longo de sua trajetória,  desde a marginalização de Nori pela sociedade japonesa da época, que apesar das inúmeras transformações no pós-Segunda Guerra Mundial ainda enxergava a questão racial pejorativamente,  até ideias como pertencimento e identidade, tópicos estes que periodicamente Nori era questionada. Akira, seu irmão, fazia questão de sanar tais pensamentos, e ao longo da obra literária, é possível encontrar citações como “Você não é norte-americana, Noriko. Você é uma de nós”, demonstrando como o apoio de seu irmão foi de grande importância para Nori compreender quem ela realmente era. 

Nesse sentido, Lemmie constrói a trajetória de amadurecimento da pequena menina solitária, a qual era constantemente oprimida pela família, até a formação de uma mulher forte e dona de suas próprias ideias e pensamentos, cuja resistência é reflexo das inúmeras barreiras que precisou enfrentar para se tornar livre das amarras dos avós maternos, dos preconceitos e racismo daquela sociedade.

Dessa forma, pode-se afirmar que as temáticas abordadas ao longo de “Palavras que Aprendi com a Chuva”, como resistência, identidade, estruturas de poder e racismo, são também discutidas amplamente na Teoria Pós-Colonial das Relações Internacionais, vertente esta que busca desconstruir as narrativas mainstream das relações internacionais, que historicamente marginalizaram e silenciam as vozes dos países e povos subalternos, enfatizando assim a necessidade e relevância de entender a história e a cultura a partir da perspectiva dos vitimados ao longo do anos (NETO, 2017).

Assim, a teórica pós-colonial Gayatri Spivak em seu ensaio “Pode o Subalterno Falar?” (2014) apresenta a ideia do sujeito subalterno, isto é, o indivíduo que pode, ou não, ter voz política, porém dificilmente é ouvido pelas estruturas de poder existentes. Desse modo, a teórica aprofunda ainda mais a ideia de subalternidade ao trazer a perspectiva feminina para a discussão, haja vista que as mulheres subalternas são duplamente oprimidas, tanto pela dominação imperial na divisão internacional do trabalho (DIT), quanto pela dominação patriarcal na construção ideológica de gênero.

Ao longo de sua obra, Gayatri Spivak tece críticas às teorias feministas e pós-coloniais acerca da figura subalterna feminina, haja vista que buscam “universalizar” as vozes, sem levar em consideração a realidade em que se encontra a mulher periférica, exercendo para além das desigualdades de gênero, a dominação hegemônica ocidental/colonial. E por isso, é preciso compreender a realidade de cada indivíduo subalterno para que novos diálogos e análises possam desconstruir essencialmente a opressão exercida pelo pensamento etnocêntrico   (BACELAR, p. 30, 2016).

Por fim, assim como a mulher subalterna apresentada por Spivak, Noriko também busca desconstruir as inúmeras opressões que sofreu ao longo da trama, para construir um caminho livre das amarras impostas pela sociedade da época, tornando-se uma mulher forte e compreendendo, do seu modo, a sua identidade e o amor em sua forma mais bela de ser.

REFERÊNCIAS:

BACELAR, B. V. A MULHER SUBALTERNA EM “PODE O SUBALTERNO FALAR?” DE GAYATRI SPIVAK. NEARI EM REVISTA, [S. l.], v. 2, n. 2, 2016. Disponível em: <https://revistas.faculdadedamas.edu.br/index.php/neari/article/view/387 >. Acesso em: 12 ago. 2024.

NETO, B. L. O. Pós-colonialismo e relações internacionais. Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales. 2016. Disponível em: <https://www.eumed.net/rev/cccss/2017/04/poscolonialismo-relacoes.html >. Acesso em: 12 ago. 2024.

SPIVAK,  G. C. Pode  o  subalterno  falar? Belo  Horizonte:  Editora  UFMG, 2014.

VALKIRIAS. Palavras que Aprendi com a Chuva: uma trama sobre resiliência e recomeços. Disponível em: <https://valkirias.com.br/palavras-que-aprendi-com-a-chuva/> . Acesso em: 09 ago. 2024.