
Por Caira Queiroz, acadêmica do 4° semestre, e Thaís Carvalho, acadêmica do 6° semestre de Relações Internacionais da UNAMA.
Por trás do sorriso que alegrava milhões de famílias brasileiras todos os domingos, havia mais do que simpatia: havia a marca de um dos homens mais bem-sucedidos do Brasil. O talento para empreender permitiu que Silvio Santos explorasse, como poucos, o potencial da economia e do entretenimento popular, traçando uma trajetória histórica com sua habilidade de divertir e encantar, e assim, se consagrar como uma das principais personalidades da comunicação brasileira ao criar o seu próprio jeito de fazer TV.
Nascido em 1930, no bairro da Lapa, Rio de Janeiro, Senor Abravanel, nome de batismo de Silvio Santos, era filho de dois imigrantes judeus, Alberto Abravanel e Rebeca Caro, conterrâneos do antigo Império Otomano. Cresceu com seus 5 irmãos e, desde cedo, envolveu-se em negócios para ajudar a família, pois já se destacava pela façanha de atingir suas pequenas metas através da sua inquietude, atenção e persistência (MÉTROPOLE, 2024).
Das ruas à rádio, aos 14 anos Silvio se tornou camelô e chamava a atenção pela forma de persuadir a freguesia local, adquirindo suas primeiras experiências com o empreendedorismo, vendendo capas para títulos de eleitor. Além da sua diferenciada forma de se comunicar, o potencial da sua voz já chamava a atenção nas ruas do Rio de Janeiro, sendo convidado na Rádio Guanabara para testes. No processo, ele passou em primeiro lugar entre os calouros para ser locutor na rádio, superando nomes como Chico Anysio e Fernanda Montenegro (TERRA, S.D.).
Nesse período, seu apelido ‘Silvio’ foi dado pela própria mãe e o sobrenome artístico surgiu durante sua jornada na rádio e na TV que era uma opção para o vendedor aumentar seus lucros. Após servir o exército como paraquedista, aos 18 anos, Silvio deixou sua rotina como ambulante e voltou para a rádio, passando por várias emissoras. Mesmo atuando na comunicação, o apresentador ainda investia em sua carreira como empresário, lançando alguns projetos (CBN, 2024).
Porém foi em 1958 que seu talento para os negócios abriu portas para o empreendimento que o tornaria um bilionário: o “Baú da felicidade”. Com dificuldades para administrar a empresa de venda de brinquedos, seu amigo Manoel da Nóbrega o chamou à São Paulo para administrar o negócio. Através da sua grande capacidade de persuasão e visão empresarial, Silvio viu a empresa como uma grande oportunidade de ampliá-la com produtos variados e logo assumiu o controle total dela. Mais tarde criou o seu próprio Grupo Silvio Santos (GSS), hoje um grande conglomerado de setores como cosméticos, capitalização, mídia e comunicação, imobiliária e hotelaria (G1, 2024).
A rotina do empreendedorismo paralelo à carreira de apresentador. Em meados de 1962, Silvio comprou um horário aos domingos na TV Paulista para promover o Baú, onde estreou na televisão ao lançar o programa ‘Vamos Brincar de Forca’. Já em 1963, o apresentador estreava o programa Silvio Santos que se tornou um dos shows de auditório mais longevos da TV brasileira (CBN, 2024).
Com a crescente audiência, Silvio começou a pensar em ter sua própria emissora de TV para ampliar sua atuação na comunicação. Tal conquista começou a tomar rumo em 1976, ao inaugurar a TVS. Logo adquiriu concessões de transmissão, e assim, em 1981, a emissora deu espaço para o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Rapidamente o canal se estabeleceu como uma das principais redes de televisão do país, através de programas característicos como o próprio Programa Silvio Santos, que está ao ar desde o surgimento da emissora (REVISTA FÓRUM, 2024).
A partir de então a emissora emplacou uma trajetória de grandes sucessos na TV, entre pegadinhas, gincanas e quadros que alegraram e marcaram os domingos de muitos brasileiros. Mas nem só de bons momentos foi composta a vida do apresentador. Sua fama também foi marcada por inúmeras polêmicas, contabilizando notáveis tropeços em falas racistas, machistas e homofóbicas caracterizadas como “sem papas na língua”, que por diversas ocasiões foi alvo de críticas. (O TEMPO, 2024). Também foi alvo de acusações e até mesmo investigações que remeteram ao seu lado empresarial envolvendo seus negócios (RIC, 2024).
Na política, o apresentador foi uma figura cercada de complexidades, principalmente por sua ligação com a ditadura militar devido aos apoios que recebeu e a influência do presidente João Figueiredo, levantando possibilidades da sua relação na criação do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), já que durante o governo de Figueiredo, a emissora veiculou o quadro intitulado “Semana do Presidente”, que celebrava as ações do governo militar (CORREIO BAIANO, 2024).
Silvio também chegou a se candidatar à presidência do Brasil em 1989, aos 58 anos de idade, pelo pelo PMB (Partido Municipalista Brasileiro), a primeira eleição presidencial direta pós-ditadura. Porém não pôde seguir adiante, pois o Supremo Tribunal Eleitoral barrou, por 7 votos a 0, sua candidatura. Também foi pré-candidato a prefeito de São Paulo, desta vez filiado ao Partido da Frente Liberal. Mas sua candidatura foi enfraquecida (BBC, 2024).
A carreira do empresário continuou sendo marcada por laços com políticos de direita, inclusive durante o mandato da presidencia de Bolsonaro. Em 2018, o canal exibiu vinhetas durante intervalos que relembravam slogans da ditadura, como o “Brasil, ame-o ou deixe-o”, gerando críticas e indignação e assim a retirada imediata da peça publicitária (CORREIO BAIANO, 2024).
Nesse sentido, pode-se analisar a trajetória de vida e construção da identidade de Silvio Santos – uma das personalidades mais relevantes da televisão e sociedade brasileira-, sob a ótica da Teoria Construtivista das Relações Internacionais. Tal abordagem afirma que o mundo é socialmente construído, haja vista que está em constante transformação, e por isso agentes políticos e estruturas sociais se co-constituem e as ideias e interações moldam o modo como esses agentes definem os seus interesses, seu comportamento e identidade no sistema internacional (NOGUEIRA, p.4, 2011).
Por isso, segundo o pensamento do cientista político Emanuel Adler em seu artigo “Seizing the Middle Ground: Constructivism in World Politics” (1999), o construtivismo apresenta um viés mais interpretativo e social, enfatizando como as relações humanas, incluindo internacionais, estão interligadas e constituídas por pensamentos e ideias, e não somente por forças materiais, como é defendido por teorias positivistas. Seguindo tal linha de pensamento, Adler acredita também na relevância de comunidades epistêmicas, isto é, grupos sociais que compartilham conhecimentos e normas que podem influenciar relativamente o modo como líderes políticos e o Estado enxergam a realidade.
Isto posto, pode-se compreender que Silvio Santos, como figura pública, construiu, ao longo de sua trajetória, uma identidade de apresentador e empresário extremamente relevante para a sociedade brasileira, exercendo influência em diversos segmentos da sociedade e até mesmo na política, uma vez que devido a sua eloquência e protagonismo, Silvio conseguia interagir e influenciar a opinião pública acerca de inúmeras temáticas (mesmo polêmicas e outras controvérsias), demonstrando assim como a realidade é socialmente co-construída, e como agentes sociais como a figura emblemática de Silvio Santos podem ser relevantes para a percepção política do país, tal qual as comunidades epistêmicas apresentadas por Adler.
Ele utilizou os meios de comunicação para construir uma narrativa que o posicionava como um “homem do povo” e assim alcançar e manter seu poder dentro do cenário midiático e empresarial. As polêmicas em que Silvio Santos se envolveu, como suas relações com a ditadura militar e suas tentativas políticas, desafiaram normas estabelecidas e influenciaram o discurso público, exemplificando como um ator pode influenciar a realidade social e política. Essa interseção entre ação individual do apresentador para moldar o rumo da sua estrutura social reflete profundamente as ideias centrais do construtivismo nas RI.
REFERÊNCIAS:
ADLER, Emmanuel. O construtivismo no estudo das relações internacionais. Revista Lua Nova, 1999.
BOURROUL, Beatriz. Silvio Santos na política: candidatura à presidência durou apenas 10 dias; detalhes. Revista Quem, 17 ago. 2024. Disponível em: https://revistaquem.globo.com/noticias/noticia/2024/08/silvio-santos-na-politica-candidatura-a-presidencia-durou-apenas-10-dias-detalhes.ghtml. Acesso em: 17 ago. 2024.
CARDOSO, Tom. De camelô a dono de TV: relembre a trajetória de Silvio Santos. BBC, 17 ago. 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cy8xddnv2dlo. Acesso em: 17 ago. 2024.
CATTO, André. De camelô a megaempresário: como o talento de Silvio Santos construiu um império bilionário. G1, 17 ago. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2024/08/17/de-camelo-a-megaempresario-como-o-talento-de-silvio-santos-construiu-um-imperio-bilionario.ghtml. Acesso em: 17 ago. 2024.
CORREIO BAIANO. Silvio Santos e sua relação com a ditadura militar: legado e controvérsias. Correio Baiano, 17 ago. 2024. Disponível em: https://correiobaiano.com.br/2024/08/17/silvio-santos-e-sua-relacao-com-a-ditadura-militar-legado-e-controversias/. Acesso em: 17 ago. 2024.
ESTADÃO, Conteúdo. Silvio Santos já foi alvo de críticas e polêmicas; relembre. RIC, 17 ago. 2024. Disponível em: https://ric.com.br/prja/tv/silvio-santos-ja-foi-alvo-de-criticas-e-polemicas-relembre/. Acesso em: 17 ago. 2024.
GOUVEIA, Leandro. De camelô a dono de TV: relembre trajetória de Silvio Santos. CBN, 17 ago. 2024. Disponível em: https://cbn.globo.com/brasil/noticia/2024/08/17/de-camelo-a-dono-de-tv-relembre-trajetoria-de-silvio-santos.ghtml. Acesso em: 17 ago. 2024.
MOTTA, Julia. Silvio Santos: de camelô a bilionário, conheça a trajetória do apresentador. Revista Fórum, 17 ago. 2024. Disponível em: https://revistaforum.com.br/brasil/2024/8/17/silvio-santos-de-camel-bilionario-conhea-trajetoria-do-apresentador-164055.html. Acesso em: 17 ago. 2024.
NOGUEIRA, Carolina Dantas. Os atores sociais e a teoria das relações internacionais. In: 3° ENCONTRO NACIONAL ABRI 2001, 3., 2011, São Paulo. Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000122011000100045&lng=en&nrm=abn>. Acesso em: 18 ago. 2024.
O Tempo. Relembre 9 polêmicas que Silvio Santos se envolveu. O Tempo, 17 ago. 2024. Disponível em: https://www.otempo.com.br/entretenimento/2024/8/17/relembre-9-polemicas-que-silvio-santos-se-envolveu. Acesso em: 17 ago. 2024.
PRISCO, Luiz. Relembre a trajetória de Silvio Santos na televisão brasileira. Metrópoles, 17 ago. 2024. Disponível em: https://www.metropoles.com/entretenimento/televisao/relembre-a-trajetoria-de-silvio-santos-na-televisao-brasileira. Acesso em: 17 ago. 2024.
Terra. De camelô a bilionário: conheça a trajetória de Silvio Santos. Terra, 17 ago. 2024. Disponível em: https://www.terra.com.br/economia/meu-negocio/de-camelo-a-bilionario-conheca-trajetoria-de-silvio-santos,f79e6b9dcf37a410VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html. Acesso em: 17 ago. 2024.
