
Railson Silva (acadêmico do 8º semestre de RI da UNAMA)
A importância diminuída do Estado como ator central na política internacional deu origem a um debate na teoria das Relações Internacionais (RI) sobre a transformação gradual da política global (Burton, 1967). Esse debate chamou a atenção dos estudiosos para as relações transnacionais, que envolvem contatos e interações que atravessam fronteiras estatais e fogem ao controle das instituições de política externa dos estados nacionais (KEOHANE e NYE, 1971).
Nesse contexto, as organizações transnacionais emergiram como novos atores na política internacional, devido à sua influência na formação das relações Norte-Sul. Além disso, redes de profissionais, conhecidas como “comunidades epistêmicas” (Haas, 1990), também passaram a desempenhar um papel significativo na política internacional.
Peter M. Haas, professor de ciência política e teórico proeminente nas Relações Internacionais (RI), introduziu o conceito de “comunidades epistêmicas” em seu artigo seminal de 1992, “Introduction: Epistemic Communities and International Policy Coordination”. Segundo ele, as comunidades epistêmicas são redes de profissionais com expertise e competência em áreas específicas do conhecimento, compartilhando crenças normativas e causais, padrões de validade e uma agenda comum de problemas a serem resolvidos. Ademais, essas comunidades desempenham um papel crucial na formação de políticas internacionais ao influenciar a compreensão e a ação dos governos em relação a questões complexas e técnicas (HAAS, 1992).
O conceito de comunidades epistêmicas, elaborado por Peter M. Haas no início da década de 1990, transformou significativamente o campo das Relações Internacionais (RI) ao introduzir uma nova perspectiva sobre a influência do conhecimento especializado na formulação de políticas globais.
Segundo Haas (1992), em um mundo cada vez mais interconectado e dependente de tecnologias avançadas, os tomadores de decisão enfrentam desafios que muitas vezes superam suas capacidades de compreensão e análise. Nesses casos, as comunidades epistêmicas emergem como atores fundamentais, oferecendo as bases teóricas e dados necessários para que os governos possam entender a natureza dos problemas e formular soluções mais apropriadas.
Essa influência não se limita à definição dos problemas, mas também se estende à maneira como esses problemas são percebidos e às possíveis soluções propostas. Em seu artigo, Haas demonstra como essas comunidades moldam a compreensão e a ação dos Estados em questões como a regulação ambiental, saúde pública global e políticas econômicas internacionais.
Nesse viés, o impacto das comunidades epistêmicas é particularmente evidente em situações em que o conhecimento especializado é escasso ou controverso. Haas (1992) argumenta que essas comunidades têm a capacidade de construir consensos científicos e políticos, influenciando não apenas a agenda política, mas também o comportamento dos Estados e das organizações internacionais. Um exemplo disso é o caso do Protocolo de Montreal, onde uma comunidade epistêmica de cientistas atmosféricos conseguiu estabelecer um consenso sobre a necessidade de regular substâncias que destroem a camada de ozônio. Essa comunidade não só forneceu as evidências científicas necessárias para justificar a ação internacional, mas também desempenhou um papel central na negociação e implementação do tratado.
A teoria das comunidades epistêmicas também oferece uma nova compreensão sobre o papel das organizações internacionais no cenário global. Essas organizações, muitas vezes, dependem de conhecimentos especializados para desenvolver normas e padrões globais. Por exemplo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) depende fortemente de comunidades epistêmicas médicas para formular políticas de saúde pública, como visto durante a pandemia de COVID-19. Nesse contexto, as comunidades epistêmicas atuam como mediadoras entre o conhecimento científico e a formulação de políticas, traduzindo a ciência em recomendações práticas que podem ser implementadas por governos ao redor do mundo.
Em suma, as comunidades epistêmicas, como descritas por Peter M. Haas, representam uma contribuição teórica significativa para o campo das Relações Internacionais. Elas oferecem uma nova perspectiva sobre o papel do conhecimento e das ideias na formulação de políticas globais, destacando como a expertise técnica pode moldar a agenda política e influenciar as ações dos Estados. Assim, em um mundo cada vez mais complexo e interdependente, a compreensão do impacto das comunidades epistêmicas é essencial para a análise das dinâmicas de poder e das decisões políticas na arena internacional.
Referências:
BURTON, John. International Relations: A General Theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1967.
HAAS, Peter. Saving the Mediterranean: The Politics of International Environmental Cooperation. Nova Iorque: Columbia University Press, 1990.
Haas, Peter M. “Introduction: Epistemic Communities and International Policy Coordination.” International Organization, vol. 46, no. 1, 1992, pp. 1-35.
KEOHANE, Robert, NYE, Joseph. Transnational Relations And World Politics: An Introduction. International Organization, 1971.
