Caira Queiroz, acadêmica do 4° semestre de Relações Internacionais

Representatividade, resistência e talento! Essas palavras definem bem a trajetória da cantora brasileira conhecida como uma das maiores intérpretes do país: Clara Nunes. Cantora popular por excelência, vendendo mais de 4 milhões discos durante sua carreira, a artista traçou sua trajetória entoando o canto de orixás e exaltando a beleza do cotidiano e da ancestralidade das mulheres negras. Clara não foi apenas cantora e compositora, foi uma figura representativa da música popular brasileira, dos ritmos nativos e do folclore nacional.

Nascida (1942) e criada no interior de Minas Gerais, Caetanópolis – distrito da cidade de Paraopeba, Maria Clara Gonçalves Pinheiro viveu uma infância humilde. A filha mais jovem dos 7 filhos de Manuel Araújo e Amélia Nunes teve seus primeiros contatos com a música ao cantar em coros da igreja. Órfã aos seis anos, devido à doença de câncer da mãe e o grave acidente do pai, Clara cresceu sob o cuidado dos seus irmãos e aos embalos dos boleros e samba-canção entoados por sua família. Logo, o talento daquela menina também chamou atenção de todos em torno. Ganhou o seu primeiro concurso de canto da cidade em que morava, aos dez anos (MUNHOZ, 2023).

Anos se passaram e a busca pelo seu sonho em ser artista persistia. Conciliou o trabalho como tecelã com os estudos do curso de formação de professoras para participar do coral da Igreja aos finais de semana. Depois de ocorridos drásticos na sua vida pessoal, Clara se mudou para Belo Horizonte e lá passou a se apresentar nas rádios, ganhando impulso na sua carreira artística. O tom marcante da sua voz logo conquistou os mineiros e assim, chegou a ganhar o título de melhor cantora da cidade, no concurso A Voz de Ouro ABC, com a música Serenata do Adeus (DAMASCENO, 2021).

Mas o  marco decisivo do sucesso de sua carreira foi a mudança para o Rio de Janeiro, onde Clara ficou encantada ao olhar para o mar pela primeira vez. Tal paixão foi inspiração de várias músicas da artista ao longo da carreira. A sua participação na TV também ascendeu em terras cariocas, pois passou a se apresentar em inúmeros programas de televisão, aparecer em escolas de samba, clubes e casas noturnas (F.CONTENTE, 2022). 

A cidade também a apresentou para o samba, onde os ritmos africanos a fascinaram. Essa aproximação com o som dos tambores africanos também influenciou mudanças na vida religiosa da artista, que saiu do kardecismo para se converter às religiões de origem africana, frequentando terreiros de umbanda e do candomblé. A filha de Ogum e Yansã rompeu barreiras e usufruiu a música para levar aos palcos canções que exaltavam deuses de religiões africanas e tradições quilombolas, lutando contra o preconceito religioso (ALMEIDA, 2023).

Transcendendo limites, Clara Nunes conquistou diversos prêmios musicais ao longo de sua carreira. Em 1965, a artista gravou o seu primeiro LP, graças a um teste da Odeon em que foi aprovada para ser cantora. Já o seu primeiro álbum foi lançado no ano seguinte, porém não obteve sucesso devido ao repertório de boleros e canções mais românticas impostos pela gravadora. Somente no seu segundo álbum que Clara mostrou toda sua personalidade aos embalos do samba, conquistando o coração do público comVocê passa e eu acho graça” (DAMASCENO, 2021).

Já o seu quarto LP marcou a identidade e personalidade de Clara Nunes como artista do samba. A capa do álbum surpreendeu a todos com o novo visual de Clara: um permanente nos cabelos pintados de vermelho, vestes brancas e turbantes. A partir disso, Clara começou a usar vestimentas que possuíam relação com as religiões afro-brasileiras. Agora, a artista também reforçava as suas convicções não só nas letras e no ritmo, mas também no figurino e no penteado.

Ao lançar o álbum Clara Clarice Clara, a artista se firmou como cantora de samba, estando cada vez mais presente nas rádios e nos programas de TV brasileiros. A repercussão foi tão grande que Clara chegou a representar o Brasil no Festival do Midem, em Cannes, e teve um álbum lançado na Europa, em 1974. O LP foi recorde de vendas de cantoras brasileiras no exterior. Clara foi a primeira cantora brasileira a derrubar o tabu, sendo a primeira mulher a vender milhares de cópias de um único disco (F.CONTENTE, 2022).

Desde então, Clara Nunes lançou inúmeros hits que marcaram a música popular brasileira. Sucessos como Morena de Angola, O Mar Serenou, Conto de Areia, Tristeza Pé no Chão e Guerreira a tornaram uma das cantoras antigas mais lembradas no Brasil, que além das suas canções emblemáticas, a sua defesa e exaltação das religiões de matriz africana e pela cultura afro-brasileira foram referências de resistência numa sociedade totalmente intolerante na época.

Nesse sentido, é possível relacionar a trajetória artística de Clara Nunes na música popular brasileira, e sua crucial representatividade como precursora dos ritmos nativos e ancestralidade africana no samba, com a Teoria Pós-colonial das Relações Internacionais, que.examina a reconstrução dos espaços de discursos em sociedades marcadas pela imposição do saber/poder colonial, ressaltando o resgate da história, do conhecimento e do sujeito subalterno na busca por autonomia (AGUIAR, 2016).

Da mesma forma, Clara Nunes confrontou a ordem cultural estabelecida no Brasil através da sua arte, ao centralizar as culturas e tradições que foram historicamente descriminalizadas. Isso se alinha à crítica pós-colonial que expõe a tendência do universalismo eurocêntrico em apagar as diferenças culturais e impõe uma visão única do que é civilização sob uma lógica colonial.

 Ou seja, a trajetória de Clara, analisada dentro do seu contexto, reflete a luta por autonomia cultural dentro do país, onde tradições não europeias passam por fortes repressões. Ao criar esta contranarrativa ao universalismo cultural dominante, a artista elevou a visibilidade destas tradições através de seus sucessos, promovendo a uma nova forma de identidade ao reconhecê-las e celebrá-las. Clara Nunes: um legado fundamental contra preconceitos à essas crenças e ao fortalecimento do samba.

REFERÊNCIAS

DAMASCENO, Rafaela. Clara Nunes: biografia. Letras.mus.br, 2021. Disponível em: https://www.letras.mus.br/blog/clara-nunes-biografia/.  Acesso em: 13 set. 2024.

MUNHOZ, Pedro. Clara Nunes: o legado da cantora mineira na música brasileira. BHAZ, 2023. Disponível em: https://bhaz.com.br/noticias/clara-nunes/#google_vignette. Acesso em: 13 set. 2024.

ALMEIDA, Maurício. CLARA Nunes: 40 anos do adeus à artista mineira. Agência Brasil, 2023. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-03/clara-nunes-40-anos-do-adeus-artista-mineira.  Acesso em: 13 set. 2024.

F.CONTENT. Entenda como a cantora Clara Nunes marcou a música popular brasileira. Nova Brasil FM, 2022. Disponível em: https://novabrasilfm.com.br/notas-musicais/entenda-como-a-cantora-clara-nunes-marcou-a-musica-popular-brasileira.  Acesso em: 13 set. 2024.

AGUIAR, Jórissa. Teoria pós-colonial, estudos subalternos e América Latina: uma guinada epistemológica. Estudo Sociológico. Araraquara v.21 n.41 p.273-289 jul.-dez. 2016.


OLIVEIRA, Pedro. O pós-colonialismo nas relações internacionais: uma proposta para repensar teoria, estrutura e racionalidade no Sistema Internacional. Revista Liberato, Novo Hamburgo, v. 18, n. 30, p. 133-258, jul./dez. 2017.