
Giovanna de Lima Pereira – Internacionalista formada pela UNAMA.
Os conflitos armados têm sido responsáveis por milhares de mortes e feridos ao longo da história do mundo (como pode ser visto na primeira figura) e trazido efeitos devastadores para a humanidade. Dessa forma, pensar caminhos para paz tem sido atualmente a preocupação central do campo de pesquisa em Estudos de Paz dentro das Relações Internacionais. A área criada há 70 anos, tem se dedicado a demonstrar que a paz não é apenas um ideal inatingível, mas sim algo possível de ser alcançado por meio de políticas concretas e construção coletiva (Oliveira, 2017).
Figura 1 – Mortes em conflitos estatais por região (1946-2023)

Fonte: Our World in Data com base em Uppsala Conflict Data Program (2024) e Peace Research Institute Oslo (2017)
Nesse contexto, o dia 21 de Setembro foi estabelecido em 1981 pela Assembleia das Nações Unidas como o dia internacional da paz. A data foi proclamada com o objetivo de promover os ideais de paz e marcar um período de 24 horas de não-violência e cessar-fogo (Nações Unidas, 2023). Para o Secretário Geral da ONU, António Guterres, é necessário atuar pela diplomacia, diálogo e colaboração para acabar com tensões, conflitos e criar sociedades mais pacíficas, justas e inclusivas, livres do medo e da violência (Nações Unidas, 2023). Em 2015, 193 líderes mundiais se comprometeram com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, entre eles, se encontra o objetivo número 16, a saber: Paz, Justiça e Instituições fortes (Nações Unidas, 2024)
Dados da Uppsala Conflict Data Program (2024) e Natural Earth (2022) mostram as mortes em conflitos armados com base no local onde ocorreram em 2023 (ver figura ii). Como pode-se observar, o Sul Global tem sido o principal alvo de violência e insegurança, isso se dá em boa parte devido às heranças coloniais desses países e sua reprodução até os dias atuais, conhecido como colonialidade (Quijano, 2005). Nesse sentido, apesar da ONU ter estabelecido esta data para pensar e promover ações que levam ao fim de conflitos armados, é necessário que ampliemos a nossa concepção do que é paz. Desse modo, pensar a paz deve levar em consideração especificidades das diferentes regiões do mundo e portanto, deve-se pensar de forma aprofundada sobre as formas de dominação que os países do Sul Global enfrentam que se tornam um empecilho para alcançar a paz na região. O colonialismo (Césaire, 1978), o imperialismo (Lenin, 2021), subdesenvolvimento (Marini, 2023), as questões de gênero (Federici, 2022) entre outros tantos entraves e demandas, seguem sendo temas importantes a se discutir para vislumbrar um objetivo tão essencial como a construção de um caminho paz.
Figura 2 – Mortes em conflitos armados com base no local onde ocorreram (2023)

Fonte: Our World in Data com base em Uppsala Conflict Data Program (2024) e Natural Earth (2022)
Nesse sentido, embora os esforços por cessar fogo e fins de confrontos diretos no mundo sejam importantes e urgentes, ao se pensar em paz, não se deve ter em mente apenas conflitos bélicos diretos. Como explica o autor Johan Galtung (1996) o conceito de violência deve ser amplo o suficiente para incluir suas diversas manifestações mas também específico o suficiente para servir de base para uma ação concreta.
Dessa forma, Galtung (1996) elaborou o conceito do triângulo da violência. Assim, em uma ponta do triângulo está o que o autor define por violência direta, ou seja, violência física ou verbal identificável com o objetivo da eliminação física do outro, ações diretas facilmente perceptíveis. Já na outra ponta do triângulo está a violência estrutural que, em outras palavras, significa uma violência que tem suas raízes na própria forma de organização das sociedades, ou seja, nos aspectos de estruturas sociais e instituições que limitam o acesso a necessidades básicas e está ligada com a má distribuição de poder e recursos. Por fim, Galtung identifica uma violência simbólica utilizada como forma de legitimar a violência direta e estrutural, sendo elas a religião, ideologia, linguagem, arte, ciência, direito, mídia e educação, a esse fenômeno, Galtung deu o nome de violência cultural (Galtung, 1996).
Em vista disso, nota-se que o uso da força direta é a manifestação mais aparente da violência que tem suas raízes em questões estruturais e se legitima e reproduz por meios simbólicos. Logo, é necessário que consigamos identificar a violência para além da ação física mas também compreender que uma estrutura (capitalista) que foi moldada para penalizar os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos colocando-os e mantendo-os nesta posição (Marini, 2023), bem como um aparato ideológico para legitimar essa realidade como algo ‘universal’ e ‘natural’ (Gramsci, 2007), também é violência. É necessário questionar as raízes profundas das desigualdades e violência na sociedade atual para se pensar em caminhos que de fato possibilitem alcançar a paz.
Assim, essa data nos convida a refletir, em especial os internacionalistas, sobre o que entendemos como paz e seu caminho para alcançá-la. A partir de Galtung, devemos debater as condições para uma paz positiva, ou seja, vislumbrar formas de reduzir as desigualdades econômicas, promover a justiça social e cessar a opressão (Oliveira, 2017). Também nos permite pensar que atingir a paz é um trabalho conjunto, apenas coletivamente conseguiremos conquistá-la, portanto, repensar as assimetrias do sistema internacionais e as desigualdades nas relações de poder é imprescindível uma vez que a presença do colonialismo e do imperialismo se mostra com um dos maiores desafios para os países do Sul Global pensar, em um mundo pacífico, evidenciando a necessidade de inserir discussões sobre dependência, subordinação, intervencionismos e soberania nacional nos debates nas Nações Unidas.
Referências:
Deaths in armed conflicts based on where they occurred . Disponível em: https://ourworldindata.org/grapher/deaths-in-armed-conflicts-by-country. Acesso em 12 set 2024
Deaths in state-based conflicts by region. Disponível em: https://ourworldindata.org/grapher/deaths-in-state-based-conflicts-by-region. Acesso em 12 Set 2024
FEDERICI, Silvia. Reencantando o mundo: feminismo e a política dos comuns. Editora Elefante, 2022.
GALTUNG, Johan. Peace by peaceful means: Peace and conflict, development and civilization. Vol 14. Sage, 1996.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. v.3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2007.
LENIN, Vladimir Ilitch. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. Boitempo Editorial, 2021.
Nações Unidas. Dia Internacional da Paz ressalta ações e ambição para alcance dos ODS. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2023/09/1820722. Acesso em 12 de Set
Nações Unidas. Sobre o nosso trabalho para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em 13 ago 2024
PALHARES, Marcelo Fadori Soares; SCHWARTZ, Gisele Maria. ” Não é só a torcida organizada”: o que os torcedores organizados têm a dizer sobre a violência no futebol?. 2015.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina1. A Colonialidade do Saber: etnocentrismo e ciências sociais–Perspectivas Latinoamericanas. Buenos Aires: Clacso, p. 107-126, 2005.
