Railson Silva (acadêmico do 8º semestre de RI da UNAMA)

Desde os tempos antigos, as pessoas deram diferentes significados ao solo, ao mar e ao ar, dependendo dos lugares em que viviam, o que gerou interesses conflitantes e frequentemente levou os Estados a recorrerem ao uso da força para proteger esses interesses. Foi nesse contexto que surgiram teorias geopolíticas, buscando compreender melhor a dinâmica territorial. As teorias clássicas, em particular, ganharam destaque por ressaltarem a importância estratégica de certos territórios e a necessidade de expandir ou controlar áreas específicas para fortalecer o poder do Estado e atingir a hegemonia (ASSIS, 2008).

Dentre essas teorias, destaca-se a de Halford Mackinder, que enfocou a geopolítica do poder terrestre, influenciando as políticas de grandes potências ao longo da história. Mackinder é amplamente reconhecido como um dos pais fundadores da geopolítica clássica, sendo sua contribuição central para a teoria política internacional a concepção da “Teoria do Heartland” (ou teoria do “território pivô”). Publicada pela primeira vez em 1904, a teoria de Mackinder revolucionou o entendimento das relações de poder globais ao propor que o domínio de determinadas áreas estratégicas poderia determinar o controle hegemônico de todo o planeta.

Mackinder apresentou sua teoria no influente artigo “The Geographical Pivot of History “(1904), no qual observou o rápido avanço dos meios de transporte terrestre e alertou para o possível declínio da tradicional supremacia do poder marítimo, à medida que os vastos territórios do interior do continente euroasiático se tornavam cada vez mais integrados. No coração dessa extensa região situa-se o Heartland, uma área que se estende desde o Oceano Ártico, ao norte, até os desertos da Ásia Central, ao sul, e das estepes continentais, a oeste, até o centro da Sibéria, a leste (NEVES, 2021).

Na visão do pensador, esse imenso núcleo continental apresentava características fundamentais que o transformavam em uma espécie de “fortaleza mundial inacessível”. Seu isolamento em relação a mares navegáveis o protegia das potências marítimas, enquanto a topografia plana favorecia as comunicações terrestres. Logo, para Mackinder, quem controlasse o Heartland dominaria a Eurásia; e quem dominasse a Eurásia, controlaria o mundo.

No contexto histórico, segundo Kissinger (1994), a teoria de Mackinder desempenhou um papel central na formulação de estratégias durante a 1° e 2° Guerras Mundiais e na Guerra Fria. Assim, na Primeira Guerra, as potências ocidentais buscaram impedir que a Alemanha unificasse o controle sobre o território eurasiático. E na Segunda Guerra, o expansionismo nazista também se alinhava com os preceitos do Heartland, buscando garantir um espaço vital que englobava boa parte da Europa Oriental e da Ásia Central.

Além disso, durante a Guerra Fria, a teoria de Mackinder foi utilizada como referência para justificar a política de contenção dos Estados Unidos, buscando impedir que a antiga União Soviética ampliasse sua influência em direção ao ocidente ou ao oriente médio, visto que o controle do Heartland era uma preocupação estratégica tanto para Washington quanto para Moscou (KISSINGER, 1994).

Ademais, a Teoria do Heartland também influencia a geopolítica contemporânea. O interesse renovado por áreas da Ásia Central e do Ártico, em meio a crescentes tensões entre grandes potências, como Estados Unidos, China e Rússia, evoca os conceitos de Mackinder. A Iniciativa do Cinturão e Rota da China pode ser vista como uma tentativa moderna de aplicar o controle sobre regiões estratégicas da Eurásia, maximizando, dessa maneira, a conectividade e o domínio de rotas terrestres e marítimas. Tais fatos refletem a importância geopolítica atribuída à influência regional, ecoando a lógica do Heartland de Mackinder na tentativa de assegurar um poder central sobre a massa terrestre euroasiática (BRZEZINSKI, 1997).

Em síntese, o pensamento de John Mackinder e sua Teoria continuam a ser referências fundamentais para o estudo das relações internacionais e da geopolítica. A ideia de que a localização geográfica e o controle territorial têm implicações estratégicas duradouras se mantém relevante, ainda que reconfigurada pelas novas realidades do século XXI. A teoria fornece uma lente através da qual as disputas geopolíticas podem ser analisadas, destacando a interdependência entre geografia, poder e tecnologia ao longo da história.

Referências:

Assis, J. F. d. A teoria geopolítica clássica de Mackinder validada pelas ações e acontecimentos envolvendo a Rússia na atualidade. Orientador: Renato Petrocchi, 2008. Disponível em: < https://www.repositorio.mar.mil.br/handle/ripcmb/29888>

BRZEZINSKI, Zbigniew. The Grand Chessboard: American Primacy and its Geostrategic Imperatives. Basic Books, 1997.

KISSINGER, Henry. Diplomacy. Simon & Schuster, 1994.

NEVES, Ricardo. As Origens da Geopolítica – A Geopolítica Clássica. Orbis, 2021. Disponível em: <https://orbisirsa.pt/as-origens-da-geopolitica-a-geopolitica-classica/&gt;