
Carla Gomes de Lima – acadêmica do 4° semestre de Relações Internacionais da UNAMA.
A Amazônia, celebrada por sua imensa biodiversidade e recursos naturais, enfrenta uma grande incoerência: enquanto abriga riquezas naturais que podem possibilitar a subsistência de uma sociedade, é fonte de acumulação de patrimônio de grandes corporações, que se traduz em altos índices de fome e pobreza extrema para a população local. O agronegócio e corporações transnacionais controlam vastas áreas do território amazônico, direcionando a produção local para o mercado internacional, enquanto as comunidades amazônidas lutam pela sua segurança alimentar. (ALMEIDA; ALMEIDA, 2021)
O atual modelo econômico, baseado no agronegócio e na dependência de commodities para exportação, acaba por privilegiar a dinâmica do comércio mundial, deixando comunidades locais à mercê da escassez alimentar. No entanto, o agravamento da fome na região não é apenas um subproduto do desenvolvimento econômico, mas uma expressão clara da biopolítica contemporânea. (LEMOS, 2016)
A lógica exploratória, na qual recursos naturais são expropriados para obtenção de lucro e desenvolvimento econômico, revela-se como um grande obstáculo. A expropriação de terras para grandes empreendimentos de mineração ou agronegócio, bem como o uso intensivo de terra para monocultura voltada para exportação agravam a insegurança alimentar local, uma vez que grande parte dos recursos produzidos não são destinados ao consumo interno.(LEMOS, 2016)
Consoante a isso, a insegurança alimentar na Amazônia escala para números alarmantes, com 45,2% da população do norte sofrendo algum grau de privação. Desse modo, a necessidade de ponderar o modelo de produção e distribuição de alimentos se faz urgente, a medida que a InSAN (Insegurança Alimentar e Nutricional) afeta, inclusive, produtores rurais. Esses dados explicitam não só a escassez de medidas macroeconômicas que sejam capazes de mitigar as desigualdades sociais, mas também escancara a face do capitalismo brutal que não hesita em trocar o acesso à direitos básicos por lucros exorbitante. (LIMA; LOURENÇO, 2023)
Essa discussão é ampliada quando vinculada à biopolítica de Michel Foucault, – teórico pós-moderno – que descreve como o poder estatal e o biopoder se inserem na vida das populações, regulando o acesso à saúde, à nutrição, à terra e consequentemente a sobrevivência. Sendo válido ressaltar que a exploração de corpos e territórios segue sendo legitimada por discursos de desenvolvimento econômico. O controle exercido pelo biopoder transforma direitos básicos em privilégio acessível para poucos. O resultado é que, mesmo em uma região naturalmente abundante, comunidades inteiras enfrentam insegurança alimentar acentuada, enquanto seus recursos são drenados para alimentar mercados externos. (LEMOS, 2016)
Sob outro enfoque, a soberania alimentar, defendida pelos movimentos sociais na Amazônia, emerge como uma forma de resistência ao biopoder. Esse movimento se contrapõe à lógica da biopolítica ao buscar a emancipação das grandes corporações e ao promover a agroecologia e a agricultura familiar como alternativas ao modelo capitalista hegemônico. A agroecologia, ao valorizar os saberes tradicionais e os modos de vida sustentáveis, representa uma prática de resistência que possibilita às populações amazônicas retomar o controle sobre seus corpos, seu território e sua alimentação. (Almeida, Almeida. 2021)(ALMEIDA; ALMEIDA, 2021)
Ademais, a valorização da agricultura familiar é crucial para garantir a segurança alimentar e para enfrentar a fome na Amazônia, a medida em que a soberania alimentar não é apenas uma questão de acesso a alimentos, mas uma questão de autonomia e poder. Ao promover a agricultura familiar e a agroecologia, as estruturas de poder que perpetuam a fome e a desigualdade, são desafiadas e ganham uma nova perspectiva, compondo um modelo de produção que respeita as especificidades locais e os direitos das populações tradicionais.
Portanto, amazonizar o combate à fome significa resistir às forças do biopoder que controlam os corpos e os territórios amazônicos. A luta pela soberania alimentar é, assim, um movimento político que busca redefinir o papel das populações locais no sistema alimentar global, garantindo que o acesso ao alimento não seja controlado pelas grandes corporações, mas pelos próprios povos da Amazônia. Essa resistência é uma forma de reapropriação do território e do direito à alimentação, em um contexto de luta contra a perpetuação de praticas que subjugam as populações mais vulneráveis.
ALMEIDA, Mário Tito Barros. ALMEIDA, Leila Cristina Santos. Fome e soberania alimentar na Amazônia: notas sobre um silêncio cada vez mais incômodo. Revista Tempo Amazônico. V.8. P, 228- 249. Belém, 2021.
LEMOS, Flávia Cristina Silveira. Paradoxos do exercício de práticas de biopoder na Amazônia Paraense. Revista de psicologia. V. 28, N 3. P, 316-323. Belém, 2016.
LIMA, Thiago. LOURENÇO, Erbenia. A cúpula da Amazônia e o combate à fome. Fundação Heinrich Böll Brasil, 2023. Disponível em: https://br.boell.org/pt-br/2023/08/04/cupula-da-amazonia-e-o-combate-fome. Acesso em 12, de setembro de 2024.
