Por Alice Amaral, acadêmica do 4º semestre de Relações Internacionais na Unama

A Europa tem presenciado, nos últimos anos, uma escalada de protestos contra imigrantes, impulsionados por fatores políticos, econômicos e sociais que se entrelaçam em um cenário complexo. Para analisar esse fenômeno, é útil aplicar tanto a perspectiva construtivista, que foca nas narrativas e identidades, quanto a teoria realista, especialmente através das ideias de Robert Gilpin. Suas teorias sobre ciclos de hegemonia, mudanças estruturais e a interação entre estrutura e agência ajudam a entender como as dinâmicas globais moldam as políticas migratórias e a forma como os protestos emergem em resposta a essas pressões.
Historicamente, a Europa sempre foi um polo de atração para imigrantes. No período do pós-Segunda Guerra Mundial, países como França, Reino Unido e Alemanha receberam imigrantes de ex-colônias para ajudar na reconstrução econômica. Contudo, à medida que crises econômicas e políticas passaram a desafiar a estabilidade interna desses países, a imigração se tornou um tema politicamente delicado. A crise de refugiados de 2015, resultante de conflitos no Oriente Médio e no norte da África, revelou a fragilidade dos sistemas europeus de acolhimento e integração, e expôs as divisões políticas em relação à imigração.
A Teoria dos Ciclos de Hegemonia nos oferece uma maneira de entender as profundas transformações pelas quais o sistema internacional passa, influenciando diretamente a política interna dos Estados. De acordo com Gilpin, o sistema internacional é caracterizado pela ascensão e declínio de potências hegemônicas. Quando uma potência dominante, como os Estados Unidos, entra em declínio, o sistema global torna-se mais instável, abrindo espaço para novas potências emergentes, como a China (GARCIA, 2010). Esse contexto de instabilidade hegemônica afeta as economias europeias e, consequentemente, as percepções sobre imigração. A migração, que durante os tempos de crescimento econômico é vista como benéfica, passa a ser vista como uma ameaça em tempos de declínio da uma hegemonia.
Ao considerar a perspectiva construtivista de Alexander wendt, entendemos que a imigração, e os protestos subsequentes, não podem ser explicados apenas por fatores econômicos ou estruturais. As identidades nacionais e culturais, constantemente construídas e negociadas, desempenham um papel central na forma como as sociedades europeias percebem a imigração. De acordo com Wendt (2009), as ameaças à segurança são intersubjetivamente construídas, o que significa que a imigração é percebida como uma ameaça não por suas consequências econômicas diretas, mas pela forma como desestabiliza narrativas identitárias estabelecidas nas nações receptoras. Nesse sentido, os protestos anti-imigração não são apenas reações a pressões econômicas, mas também a um medo de erosão cultural, refletindo a complexa interação entre estrutura e agência na construção dessas percepções.
Essas teorias ajudam a explicar por que a crise migratória de 2015 desencadeou uma resposta tão negativa em muitos países europeus. À medida que a hegemonia americana entrou em declínio e a globalização econômica gerou tensões internas, muitos europeus passaram a culpar os imigrantes por seus problemas econômicos, sociais e culturais, vendo-os não apenas como competidores por recursos limitados e empregos, mas também como uma ameaça à identidade nacional e à coesão social. Dessa forma, tanto as pressões materiais, destacadas por Gilpin, quanto as construções sociais e identitárias, exploradas por Wendt, ajudam a compreender as complexas reações europeias à crise migratória.
Gilpin também propõe a teoria das Mudanças Estruturais no Sistema Internacional, que destaca como a globalização e a interdependência econômica global reconfiguram as relações entre os Estados e as suas economias domésticas (GARCIA, 2010). A globalização intensificou os fluxos migratórios, ao mesmo tempo em que exacerbou as desigualdades sociais dentro das nações europeias. Por um lado, a livre circulação de trabalhadores dentro da União Europeia, combinada com a chegada de refugiados e imigrantes de fora do continente, aumentou a competição por empregos em setores de baixa qualificação. Por outro lado, essa mesma globalização trouxe benefícios econômicos para certas classes sociais, enquanto outras ficaram para trás, gerando uma maior divisão social.
Os protestos contra imigrantes que vemos hoje são, em grande parte, reações a essas transformações estruturais. A narrativa populista e nacionalista, adotada por partidos de extrema direita em países como Itália e França, explora o medo da perda de empregos e a competição por recursos como motivadores centrais para esses protestos (CNN BRASIL, 2024).
Já em contraste, países como a Hungria, sob a liderança de Viktor Orbán, adotaram políticas de rejeição aos imigrantes, construindo barreiras físicas e reforçando uma retórica de proteção à “civilização cristã” europeia. Essa diferença de resposta reflete como os governos, mesmo sob pressões estruturais semelhantes, podem tomar decisões políticas diferentes devido às suas condições internas e ao seu papel no cenário internacional (OPERA MUNDI, 2024).
As mídias sociais têm desempenhado um papel crucial na amplificação dos discursos xenofóbicos e populistas. Plataformas como Facebook e Twitter permitiram a rápida disseminação de notícias falsas e teorias da conspiração sobre imigração, polarizando ainda mais o debate público e alimentando os protestos anti-imigração (PUSSETTI, 2010). As redes sociais funcionam como um catalisador para os temores existentes na sociedade, amplificando a percepção de que os imigrantes são responsáveis pelos problemas econômicos e sociais.
Gilpin argumenta que as mudanças tecnológicas reconfiguram o sistema de poder global e as estruturas internas dos Estados. Nesse sentido, as mídias sociais são um novo espaço de poder, que influenciam a forma como os Estados respondem às crises migratórias, ao criar ou intensificar as pressões políticas internas (GARCIA, 2010).
As consequências dos protestos contra imigrantes na Europa são profundas. A ascensão de partidos de extrema direita, como o AfD na Alemanha e o Chega em Portugal, tem sido diretamente impulsionada pelo medo da perda de soberania e pela percepção de que os imigrantes ameaçam a segurança e os valores culturais europeus (CNN BRASIL, 2024). A Teoria dos Ciclos de Hegemonia nos mostra que, à medida que as potências globais declinam, as sociedades enfrentam incertezas, e as respostas a essas incertezas muitas vezes envolvem o fechamento de fronteiras e o fortalecimento de políticas nacionalistas.
Além disso, a violência resultante dos protestos contribui para a marginalização ainda maior dos imigrantes, criando um ciclo de exclusão social que perpetua as tensões dentro das sociedades europeias. A teoria da Interação entre Estrutura e Agência ajuda a explicar como as pressões globais, combinadas com as escolhas políticas dos governos, podem agravar esses problemas, tornando a integração dos imigrantes cada vez mais difícil.
Em suma, este artigo demonstrou que os protestos contra imigrantes na Europa são resultado de um complexo entrelaçamento de fatores históricos, econômicos, políticos e culturais. As teorias de Gilpin e Wendt nos ajudam a compreender como as dinâmicas globais, as identidades nacionais e as políticas públicas moldam as percepções e as reações em relação à imigração. É fundamental que os governos europeus invistam em políticas de integração que promovam a coesão social e combatam a discriminação. Além disso, é urgente que as plataformas de mídia social adotem medidas mais rigorosas para combater a disseminação de discursos de ódio e notícias falsas. Os desafios enfrentados pela Europa ecoam em diversas partes do mundo, evidenciando a necessidade de um debate global sobre as políticas migratórias e os direitos humanos.

Referências:
AGÊNCIA BRASIL. Mais de 100 são detidos na Inglaterra, em protestos antiimigração. 2024. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/. Acesso em: 15 out.
CNN BRASIL. Entenda os protestos da extrema direita britânica e quem está por trás deles. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/. Acesso em: 15 out. 2024.
GARCIA, Ana Saggioro. Hegemonia e imperialismo: caracterizações da ordem mundial capitalista após a Segunda Guerra Mundial. 2010.
OPERA MUNDI. Milhares de pessoas protestam em Portugal contra imigrantes no país. Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/. Acesso em: 15 out. 2024.
PUSSETTI, Chiara. Identidades em crise: imigrantes, emoções e saúde mental em Portugal. 2010.
VILLA, Rafael Duarte; GASPAR, Debora Garcia. Notas sobre hegemonia, poder e guerra em Gilpin. 2018.
BRANCANTE, P. H., & Reis, R. R. (2009). A securitização da imigração: mapa do debate. Lua Nova, 77, 73-104.