
Alciane Carvalho Dias, acadêmica do 6º semestre de Relações Internacionais
Kendrick Lamar, nascido em 1987 em Compton, Califórnia, é um rapper, compositor e produtor amplamente reconhecido como uma das vozes mais influentes da música contemporânea. Sua obra explora questões sociais, políticas e raciais, refletindo sobre a realidade vivida nas periferias urbanas dos Estados Unidos (LAST.FM, 2023).
Com álbuns aclamados como good kid, m.A.A.d city (2012) e To Pimp a Butterfly (2015), Lamar se destaca não apenas por sua habilidade lírica e narrativa, mas também por sua profunda análise das dinâmicas de poder e identidade racial na sociedade americana.
A obra de Kendrick transcende os limites da música e se insere em debates globais sobre opressão, desigualdade e resistência. A partir de uma análise crítica de sua carreira e dos temas centrais de suas músicas, é possível traçar paralelos com as teorias marxistas e feministas. Ambas as teorias fornecem ferramentas conceituais para interpretar como Lamar expõe e critica as estruturas de poder e dominação na sociedade contemporânea.
A teoria marxista nas Relações Internacionais destaca a centralidade das estruturas econômicas na perpetuação da exploração e desigualdade globais. Para Karl Marx, a sociedade capitalista está baseada na exploração da classe trabalhadora pelos detentores dos meios de produção, criando uma relação de opressão que transcende as fronteiras nacionais e influencia a dinâmica entre os Estados e as classes sociais (Marx e Engels, 1848). Na obra de Kendrick Lamar, especialmente em álbuns como “To Pimp a Butterfly” (2015), essa crítica é evidente. O álbum examina as pressões do capitalismo sobre indivíduos e comunidades negras, explorando como a luta pelo sucesso financeiro pode levar à alienação e à perpetuação de dinâmicas opressoras. Faixas como “Wesley’s Theory” articulam a experiência de ascensão financeira no contexto da indústria do entretenimento, que, segundo Lamar, reforça o ciclo de exploração ao capitalizar a cultura negra para o consumo das massas, sem proporcionar emancipação genuína para os artistas e suas comunidades.
A crítica marxista do rapper não se limita ao papel do capitalismo no entretenimento, mas estende-se às estruturas socioeconômicas mais amplas que perpetuam a desigualdade racial e de classe. Em faixas como “Money Trees” e “Institutionalized”, Lamar examina as condições materiais que mantêm as comunidades negras em uma posição de desvantagem estrutural. Essas análises refletem o que os teóricos marxistas descrevem como uma forma de imperialismo econômico, em que a exploração das classes trabalhadoras e das comunidades marginalizadas se dá em uma escala global, sendo tanto uma consequência quanto uma sustentação da economia capitalista globalizada (Wallerstein, 2004).
Enquanto a teoria marxista oferece uma análise das estruturas econômicas de opressão, a teoria feminista nas RI amplia esse foco ao incluir as dimensões de gênero e raça nas análises das relações de poder. A interseccionalidade, conceito central para muitas teóricas feministas, sugere que raça, gênero e classe são categorias que se sobrepõem e se reforçam mutuamente na produção de desigualdades sociais (Crenshaw, 1989). Em sua carreira, Kendrick frequentemente explora essas interseções, especialmente no que diz respeito à experiência das mulheres negras.
Em “Complexion (A Zulu Love)”, por exemplo, o compositor celebra a diversidade de tons de pele dentro da comunidade negra, desafiando as hierarquias raciais e as noções de beleza impostas pela hegemonia cultural branca. Este é um exemplo de como a música do artista reflete as críticas feministas às estruturas patriarcais e raciais que determinam os papéis e as percepções sociais.
A teoria feminista também questiona a maneira como o poder é exercido tanto dentro dos Estados quanto nas relações internacionais, argumentando que as experiências das mulheres e outras minorias são frequentemente marginalizadas ou invisibilizadas nas análises tradicionais de poder (Tickner, 1992). Lamar, ao destacar as dificuldades enfrentadas por mulheres negras em suas músicas, como em “Sing About Me, I’m Dying of Thirst”, contribui para dar voz às narrativas de mulheres que são sistematicamente excluídas do debate público e político. Ao fazer isso, ele incorpora uma análise feminista que critica as estruturas patriarcais e racistas que condicionam as experiências de mulheres e homens negros, reforçando a tese de que a luta por justiça social deve ser interseccional.A obra de Kendrick pode ser interpretada como uma forma de resistência política que se alinha com as visões marxistas e feministas de emancipação e transformação social. Para teóricos marxistas, a mudança social só pode ocorrer através de uma conscientização coletiva que desafie as bases estruturais da exploração (Gramsci, 1971). Da mesma forma, as feministas argumentam que a emancipação só é possível quando as intersecções de opressão são reconhecidas e enfrentadas coletivamente (Hooks, 1984). O rapper, ao trazer essas questões para o centro de sua arte, atua como uma voz de conscientização para suas audiências, promovendo um entendimento crítico das dinâmicas de poder e incentivando a resistência contra as formas de dominação social, racial e econômica.
Seu álbum “DAMN.” (2017) oferece uma visão mais pessoal e filosófica dessa resistência. Em faixas como “DNA.” e “FEAR.”, causa uma reflexão sobre a internalização da opressão e as complexas dinâmicas psicológicas resultantes das pressões raciais e sociais. Essa introspecção reforça a ideia de que a resistência não é apenas uma luta contra as estruturas externas de poder, mas também uma batalha interna contra as formas de controle mental e emocional que essas estruturas impõem, alinhando-se com o que teóricas feministas e pós-coloniais descrevem como a necessidade de descolonizar a mente e desafiar os sistemas internalizados de opressão (Fanon, 1961).
Kendrick Lamar, através de sua música, apresenta uma crítica abrangente das estruturas de poder que moldam a sociedade contemporânea. Em uma análise crítica, é possível perceber como o compositor expõe a exploração econômica e as dinâmicas interseccionais de raça e gênero que perpetuam a opressão. Sua obra transcende o entretenimento e se posiciona como uma forma de resistência política, convidando seu público a refletir sobre as condições materiais e simbólicas de sua existência e a lutar pela emancipação coletiva. Nesse sentido, Lamar exemplifica como a cultura popular pode ser um veículo poderoso para a conscientização crítica e a transformação social.
Referências Bibliográficas:
CRENSHAW, Kimberlé. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory, and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum, 1989.
FANON, Frantz. The Wretched of the Earth. Nova York: Grove Press, 1961.
GRAMSCI, Antonio. Selections from the Prison Notebooks. Nova York: International Publishers, 1971.
HOOKS, Bell. Feminist Theory: From Margin to Center. Boston: South End Press, 1984.
LAST.FM. Kendrick Lamar – Biografia. 2023. Disponivel em: https://www.last.fm/pt/music/Kendrick+Lamar/+wiki . Acesso em: 7 de outubro de 2024,
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Communist Manifesto. Londres: Penguin Books, 1848.
MUZPLAY. Kendrick Lamar – Biografia. Disponível em: https://www.muzplay.net/musica/kendrick-lamar. Acesso em: 7 de outubro de 2024.
TICKNER, J. Ann. Gender in International Relations: Feminist Perspectives on Achieving Global Security. Nova York: Columbia University Press, 1992.
WALLERSTEIN, Immanuel. World-Systems Analysis: An Introduction. Durham: Duke University Press, 2004.
