Railson Silva – acadêmico do 8° semestre de Relações Internacionais da Unama

A chamada geopolítica clássica, período que Gokmen (2010) denomina como a “era de ouro” da geopolítica, estendeu-se do final do século XIX até o término da Segunda Guerra Mundial. Nesse contexto, a acirrada rivalidade entre potências globais como Inglaterra, Alemanha, Rússia e Estados Unidos criou um ambiente fértil para o desenvolvimento de estudos geopolíticos, onde teóricos buscavam entender e prever as dinâmicas de poder e influência territorial entre essas nações. Dentre esses teóricos, destaca-se o Nicholas Spykman que foi um importante formulador das estratégias geopolíticas dos EUA, feitas no contexto da 2° Guerra Mundial e que perduram até os dias atuais.

Nicholas John Spykman, nascido na Holanda em 1893, desenvolveu sua trajetória nos Estados Unidos, onde atuou como geógrafo e cientista político na Universidade de Yale e dirigiu o Instituto de Estudos Internacionais. Sua visão de mundo estava fundamentada nos princípios da corrente realista das Relações Internacionais, a qual caracteriza o sistema internacional como anárquico, devido à ausência de uma autoridade central superior aos Estados soberanos. Nesse contexto, os Estados adotam uma postura competitiva, buscando a maximização de poder como meio de assegurar sua sobrevivência e influência (MORGENTHAU, 2003).

Spykman (1893-1943) elabora suas ideias em sua análise para determinar o papel que os Estados Unidos deveriam assumir no cenário global, caso fossem vitoriosos na Segunda Guerra Mundial. Dessa forma, ele desenvolve a teoria do “Rimland”, onde a tradicional ênfase no controle do Heartland é reavaliada, visto que a União Soviética já exercia um domínio consolidado sobre essa região. Logo o foco passa, então, para a contenção dessa potência, criando uma “cintura” estratégica ao seu redor – o rim – com o objetivo de impedir sua expansão para áreas adjacentes e, assim, manter o equilíbrio de poder.

A teoria de Spykman é, em grande medida, uma resposta à “Teoria do Heartland” de Halford Mackinder, formulada em 1904. Mackinder enfatizou que quem controlasse o “Heartland” (Eurásia) controlaria o mundo, destacando a importância do território central e de difícil acesso, circundado por oceanos e desertos naturais, como uma região impenetrável e autossuficiente (Mackinder, 1942). 

Em oposição, Spykman argumenta que o “Rimland” – as zonas costeiras que circundam o Heartland – possui maior importância estratégica, uma vez que tem acesso tanto aos recursos continentais quanto aos marítimos. Ele formula a ideia de que quem conseguir o  controle do Rimland pode controlar a Eurásia; e quem controlar a Eurásia controla os destinos do mundo (Spykman, 1944), afirmando que o poder global é determinado pelo controle dessas áreas intermediárias, que apresentam maior conectividade e riqueza em recursos naturais.

O realismo clássico, corrente à qual Spykman é associado, argumenta que o comportamento dos Estados é orientado pela busca por poder e segurança em um sistema internacional (SI) anárquico. Tal perspectiva coloca a teoria do Rimland como um imperativo estratégico que prioriza a manutenção de “zonas-tampão” para evitar a emergência de uma única potência dominante na Eurásia. Para Spykman, o poder global seria garantido não apenas pela força militar, mas também pela capacidade de manter alianças estratégicas e influenciar regiões periféricas, de modo a conter o avanço de potenciais rivais.

Nesse contexto, ele defende uma política externa norte-americana baseada na contenção e no equilíbrio de poder, conceitos posteriormente incorporados na Doutrina de Contenção durante a Guerra Fria. A teoria de Spykman contribui para uma visão pragmática da política internacional, que reconhece as realidades geográficas como determinantes do comportamento estatal e das configurações de poder global (Venier, 2004).

Em suma, as contribuições de Spykman transcendem seu contexto histórico, sendo ainda relevante para o estudo da geopolítica contemporânea e para as Relações Internacionais. Em um cenário internacional multipolar, onde emergem novas potências regionais como a China e a Índia, a teoria do “Rimland” proporciona uma estrutura analítica útil para compreender as dinâmicas de poder nas zonas de contato entre as potências marítimas e continentais. 

Referências:

GOKMEN, S. Ranâ. Geopolitics and the study of international relations. Tese (Doutorado em Filosofia) – Department of International Relations, Middle East Technical University, Ancara, 2010. 

MACKINDER, H. J. . Democratic Ideals and Reality. W. W. Norton & Company, 1942.

MORGENTHAU, Hans. A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. Brasília: UNB, 2003. 

NEVES, Ricardo. As Origens da Geopolítica – A Geopolítica Clássica. Orbis, 2021. Disponível em: <https://orbisirsa.pt/as-origens-da-geopolitica-a-geopolitica-classica/&gt&gt;

SPYKMAN, N. J. The Geography of the Peace. Harcourt, Brace.  1944
VENIER, P. La géopolitique entre discours scientifique et sens commun: Friedrich Ratzel et Halford Mackinder. In L’Espace géographique 2004.