Alciane Carvalho Dias – acadêmica do 6º semestre de Relações Internacionais da UNAMA.

A educação quilombola no Brasil representa um campo de resistência e luta pela preservação das identidades, histórias e saberes de comunidades tradicionais, que têm enfrentado séculos de exclusão e invisibilidade social. Essa modalidade educacional tem como base os princípios de ancestralidade, territorialidade e coletividade, valorizando o protagonismo das comunidades quilombolas no processo de ensino e aprendizagem.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, o Estado brasileiro reconhece o direito à educação diferenciada para os povos e comunidades tradicionais, incluindo os quilombolas. O Decreto nº 6.040/2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, reforça esse compromisso, assegurando o respeito às práticas culturais e ao modo de vida desses grupos. Contudo, a implementação de uma educação que realmente contemple suas especificidades ainda enfrenta desafios, como a precariedade das escolas em áreas quilombolas e a formação inadequada de professores (BRASIL, 1988) (BRASIL, 2007).

Considerando a necessidade de reconhecer a ancestralidade desses povos no contexto contemporâneo, o espaço escolar quilombola não deve ser apenas um local de transmissão de conhecimentos formais, mas também um território de reafirmação identitária. Para além do ensino convencional, ela deve englobar práticas pedagógicas que incluam os saberes locais, histórias de resistência e a valorização das línguas e expressões culturais quilombolas. 

A perspectiva decolonial, conforme defendida por Boaventura de Sousa Santos, é central no debate sobre a educação quilombola. Santos (2007) destaca que o pensamento eurocêntrico, ainda predominante nas estruturas educacionais, precisa ser substituído por epistemologias que reconheçam e valorizem os saberes locais e plurais. Ele defende a “ecologia de saberes”, que pressupõe a coexistência e o diálogo entre diferentes formas de conhecimento. Essa abordagem é especialmente relevante para a educação quilombola, pois permite que os saberes ancestrais dessas comunidades sejam integrados ao currículo e valorizados como fundamentais.

No campo das relações internacionais, Achille Mbembe oferece insights críticos sobre as dinâmicas de exclusão que afetam os quilombolas. O conceito de necropolítica, apresentado por Mbembe (2017), descreve como determinadas populações são historicamente marginalizadas e submetidas a condições que limitam suas capacidades de existência plena. Isso se manifesta nas comunidades quilombolas, que enfrentam não apenas exclusão educacional, mas também negação de direitos básicos, como saúde e infraestrutura, reforçando a urgência de uma educação transformadora.

Além disso, Amartya Sen (1999) contribui ao destacar a educação como uma dimensão central para o desenvolvimento humano. Em sua obra “Development as Freedom“, Sen argumenta que a liberdade individual é a base para o desenvolvimento, e a educação é uma das “capacidades” mais importantes para alcançar essa liberdade. No contexto quilombola, isso significa que o acesso a uma educação culturalmente relevante pode ser um meio para superar a opressão histórica, ampliando as possibilidades de autonomia e emancipação social dessas comunidades.

Outro autor relevante é Frantz Fanon, que, apesar de não ser tradicionalmente ligado ao debate educacional, oferece uma análise crucial sobre a descolonização do pensamento. Fanon (1968) enfatiza que a libertação das estruturas coloniais não é apenas material, mas também simbólica e cultural. Aplicado ao contexto quilombola, isso implica na necessidade de romper com os currículos padronizados que reproduzem uma visão eurocêntrica da história, promovendo, em vez disso, uma educação que reconheça a centralidade da cultura e da história africana e afro-brasileira.

A luta pela educação quilombola no Brasil transcende o campo educacional; trata-se de uma batalha por justiça social, igualdade e reconhecimento. Ao dialogar com teorias como a decolonialidade de Santos, a necropolítica de Mbembe, o desenvolvimento como liberdade de Sen e a descolonização de Fanon, compreendemos que a educação quilombola não é apenas um direito, mas também uma ferramenta de transformação.

Nesse sentido, é imprescindível que o Estado, a sociedade civil e as instituições de ensino se comprometam com políticas públicas que promovam uma educação verdadeiramente inclusiva e emancipadora. Apenas dessa forma será possível construir uma sociedade que respeite e valorize a diversidade cultural e histórica do Brasil.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 15 nov. 2024.

FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: N-1 Edições, 2017.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2007.

SEN, Amartya. Development as Freedom. Oxford: Oxford University Press, 1999.