Alciane Carvalho Dias6⁰ semestre de Relações Internacionais da UNAMA.

O combate à violência contra as mulheres é uma prioridade internacional que exige abordagens integradas e interdisciplinares, dada sua complexidade e amplitude. Este fenômeno, que afeta milhões de mulheres em todo o mundo, transcende fronteiras e contextos culturais, sendo profundamente enraizado em estruturas de poder desiguais e dinâmicas históricas de discriminação de gênero. Sob a perspectiva de marcos legais globais e teorias das Relações Internacionais, como o Feminismo e o Construtivismo, torna-se possível analisar as iniciativas existentes e compreender sua relevância na transformação das relações de poder que perpetuam essa violência.

A escolha do dia 25 de novembro como o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres é um marco significativo no esforço global de conscientização. Instituído em 1999 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a data homenageia as irmãs Mirabal, ativistas políticas da República Dominicana brutalmente assassinadas em 1960 durante a ditadura de Rafael Trujillo. O caso das irmãs Mirabal é emblemático ao simbolizar tanto a resistência feminina contra regimes autoritários quanto a violência de gênero como forma de silenciamento político. Assim, o 25 de novembro transcende a memória histórica e serve como um apelo à mobilização de ações globais, regionais e locais, incentivando o fortalecimento de políticas públicas, legislações e campanhas de conscientização (ONU Mulheres, 2024).

Instrumentos jurídicos internacionais, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), adotada em 1979, e a Convenção de Belém do Pará, de 1994, desempenham um papel fundamental nesse contexto. Ambos estabelecem diretrizes claras para prevenir, punir e erradicar a violência de gênero, oferecendo um consenso global sobre a gravidade do problema e os caminhos para enfrentá-lo (BRASIL, 2006; OEA, 2024). Sob a perspectiva do Feminismo nas Relações Internacionais, como destacado por Tickner (1992), esses tratados não apenas estabelecem padrões de proteção, mas também desafiam hierarquias patriarcais, promovendo a desnaturalização da violência de gênero. Contudo, a eficácia desses instrumentos depende de sua implementação plena, algo que requer tanto esforços institucionais quanto movimentos sociais liderados por mulheres.

No âmbito nacional, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), no Brasil, é um exemplo de como legislações locais traduzem compromissos globais em ações concretas. Considerada uma das legislações mais avançadas no combate à violência doméstica, a lei criou mecanismos para proteger as vítimas, punir os agressores e prevenir novas ocorrências (BRASIL, 2006). Além de tratar dos efeitos imediatos da violência, a Lei Maria da Penha desafia a normalização da desigualdade de gênero no espaço privado, desconstruindo a tradicional dicotomia entre público e privado nas políticas de segurança. Esse enfoque está alinhado com as premissas feministas, que buscam desmantelar as hierarquias de gênero institucionalizadas.

Além dos instrumentos jurídicos, iniciativas como a campanha global HeForShe, liderada pela ONU Mulheres, reforçam a necessidade de engajamento social para a transformação cultural. Essa campanha, que visa engajar homens e meninos na luta contra a violência de gênero, promove uma mudança nas normas de masculinidade tóxica e contribui para a internalização de normas de igualdade em diversos contextos (ONU Mulheres, 2024). Sob a ótica do Construtivismo, conforme argumentado por Finnemore e Sikkink (1998), iniciativas como essa são essenciais, pois as normas e ideias moldam o comportamento dos atores internacionais e locais, promovendo avanços sustentáveis.

Apesar dos progressos, muitos desafios persistem. A implementação de legislações e campanhas enfrenta barreiras culturais e resistências institucionais, especialmente em contextos onde as normas patriarcais são profundamente enraizadas. O Construtivismo enfatiza que a mudança normativa é gradual e depende de esforços contínuos para redefinir o que é considerado aceitável em termos de comportamento social e político (FINNEMORE; SIKKINK, 1998). Assim, a interação entre campanhas globais e políticas nacionais é essencial para garantir que as normas de igualdade sejam efetivamente internalizadas, transformando práticas cotidianas e estruturas sociais.

Portanto, o enfrentamento da violência contra as mulheres demanda uma abordagem multifacetada, integrando marcos legais, iniciativas sociais e mudanças culturais. Enquanto o Feminismo destaca a urgência de desconstruir hierarquias de gênero e desafiar o patriarcado, o Construtivismo sublinha o papel das normas e da conscientização global. Juntas, essas abordagens reforçam a importância de instrumentos como a CEDAW, campanhas como HeForShe e legislações como a Lei Maria da Penha, que, articulados, constituem um arcabouço estratégico para enfrentar esse problema estrutural e assegurar a igualdade de gênero.

Referências

BRASIL. Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006). Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 28 nov. 2024.

FINNEMORE, Martha; SIKKINK, Kathryn. International norm dynamics and political change. International Organization, v. 52, n. 4, p. 887-917, 1998.

ONU Mulheres. Violência contra as mulheres. Disponível em: https://www.unwomen.org. Acesso em: 28 nov. 2024.

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Convenção de Belém do Pará. Disponível em: https://www.oas.org. Acesso em: 28 nov. 2024.

TICKNER, J. Ann. Gender in international relations: Feminist perspectives on achieving global security. Columbia University Press, 1992.