
Giulia Lima Souza – acadêmica do 2º semestre de Relações Internacionais da UNAMA.
É notável que os conflitos e guerras entre os Estados acompanham a história da humanidade e do Direito internacional (DI) desde sempre, estando presente como um fator importante na formação e destruição de diversos povos, contudo, apesar das guerras serem um aspecto primordial para entender a historiografia do mundo, a sistematização de um órgão permanente de combate ao que se conhece por crime contra a humanidade só vieram ocorrer na Conferência da ONU em Roma (1998) com o surgimento do Estatuto do tribunal penal internacional (TPI) no tabuleiro internacional, estabelecendo,assim, pela primeira vez uma instância judicial para julgar indivíduos responsáveis por genocídios, crimes de guerra e agressão (Cardoso, 2012).
Em primeira análise, os genocídios de acordo com o próprio Estatuto do TPI (Cardoso, 2012) se dá pelo ato de destruir, total ou parcialmente um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, representando uma das mais graves violações aos direitos humanos e internacionais, desse modo, podemos analisar que a essencialidade da criação do TPI se relaciona com as normas e regras do Direito internacional humanitário (DIH) que tem como objetivo principal a proteção o alívio do sofrimento da pessoa humana em situações de conflitos armados, todavia, é possível notar alguns desses ideais que fundamentam o DIH na obra magna “De jure Belli ac Pacis” (Do Direito da Guerra e da Paz) de Hugo Grotius, tido como pai do Direito Internacional, importante jurista e diplomata holandês que, estabelecendo os princípios do direito à guerra e na guerra, segundo Grotius os indivíduos possuem, naturalmente o desejo de viver em uma sociedade pacífica e ordenada (Moura, s.d).
Nesse sentido, ainda seguindo o pensamento de Grotius, o jus ad Bellum (direito à guerra)é sobre as normas do Direito internacional para limitar o uso da força pelos Estados e na busca por resoluções pacíficas dos conflitos e já o jus in bellum (direito na guerra) refere-se à justiça na guerra e à boa conduta no meio da batalha (Moura, S.d)], desse modo, nota-se que no contexto hodierno de guerra, os genocídios contemporâneos afetam diretamente no direito na guerra das pessoas humanas que estão presentes nesses conflitos armados, pois fere o princípio da humanidade que estabelece que “mesmo em situações conflitivas, deve-se sempre buscar a dignidade da pessoa humana” (BORGES, 2006, p,18), nesse contexto, criando uma intercessão à realidade dos conflitos que nos cercam atualmente, podemos entender, logo, a essencialidade do papel institucional e jurídico de um organismo como o Tribunal Penal Internacional se faz presente no tabuleiro do sistema social, político e global para estabelecer e manter direitos humanitários globais, ou seja, a cidadania global no mundo em que vivemos.
Afinal, o inicio do estudo e investigação dos crimes de guerra como o genocídio está diretamente ligado á propria historia da humanidade e das inúmeras violações dos direitos humanos que ocorreram durante o Período sombrio do Holocausto, que foi uma grande ruptura da dignidade da pessoa humana, desse modo, as análises para se compreender a relação do TPI aos casos de genocídios no contexto histórico contemporâneo como o Genocídio em Darfur, no Sudão que é palco de um conflito violento que desde 2003 e uma das maiores crises humanitárias no continente africano resultando em mais de 300.000 mil mortos e milhões de deslocados (ONU Brasil, 2024), ou no Genocídio de Rohingya que desde 2017, gerou o que segundo especialistas o maior êxodo do mundo contemporâneo com uma população de mais de 700 mil rohingyas que fugiram de Myanmar (JORNAL DA USP, 2018).
Desse modo, novamente, evidencia-se sob as luzes do direito humanitário internacional que o TPI se apresenta no cenário global com um órgão que deve ser competente para julgar com seus atributos de permanência e autonomia, tais crimes que pela sua gravidade afetam todo o conjunto da sociedade internacional.
Em conclusão, conseguimos analisar, nesse sentido, que cria-se uma intercessão entre a essencialidade de existência do Tribunal Penal Internacional e os princípios teóricos de Hugo Grotius (Moura,s.d), pois este trouxe em suas percepções acadêmicas o que posteriormente foram utilizados para o desenvolvimento do Direito Humanitário, desse modo, ao passo que as ideias de proteção aos indivíduos em situações de batalhas, foram se tornando mais forte, urge a necessidade do Direito internacional humanitário de agir, desenvolvendo-se, assim, a instância jurídica do TPI, haja vista a sua importância e as necessidades das atribuições e competências que esse órgão internacional possui no tabuleiro global para a promoção da proteção da dignidade dos indivíduos em situações de conflitos como os genocídios contemporâneos.
REFERÊNCIAS:
BARNABÉ, Gabriel Ribeiro. Hugo Grotius e as relações internacionais: entre o direito e a guerra. Cadernos de Ética e Filosofia Política, São Paulo, n. 15, p. 27-47, 2009.
BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional Humanitário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
CARDOSO, Elio. Tribunal Penal Internacional: conceitos, realidades e implicações para o Brasil. Prefácio de Marcel Biato. Brasília: FUNAG, 2012. 176 p. ISBN 978-85-7631-398-4.
CENTRO REGIONAL DE INFORMAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Darfur: duas décadas de sofrimento. UNRIC, 1 dez. 2024. Disponível em: https://unric.org/pt/darfur-duas-decadas-de-sofrimento/. Acesso em: 3 dez. 2024.
GROTIUS, Hugo. O Direito da Guerra e da Paz. Ijuí: Unijuí, 2004.
ICRC. Protocol additional to the Geneva Conventions of 12 August 194
Genocídio Rohingya gerou maior êxodo do mundo contemporâneo. Jornal da USP, 1 dez. 2024. Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/genocidio-rohingya-gerou-maior-exodo-do-mundo-contemporaneo/. Acesso em: 3 dez. 2024.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional: integração ao direito brasileiro e sua importância para a justiça penal internacional. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 41, n. 164, p. 157-162, out./dez. 2004.
MOURA, Luiza Diamantino. A proteção da pessoa em Hugo Grotius: uma análise pela perspectiva do Direito Internacional Humanitário. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=e74381ceac0d5d78/. Acesso em: 3 dez. 2024.
