Railson Silva (acadêmico do 8º semestre de RI da UNAMA)
A Escola Inglesa das Relações Internacionais surge a partir de uma fusão de preocupações normativas e históricas sobre a ordem global. Os teóricos que informaram sua formação são, entre outros, Hedley Bull e Martin Wight. Esses são os principais representantes da visão que a Escola Inglesa defende, indo além dos paradigmas tradicionais do realismo e do liberalismo. Nesse sentido, ela defende a criação de uma “sociedade internacional”, onde normas, valores e práticas são compartilhados pelos estados (mesmo que operem dentro de um sistema anárquico) para estruturar suas interações. (Bull, 1977,)
Dentro do campo conceitual existe o termo “sociedade internacional”, central à Escola Inglesa, na qual enaltece a coexistência de estados soberanos que se reconhecem como membros de uma ordem normativa, mesmo em um cenário de anarquia. Hedley Bull, em The Anarchical Society (1977), argumenta que essa sociedade emerge de um consenso mínimo sobre regras de conduta, como o respeito à soberania, o cumprimento de acordos e a limitação do uso da força.
Para Bull, a ordem internacional não é apenas imposta pelo poder, mas sustentada por instituições como a diplomacia, o direito internacional e o equilíbrio de poder. Essa abordagem combina a análise estrutural do realismo com uma preocupação normativa herdada do liberalismo, criando um espaço teórico híbrido que permite compreender os dilemas éticos da política internacional (Bull, 1977; Jackson & Sorensen, 2007).
Ademais, a diplomacia é um dos pilares fundamentais investigados pela Escola Inglesa. Herbert Butterfield e outros expoentes enfatizaram que a diplomacia não apenas administra crises, mas é um instrumento essencial para a construção de confiança e manutenção da ordem. Paul Sharp, em suas reflexões sobre Butterfield, enfatiza como a Escola Inglesa valoriza o papel histórico e moral da diplomacia como mediadora entre interesses conflitantes e promotora de normas comuns (Sharp, 2009). Nesse sentido, Carlos Canesin explora como forças profundas, como cultura, religião e identidades históricas, influenciam a configuração da ordem internacional, reafirmando a relevância de análises holísticas que transcendem o comportamento dos Estados em si (Canesin, 2010).
Temas voltados para a guerra também ocupa um lugar de destaque. Maikel Trento observa que a Escola Inglesa não se limita a analisar a guerra como uma falha sistêmica, mas como um fenômeno inerente à anarquia internacional, com funções reguladoras dentro da sociedade internacional (Trento, 2015). Nesse contexto, o equilíbrio de poder surge como um mecanismo de contenção, não apenas para prevenir hegemonias, mas para assegurar a sobrevivência da sociedade internacional como um todo. Assim, a guerra, para a Escola Inglesa, pode tanto reforçar quanto subverter a ordem, dependendo de como ela reconfigura as normas e as práticas entre os Estados.
A Escola Inglesa permanece relevante ao examinar os desafios contemporâneos em escala global. A integração econômica, mudanças climáticas e crises de governança exigem a adaptação de normas internacionais em um mundo cada vez mais interconectado. Gilberto Sarfati (2012) aponta que a Escola Inglesa oferece ferramentas para entender esses fenômenos ao equilibrar a análise estrutural com preocupações normativas. Sob essa perspectiva, observa-se que os legados históricos e as práticas diplomáticas continuam moldando as relações internacionais, reforçando a importância de análises contextuais e históricas (Saraiva, 2014).
Em suma, a Escola Inglesa das RI oferece uma visão de mundo rica e multifacetada que auxilia na compreensão da política internacional, ao combinar história, ética e análise estrutural. Sua noção de sociedade internacional, sustentada por normas, práticas e instituições, desafia a dicotomia entre ordem e anarquia, apresentando um modelo normativo de interação global. Assim, em um mundo marcado por desafios transnacionais, a Escola Inglesa oferece uma lente ao interpretar a dinâmica entre poder, ordem e sociedade, contribuindo para debates fundamentais sobre a governança global e o papel dos Estados.
Referências:
BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica: Um Estudo da Ordem na Política Mundial. Brasília: Editora UnB, 2002.
CANESIN, Carlos Henrique. A Ordem e as Forças Profundas na Escola Inglesa de Relações Internacionais. Curitiba: Appris, 2010.
JACKSON, Robert; SORENSEN, Georg. Introdução às Relações Internacionais: Teorias e Abordagens. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
SHARP, Paul. The English School, Herbert Butterfield and Diplomacy. Review of International Studies, Cambridge University Press, v. 27, n. 4, p. 691-712, 2001.
SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Elsevier, 2012.
SARAIVA, José Flávio Sombra (Org.). História das Relações Internacionais Contemporâneas: Da Sociedade Internacional do Século XIX à Era da Globalização. São Paulo: Saraiva, 2014.
TRENTO, Maikel. O Tema da Guerra na Escola Inglesa das Relações Internacionais. Revista de Estudos Internacionais, v. 6, n. 2, p. 1-13, 2015
