
Albert Juan Lima Tavares – 4º semestre de Relações Internacionais da UNAMA.
Desde 2022, o continente Europeu enfrenta uma crise de escassez ao acesso ao gás natural, ocasionado pela eclosão da Guerra da Rússia e Ucrânia, sendo este primeiro um fundamental fornecedor do combustível para o resto do continente, que possui um conhecido inverno rigoroso, fazendo do gás natural essencial para o abastecimento de residências e empresas europeias que neste período de frio há uma maior demanda. Entretanto, a escalada de conflitos da vigente Guerra e as implicações de sanções impostas ao país russo fazem do fornecimento do gás natural à Europa um contra-ataque de Putin contra seus inimigos.
A atual conjuntura no qual se encontra o continente Europeu, escancara a dependência que o setor tem do fornecimento russo. Itens como o gás natural e o petróleo, correspondem a cerca de 77% da matriz do continente para a geração de energia, e as tensões provocadas pelo conflito no leste europeu contribuíram para além dos aumentos dos preços a uma redução drástica das exportações tanto por parte de Vladimir Putin, tanto pelos próprios líderes europeus na União Europeia. (BLOOMBERG LÍNEA, 2024)
As tentativas para impedir a continuidade da Guerra na Ucrânia por parte da União Europeia por meio de sanções e bloqueios, além das articulações do bloco para tentar diminuir a dependência dos gasodutos russos, como o aumento das importações de GNL (Gás Natural Liquefeito) de empresas de países como dos Estados Unidos e do Oriente Médio, em uma espécie de boicote à empresas russas. Porém a atitude acabou por refletir-se em custos mais altos, reservas energéticas insuficientes para países do Leste Europeu e a uma maior instabilidade das relações da Rússia com a Europa.
A partir desta conjuntura, compreende-se que este cenário pode ser entendido pelo conceito da Teoria de Interdependência Complexa desenvolvida por Robert O. Keohane e Joseph S. Nye, que argumenta acerca de uma relação diversificada entre agentes e de uma variedade de fatores, para além de apenas questões militares. Onde o contexto interdependente no qual se deparou os países europeus pela crise energética, criou uma necessidade estratégica para a sua própria sobrevivência, interligando intrinsecamente questões de bem-estar, estabilidade e segurança. (NYE; KEOHANE, 1989)
Para os teóricos, às relações internacionais estão entrelaçadas em uma densa cadeia de atores, que para além das relações estatais, envolvem também organizações e redes transnacionais. Essa interconexão de esferas, pode ser analisada nas questões que envolvem a crise do Gás na Europa. Onde além dos conflitos estatais, existe a guerra dos interesses econômicos de empresas de gás e de petróleo, empresas de países secundários à Guerra, como os EUA, que em benefício da crise manifestam seu poderio e se envolvem sobre as relações estatais da região e por conseguinte, na sociedade. (NYE; KEOHANE, 1989)
A manipulação do mercado sob as necessidades da população, é discutida também por Ladislau Dowbor, em sua “A era do capital improdutivo“, onde o economista discorre acerca da tomada de controle do mercado financeiro sobre itens essenciais para a sociedade. (DOWBOR, 2017) A questão do gás na Europa não afeta apenas a indústria, mas como também a sociedade civil, sendo o item em discussão uma energia de alto consumo pela população. Em 2022, os 27 países da União Europeia consumiram mais de 350 mil milhões de metros cúbicos de gás, sendo mais de 50% deste consumo feito por residências e para o aquecimento, tão necessário em tempos de inverno. (UNIÃO EUROPEIA, 2023)
A continuidade da Guerra mostra que para além dos interesses bélicos estadunidenses, a indústria energética dos EUA também segue a ganhar de certa forma com a crise. Numa tentativa de reverter o controle do gás russo, a entrada do GNL estadunidense acaba por aumentar a complexidade do conflito. Desde 2022, os Estados Unidos se mostraram sendo o maior exportador de gás natural do mundo, um fato desencadeado pela Guerra. (DEUTSCHE WELLE, 2022)
Enquanto o conflito sangrento segue em curso, a crise energética europeia tende a aumentar cada vez mais, além dos impactos das mudanças climáticas com as estações do ano cada vez mais instáveis e invernos mais rigorosos a serem enfrentados pelas populações. Com a então crise, as empresas recorrem a ignorar as metas climáticas e a utilizar da urgência, à deliberação para a expansão do GNL que é um combustível fóssil altamente poluente, indo na contramão do debate emergencial climático. (DEUTSCHE WELLE, 2022)
Deste modo, entende-se as consequências nefastas da Guerra da Ucrânia para o setor energético europeu. Entretanto, é válido entender e analisar os múltiplos atores envolvidos na vigência desta conjuntura, para que assim possamos compreender os seus reveses e os interesses existentes para a continuidade do conflito.
REFERÊNCIAS
Abastecimento de gás na UE. União Europeia, 2022. Disponível em: https://www.consilium.europa.eu/pt/infographics/eu-gas-supply/#0. Acesso em: 13 dez. 2024.
DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo: a nova arquitetura do poder: dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta. São Paulo: Autonomia Literária, 2017. Disponível em: https://dowbor.org/wp-content/uploads/2018/11/Dowbor-_-A-ERA-DO-CAPITAL-IMPRODUTIVO.pdf. Acesso em: 13 dez. 2024.
Europa enfrenta nova crise de energia com chegada do frio e pode piorar em 2025. BLOOMBERG LÍNEA, 2024. Disponível em: https://www.bloomberglinea.com.br/esg/europa-enfrenta-nova-crise-de-energia-com-chegada-do-frio-e-pode-piorar-em-2025/. Acesso em: 13 dez. 2024.
Interdependência Complexa. REVISTA RELAÇÕES EXTERIORES, 2019. Disponível em: https://relacoesexteriores.com.br/glossario/interdependencia-complexa/. Acesso em: 13 dez. 2024.
KEOHANE, Robert. NYE, Joseph. Power and Interdependence. 2° edição. Estados Unidos: Harper Collins Publishers, 1989.
Por que o gás dos EUA não vai resolver a crise energética da Europa. DEUTSCHE WELLE, 2023. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/por-que-o-g%C3%A1s-dos-eua-n%C3%A3o-vai-resolver-a-crise-energ%C3%A9tica-da-europa/a-62676464. Acesso em: 15 dez. 2024.
