
Railson Silva (acadêmico do 8º semestre de RI da UNAMA)
O Segundo Grande Debate nas RI ocorreu durante as décadas de 50 e 60, sendo considerada um marco fundamental no campo no pós – segunda guerra, representando a tensão entre duas abordagens metodológicas e epistemológicas: o behaviorismo, inspirado pelos métodos das ciências naturais, e a abordagem tradicionalista, enraizada na filosofia e na história. Este debate foi mais que uma mera divergência teórica, ela envolveu disputas profundas sobre a natureza do conhecimento, a forma de investigar fenômenos políticos internacionais e os objetivos últimos da disciplina. Dessa forma, o conhecimento em RI poderia ser construído progressivamente, permitindo maiores intuições e avanços no desenvolvimento da teoria (Kaplan 1966, p. 380).
O avanço do behaviorismo nas décadas do pós – Segunda Guerra decorreu da crescente influência do positivismo no campo das ciências sociais, em especial nos EUA. Behavioristas, como Morton Kaplan e Karl Deutsch, enfatizavam que as RI deveriam adotar métodos rigorosos, pautados pela observação empírica e pela análise quantitativa, a fim de alcançar previsibilidade e objetividade científica. Kaplan, por exemplo, defendeu a construção de modelos sistêmicos que permitissem a análise das interações interestatais de forma racional e generalizável (Kaplan, 1957). Para esses autores, era fundamental que o campo se distanciasse de abordagens subjetivas ou normativas, adotando uma perspectiva mais próxima das ciências exatas.
Por outro lado, os tradicionalistas, liderados por Hedley Bull, argumentam que as abordagens puramente científicas são inadequadas para entender fenômenos políticos e sociais. Um caso em questão é quando Bull (1966) argumentou que a natureza complexa e normativa das relações internacionais exigia uma abordagem fundada na interpretação da história, filosofia política e no exame qualitativo de valores e normas que orientam o comportamento dos estados. Portanto, os tradicionalistas eram da opinião de que qualquer tentativa de reduzir as RI a modelos matemáticos ou padrões de comportamento seria impossível de trazer conceitos como soberania, legitimidade e ética para o relacionamento entre estados. É aqui que a abordagem tradicionalista elogia o julgamento humano e a análise reflexiva no centro da disciplina.
Além do mais, foi sob a égide da Guerra Fria que se estabeleceu que as dimensões do debate foram determinadas. A busca por atividades de previsão e redução da incerteza no sistema internacional atraiu cada vez mais a confiança em modelos quantitativos, que favoreceram o avanço do behaviorismo. Tais inadequações nessas abordagens começaram a surgir à medida que novos desafios em escala global surgiam, por exemplo, a descolonização e a ascensão de atores não estatais, na qual um olhar holístico e interpretativo se apresentava necessário.
E embora o debate não tenha produzido um “vencedor” claro, ele resultou em uma pluralização do campo. Ou seja, a partir dessa disputa, surgiram vertentes que buscaram integrar elementos das duas abordagens, reconhecendo que tanto o rigor empírico quanto a análise interpretativa possuem valor na compreensão das dinâmicas internacionais. A Escola Inglesa, por exemplo, pode ser vista como uma tentativa de equilibrar a ênfase behaviorista na sistematização com o foco tradicionalista nas normas e valores (Linklater, 1990).
Por fim, o segundo grande debate nas RI representou uma reflexão profunda sobre os fundamentos epistemológicos do campo. A polarização entre behavioristas e tradicionalistas expôs os desafios de abordar fenômenos políticos e sociais complexos, evidenciando que nenhuma abordagem isolada é suficiente para entender por completo as dinâmicas internacionais. Assim, o debate não apenas consolidou as RI como um campo acadêmico autônomo, mas também abriu caminho para novas formas de engajamento teórico e metodológico, que continuam a transformar a disciplina até os dias atuais.
Referências:
BULL, H. International theory: the case for a classical approach. World Politics, v. 18, n. 3, p. 361-377, 1966.
KAPLAN, Morton A. The new great debate: traditionalism vs. science in international relations. World Politics, v. 19, n. 1, p. 1–20, 1966. Disponível em: https://doi.org/10.2307/2009840.
KAPLAN, M. A. System and process in international politics. New York: John Wiley & Sons, 1957.
LINKLATER, A. The English School. In: BOOTH, K.; SMITH, S. (Eds.). International relations theory today. Cambridge: Polity Press, 1990.
