Por Matheus Castanho Virgulino, Internacionalista formado pela Unama.

Talvez a maior diferença entre os séculos XX e XXI esteja em como vemos o desenvolvimento das nações. Enquanto antes a questão era “como as nações têm sucesso?” ou, em outras palavras, quais fatores econômicos, políticos e sociais tornam um país mais próspero que outros, hoje perguntamos o oposto: por que as nações fracassam?

De acordo com Fukuyama (2012), o princípio básico a partir do qual a ordem política é estabelecida é a associação de grupos de indivíduos em direção a uma identidade comum. Famílias se juntam em clãs, clãs se juntam em tribos, tribos se juntam em cidades-estados e assim por diante até a formação de uma nação. Mas o mais importante, essas são todas entidades artificiais que precisam ser justificadas em sua existência repetidamente para manter a entidade. Mitos fundacionais, linguagem, bandeiras e hinos, todos esses são símbolos legitimadores para criar uma identidade comum para um grupo de pessoas que, de outra forma, seriam díspares.

O Oriente Médio moderno é definido pelo esforço de construir uma identidade comum em uma região vastamente heterogênea (HOURANI, 1991). Historicamente dominado por vastos impérios multiculturais, a região desenvolveu formas diferentes de nacionalismo e de construção estatal daquelas que surgiram na Europa, um desenvolvimento causado principalmente pelo colonialismo dos próprios europeus.

O colapso do Império Otomano em 1918 resultou na dominação britânica e francesa sobre o Levante, com décadas de imposição de burocracias europeias e fronteiras desconectadas das realidades étnico-religiosas locais (CHAITANI, 2007). Essas divisões semeavam instabilidade nas novas nações. Após a independência da França em 1946, a Síria surgiu como um estado pluralista e democrático, adotando a bandeira preta, branca e verde, refletindo a herança das dinastias que governaram a região, como os Omíadas e Aiúbidas. Contudo, fatores internos e externos mergulharam o país em uma era prolongada de instabilidade e repressão.

Após duas décadas de instabilidade, golpes e derrotas, incluindo a união com o Egito na República Árabe Unida e a perda das Colinas de Golã para Israel, Hafez al-Assad assumiu o poder em 1970 por meio de um golpe. Embora seguisse oficialmente o baathismo pan-árabe, simbolizado pela bandeira preta-branca-vermelha da República Árabe Unida, na prática, o regime de Hafez baseou-se no culto à personalidade e em uma ampla rede de corrupção e controle estatal (SEALE,1990).

Sob Hafez e, especialmente, seu filho Bashar al-Assad, no poder desde 2000, a Síria tornou-se um estado quase totalitário. Prisões como Sednaya abrigaram milhares de detidos, enquanto a corrupção consolidou o controle do regime, com o partido Baath monopolizando economia e governo. A repressão étnico-religiosa e o descontentamento juvenil transformaram o país em uma bomba prestes a explodir.

As mudanças trazidas pela era da informação foram a faísca que desencadeou a Primavera Árabe em 2011, onde o povo se levantou em revolta por todas as repúblicas seculares do Oriente Médio, de Túnis ao Cairo e Damasco (PINTO, 2017). Em vez de ser deposto como seus colegas na Tunísia, Egito e Líbia, Assad usou todo o poder de seus apoiadores internacionais do Irã e da Rússia contra seu próprio povo. O que começou como manifestações e cartazes nas ruas de Damasco terminou com trincheiras e balas voando pelos desertos e campos de cedro, e a terra antiga que viu os pilares de grandes cidades romanas e gregas erguidas sobre ela sangrou em amarga guerra civil que durou 13 anos.

Agora a Guerra Civil chegou ao fim, conforme os conflitos ucraniano e palestino desviaram as atenções da Rússia e do Irã, os principais apoiadores do regime de Assad. A corrupção duradoura no coração do Exército Árabe Sírio levou à sua capitulação a uma coalizão de grupos rebeldes liderada pelo antigo grupo dissidente da Al-Qaeda Hay’at Tahrir al-Sham (ROBINSON, 2024). Após décadas de governo assadista, a bandeira preta-branca-verde da república original da Síria mais uma vez tremula pela terra arrasada. Enquanto os rebeldes entram nos suntuosos palácios dos oficiais do regime e libertam as dezenas de dissidentes encarcerados em prisões escuras, a maioria dos sírios deve estar se perguntando: como chegamos a isso?

A guerra civil síria foi internacionalizada desde o início. Estando no coração do Oriente Médio, vários atores, incluindo Irã, Rússia, EUA e Turquia conspiraram para apoiar os grupos sob sua influência para minar o poder de seu rival. De acordo com Phillips (2016, p.236, tradução nossa) “os mesmos atores ajudaram a prolongar o conflito ao fornecer intervenções equilibradas: o suficiente para manter seus aliados no campo, mas não o suficiente para vencer ou forçar o outro a negociar seriamente.” O caos disso também resultou no surgimento do ISIS, que começou um reinado de terror no leste da Síria.

Segundo Acemoglu e Robinson (2012), a instabilidade, o autoritarismo e o subdesenvolvimento das nações são resultados diretos de instituições falidas e do legado colonial. Sob uma independência desfavorável, as novas instituições da nação síria se transformaram em instituições extrativistas que serviam a uma elite política e econômica ao custo da inclusão socioeconômica. Uma série de problemas se acumulou a ponto de toda a estrutura se tornar insustentável, e a Síria se tornou uma sociedade de baixa confiança, onde o governo se tornou a principal fonte de problemas sociais. Em tais circunstâncias, surgem formas alternativas de autoridade política, que minam as estruturas estatais e fomentam o conflito.

Muitos dos problemas da Síria foram reprimidos à força sob a bota do regime de Assad, até que não puderam mais ser contidos. A nação ainda está dividida, e muitas ansiedades estão mais uma vez sendo discutidas conforme uma nova nação é forjada. A Síria ainda está vulnerável, sendo ameaçada com incursões militares de Israel e da Turquia, o que podem dificultar a consolidação do Estado e mergulhar novamente o país em conflito.

Deve-se fomentar o que Acemoglu e Robinson (id.) denominam “instituições inclusivas”, que promovem o desenvolvimento econômico e social ao proporcionar oportunidades amplas para a maioria da população participar das atividades econômicas e políticas. Resta saber se o novo governo provisório será capaz de superar as relações de poder deixadas pelo colonialismo e o medo e a incerteza deixados pelo regime de Assad.

REFERÊNCIAS:

ACEMOGLU, Daron; JAMES, Robinson. WHY NATIONS FAIL: the origins of Power, Prosperity and Poverty. New York: Crown Publishers, 2012.

CHAITANI, Youssef. POST-COLONIAL SYRIA AND LEBANON. London & New York: I.B. Tauris, 2007.

FUKUYAMA, Francis. THE ORIGINS OF POLITICAL ORDER: From Prehuman Times to the French Revolution. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2011.

HOURANI, Albert. A HISTORY OF THE ARAB PEOPLES. London: Faber & Faber, 1991.

PHILLIPS, Christopher. THE BATTLE FOR SYRIA: International Rivalry in the Middle-East. Yale: Yale University Press, 2016.

PINTO, Paulo Gabriel Hilu. The Shattered Nation: The Sectarization of the Syrian Conflict. In: HASHEMI, Nader; POSTEL, Danny (ed.). SECTARIZATIONMapping the New Politics of the Middle-East. Oxford: Oxford University Press, 2017. cap. 7, p. 123-142.

ROBINSON, Lou. HOW SYRIA’S REBELS TOPPLED THE ASSAD REGIME, IN 7 MAPS. CNN, 2024. Disponível em: https://edition.cnn.com/world/middleeast/map-syria-civil-war-assad-dg/index.htmlSEALE, Patrick. ASAD:the Struggle for the Middle East. Berkley: University of California Press, 1990.