
Por Heloísa Couto, Internacionalista formada pela Unama.
A sul-coreana Moon Seungsook, em “Militarized Modernity and Gendered Citizenship in South Korea” (2005), destaca como a construção do Estado da Coreia do Sul, após o final da Guerra da Coreia (1950 – 1953) — cujo conflito armado levou à separação da península em Norte e Sul por meio do Paralelo 38 — foi baseada em uma militarização como sentido da modernidade que o país deveria alcançar. Isto é, todos os aspectos que dizem respeito ao crescimento econômico, político e cultural do país, são dotados de influência militar (Moon, 2005, p. 31), sendo o alistamento militar obrigatório, por exemplo, uma das principais consequências desse cenário.
A ocupação estadunidense na porção sul, após a divisão territorial, teve grande papel na origem militarizada da Coreia do Sul, visto que os Estados Unidos, a caminho de tornar-se a maior potência militar do mundo, era um dos grandes Estados protagonizando a Guerra Fria (1947 – 1989), conflito que se beneficiou da construção de narrativas e de um inimigo a ser combatido através da democracia (Leite, 2013), o comunismo. Essa narrativa foi convenientemente oferecida e acolhida pela Coreia do Sul, ao determinar a Coreia do Norte como seu inimigo a ser combatido.
Iniciou-se a partir daí, um longo processo caracterizado como Dilema de Segurança, objeto criado por Tucídides (460-400 a.C) e idealizado por Herz (1950) para descrever a tensão sofrida por um Estado ao perceber o crescimento militar de um Estado rival. Nesse sentido, o comportamento da Coreia do Sul em prezar por um exército forte e aliados militares importantes pode ser explicado devido à seguinte circunstância: o perigo iminente de ser atacado e entrar em conflito com seu inimigo vizinho.
Após décadas deste cenário, em dezembro de 2024, o — na época — presidente sul-coreano Yoon Suk Yeol, decretou, subitamente, a Lei Marcial na Coreia do Sul, suspendendo leis civis e concedendo plenos poderes políticos às forças militares do Estado. A justificativa do decreto dizia respeito ao receio de seu governo estar sofrendo sabotagens por parte de opositores favoráveis ao comunismo norte-coreano (Alvarez, G1, 2024), logo, a Lei Marcial seria uma medida de proteção para o país e sua população.
Em contrapartida, a decisão e justificativa são contraditórias, haja vista que: 1) muitas manifestações culturais, políticas e científicas tendem a comprovar que regimes militares não são efetivos em proteger suas populações e sim o contrário, violam seus direitos e inflige violência em civis (Dos Santos, 2021); 2) a Coreia do Sul possui um histórico negativo com governos militares, com forte participação civil em manifestações contra as autoridades militares, a julgar pelo Massacre de Gwangju (1980), evento que culminou com a morte de aproximadamente 2.300 sul-coreanos que protestavam contra a ditadura militar de Chun Doo-Hwan (Silva, Opera Mundi, 2024).
Dito isso, o fator de discussão é o seguinte: uma decisão como esta — o decreto da Lei Marcial —, está longe de beneficiar, em qualquer nível, a população civil de um país. Pelo contrário, este tipo de medida tem em vista beneficiar autoridades políticas e militares cujos interesses variam entre aspectos bélicos, econômicos e entre outros, e objetiva enfraquecer e colocar em grave risco a democracia que deveria proteger e promover os direitos básicos desta mesma população.
A decisão de Yoon Suk Yeol não foi bem recebida por seu parlamento, que vetou o decreto e, posteriormente, aprovou seu impeachment. Esse processo contou com o importante papel da sociedade civil, que, diante de cenários de ameaça à população como este, deve ser levado em consideração, como destacado por James Rosenau na obra People Count! (2008). Rosenau enfatiza que atores não-estatais, como a sociedade civil, possuem tanto peso e influência quanto os Estados, e não devem ser ignorados no Sistema Internacional. A sociedade sul-coreana provou como correto este argumento ao realizar inúmeros protestos e manifestações contra as ações do (ex) presidente Yoon Suk Yeol (Regan, Jeong, CNN, 2024).
Em janeiro de 2025, a Justiça sul-coreana emitiu um segundo mandado de prisão para Yoon, visto que a primeira tentativa havia sido falha em razão da ação da equipe de segurança do ex-presidente (G1, 2025). A possível efetivação da prisão de Yoon é de tamanha importância não só para a Coreia do Sul, mas para o Sistema Internacional como um todo, dado que significaria um passo favorável à luta contra o enfraquecimento de democracias ao redor do planeta, refletindo, também, um forte posicionamento do Estado sul-coreano em aprender com sua História, e não reproduzir erros de seu passado turbulento.
REFERÊNCIAS:
AMARAL, L. A construção do inimigo nos discursos presidenciais norte-americanos do pós-Guerra Fria. [s.l.] Cultura Acadêmica, 2016.
DA, J. Justiça da Coreia do Sul emite novo mandado de prisão contra presidente afastado. Disponível em:https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/01/07/novo-mandado-prisao-presidente-coreia-do-sul.ghtml. Acesso em: 8 jan. 2025.
DOS SANTOS, M. S. Memória e ditadura militar: lembrando as violações de direitos humanos. 2021.
MOON, S. Militarized Modernity and Gendered Citizenship in South Korea. [s.l.] Duke University Press, 2005.
OLIVEIRA, F. O Massacre de Gwangju e a luta inglória por democracia na Coreia do Sul. Disponível em:https://operamundi.uol.com.br/pensar-a-historia/o-massacre-de-gwangju-e-a-luta-ingloria-por-democracia-na-coreia-do-sul/. Acesso em: 8 jan. 2025.
REGAN, H.; JEONG, E. Coreia do Sul: Para manifestantes lei marcial aponta “ameaça à democracia”. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/coreia-do-sul-para-protestantes-lei-marcial-e-lembrete-de-ameaca-a-democracia/. Acesso em: 8 jan. 2025.
VER. Pensamentos Internacionalistas – Teoria Realista: John H. Herz. Disponível em:https://internacionaldaamazonia.com/2023/10/17/pensamentos-internacionalistas-teoria-realista-john-h-herz/. Acesso em: 8 jan. 2025.VER. Pensamentos Internacionalistas: James Rosenau – obra: People Count! Disponível em:https://internacionaldaamazonia.com/2024/05/14/pensamentos-internacionalistas-james-rosenau-obra-people-count/. Acesso em: 8 jan. 2025.
