
Lucas Cardoso acadêmico do 5° Semestre de RI da UNAMA
A Guerra dos Bôeres (1880–1881 e 1899–1902) foi um conflito entre o Reino Unido e os Bôeres, descendentes de colonos europeus na África do Sul, motivado por disputas territoriais e econômicas nas repúblicas do Transvaal e do Estado Livre de Orange, ricas em ouro e diamantes. O conflito reflete as tensões do imperialismo no século XIX, com o Reino Unido buscando consolidar sua hegemonia na África Austral enquanto os Bôeres resistiam em defesa de sua autonomia. No cenário internacional, a guerra gerou críticas ao expansionismo britânico, marcou rivalidades entre potências europeias e influenciou o desenvolvimento de estratégias militares modernas.
A colonização na região aconteceu por acidente em 1647, quando um navio da Companhia das Índias Orientais Neerlandesa naufragou. Os marinheiros que sobreviveram se estabeleceram na região do Cabo da Boa Esperança, realizando comércio com os nativos e cultivando em solos férteis no sul da África. Após serem resgatados, relataram que o local tinha enorme potencial para se tornar um posto de parada permanente para os navios. Assim, em 1652, foi estabelecida uma feitoria neerlandesa, que deu origem à atual Cidade do Cabo. A colônia se transformou em um centro de mercadores livres, que não possuíam contratos fixos com a companhia (STATER,2011).
Para o trabalho na terra foi trazido a força pessoas escravizadas da Indonésia da ilha próxima de Madagascar e a ocupação agrícola embora tenha começado de forma pacífica rapidamente se tornou violenta, com os colonos Neerlandeses expulsando os nativos de suas terras especialmente na bacia de um dos principais rios da região dando início ao colonialismo que marcaram a região por 300 anos com a expulsão dos nativos e a concentração de terras férteis sob a posse de colonos europeus e seus descendentes. Em uma sociedade racista marcada por trabalhos escravos ou servidão dependendo do período (AJAYI,2010)
Os colonos foram chamados de bôeres que significa literalmente fazendeiro em neerlandês, alguns bôeres ligados a criação de gado viviam um estilo de vida seminômade e eram chamados de trekboers. No início do século XIX durante as guerras napoleônicas os britânicos enviaram uma grande expedição militar para a região do Cabo da Boa Esperança com receio de a localidade ser usada pelos franceses já que a República da Batávia era aliada da França, mas a realidade era que os britânicos já almejavam a região que se caracterizou como palco de parte da disputa entre Britânicos e Neerlandeses e mesmo com a resistência dos colonos o território foi formalmente cedido aos britânicos (AJAYI,2010).
Na década de 1820 colonos britânicos chegaram na região o que intensificou o confronto com os colonos neerlandeses e com a população nativa, muito dos que já estavam no território migraram da Cidade do Cabo pro interior chamado de pioneiros, fundando 3 repúblicas bôeres o que foi chamada por eles de grande marcha, em relação os nativos ambos tiveram políticas de subjugar pelas armas os reinos locais como na guerra anglo-zulu. Nas décadas de 1860 e 1880 descobertas de ouro e diamante motivaram mais ainda a presença britânica no interior (AJAYI,2010).
Os britânicos anunciaram a anexação da região em 1877 e que estabeleceriam um sistema de confederação supostamente dando autonomia aos bôeres que não aceitaram a imposição e desconfiaram dessa oferta,sendo a razão da primeira guerra dos bôeres iniciada em 20 de dezembro de 1880 entre o Reino Unido e a Rpública de Transvaal, com a duração de 3 meses com os bôeres derrotando guarnições britânicas usando táticas de guerrilha e o conhecimento superior do terreno e em 23 de março de 1881 foi assinado um tratado de paz com o reconhecimento do governo dos bôeres na região(STATER,2011)
Não durou tanto tempo e foi bem instável e inclusive contribuindo pra rivalidade de britânicos e alemães que levou a Primeira Guerra Mundial futuramente. No final de 1895 os britânicos realizaram uma incursão na República de Transvaal com a intenção de motivar uma revolta dos trabalhadores britânicos locais que foi derrotada em alguns dias, mas teve consequências maiores. Assim, consolidando a desconfiança entre os dois e com a preparação de ambos os lados, com o imperador da Alemanha Guilherme II parabenizado o presidente Paul Krueger via telegrama distanciando ainda mais as duas potências (BOAHEN,2010).
A segunda guerra dos bôeres aconteceu em 1899, consequência direta pela corrida pelo ouro que motivou a emigração de muitos ingleses para o território boer, esse desequilíbrio motivou a mobilização de britânicos e a reação boer, com vitórias usando as mesmas táticas da primeira guerra travada, os britânicos colocaram Lord Kitchener como comandante e a mobilização de 180 mil soldados, os bôeres entregaram suas grandes cidades focando mais nas táticas de guerrilha, os britânicos adotaram a estratégia de Terra arrasada que atualmente é considerada crime de guerra (STATER,2011).
Com a prisão de civis bôeres em campos de concentração morrendo 20.000 civis de fome e doenças além de que morreram, 20 mil africanos nativos, 22 mil britânicos e 6 mil bôeres, culminando na rendição destes em maio de 1902 e em 1910 foi organizado pela coroa a colônia britânica da África do Sul, muitos bôeres se recusaram e se isolaram em comunidades sendo o principal núcleo de uma revolta durante a 1° Guerra Mundial em apoio ao Império Alemão e também criaram um Partido político responsável pela política racista e totalitário do Apartheid no País pelas próximas décadas (BOAHEN,2010).
No livro “The Tragedy of Great Power Politics” (2014), John Mearsheimer desenvolve a teoria do realismo ofensivo, que argumenta que as grandes potências buscam maximizar seu poder para alcançar a hegemonia regional e garantir sua sobrevivência em um sistema internacional anárquico. A Guerra dos Bôeres (1899–1902) pode ser interpretada à luz dessa teoria, pois o Império Britânico, como potência global, procurou consolidar seu domínio na África Austral para garantir o controle estratégico e econômico de uma região rica em ouro e diamantes. Segundo Mearsheimer, essa busca por hegemonia não é apenas desejável, mas inevitável em um sistema de competição entre Estados, explicando por que a Grã-Bretanha optou por eliminar a ameaça representada pelos Estados bôeres, que poderiam fragilizar sua posição regional e abrir espaço para outras potências rivais, como a Alemanha, que também tinha interesses na região.
REFERÊNCIAS:
AJAYI, J.F Ade. História Geral da África – Vol. VI: África do século XIX à década de 1880. 2. Ed. UNESCO, 2010.
BOAHEN, Albert Adu. História Geral da África – Vol. VII – África sob dominação colonial, 1880-1935.UNESCO, 2010.
FONSECA-STATTER, GUILHERME. A África do sul e o sistema-mundo: da guerra dos Bóeres à globalização. Lisbonne: Centro De Estudos Africanos, 2011
MEARSHEIMER, J. J. The tragedy of great power politics. [s.l.] W.W. Norton & Company, 2014.
