Thaís Carvalho, acadêmica do 7° semestre de Relações Internacionais

Escritor, jornalista e diplomata, Raymundo de Souza Dantas é considerado o primeiro embaixador negro da diplomacia brasileira e tornou-se uma das figuras mais relevantes no que tange à representatividade negra em cargos de alto escalão na política brasileira, apesar de ser pouco lembrado nos recortes da história do país. 

Nascido no município de Estância, Sergipe, em 15 de setembro de 1923, Souza Dantas teve sua vida marcada pela constante resistência e superação em uma sociedade racista. Filho de pais de origem pobre, Raymundo teve que trabalhar em diversos locais para ajudar na renda familiar, não conseguindo frequentar a escola (ROCHA, 2023).

Posteriormente, sua família decidiu se mudar para Aracaju e foi lá que Dantas entrou em contato com o jornalismo, pois conseguiu um emprego como tipógrafo em uma gráfica local. Apesar de conhecer certas palavras, Raymundo era semianalfabeto e foi somente aos dezoito anos, após a sua mudança de Sergipe para o Rio de Janeiro em busca de maiores oportunidades de emprego, que Souza Dantas se alfabetizou.

No Rio de Janeiro, com a ajuda do jornalista sergipano Joel Silveira – um antigo conhecido seu – Raymundo conseguiu um emprego como office-boy em uma revista da época. Foi através de seu trabalho e interesse na área que o sergipano se alfabetizou sozinho e, alguns anos depois, em 1944, publicou seu primeiro livro chamado “Sete Palmos de Terra”. Entre os anos de 1940 e 1960, Souza Dantas tornou-se um dos nomes mais relevantes da literatura brasileira da época, publicando diversas obras literárias que discutiam questões sociais, raciais e existenciais. Ele foi amplamente elogiado por autores como Jorge Amado e Graciliano Ramos (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA, s.d.).

Sua carreira na política brasileira se deu na década de 1950, pois Raymundo de Souza Dantas já era considerado um dos nomes de grande relevância para a geração brasileira. Ele foi indicado pelo então presidente Jânio Quadros para se tornar Oficial de Gabinete da Presidência da República, sendo o primeiro homem negro a trabalhar em tal cargo. Algum tempo depois, Souza Dantas foi promovido a Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário do Brasil na República de Gana, sendo o primeiro diplomata brasileiro a atuar e garantir relações formais com um país do continente africano que estava emergindo de um período colonial (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA, s.d.).

Sua nomeação extraordinária a Embaixador em Gana foi comemorada pelos movimentos negro e progressista da época, porém, sofreu inúmeros ataques racistas por parte da elite, da mídia e dos servidores do Palácio do Itamaraty, os quais teciam comentários hostis e extremamente ofensivos em relação à escolha de Raymundo para o cargo. Apesar dos comentários feitos no Brasil, Souza Dantas chegou à República de Gana em 1961 e foi recebido entusiasticamente com uma celebração cultural preparada pela comunidade dos “Tabons”, descendentes de brasileiros escravizados que migraram para Gana após a Revolta dos Malês, que ocorreu em 1835 na Bahia (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA, s.d.).

Apesar de possuir pouco apoio do governo brasileiro e do racismo institucional presente no Itamaraty, Souza Dantas buscou estabelecer uma relação formal com os países do continente africano que buscavam apoio internacional na luta contra o colonialismo. Em sua obra “África Difícil: Missão Condenada” (1965), o diplomata apresenta suas reflexões acerca de seu período em Gana e discorre sobre as lutas anticoloniais na África. Ele interconecta as questões sociais vivenciadas no Brasil, demonstrando como os pensamentos abordados por Dantas foram essenciais para os debates acerca da luta decolonial e o pan-africanismo como forma de resistência (ROCHA, 2023).

Desse modo, pode-se associar as ideias e a atuação diplomática de Raymundo de Souza Dantas à Teoria Decolonial das Relações Internacionais. Essa corrente busca descolonizar e propor novos modos de compreender o conhecimento, reconhecendo que as relações internacionais não podem ser entendidas somente a partir das perspectivas e experiências dos países centrais; elas devem incluir as vozes e saberes dos povos colonizados e marginalizados (MIGNOLO, 2007).

O teórico decolonial Walter Mignolo discorre em sua obra “Histórias Locais/Diseños Globales: Colonialidad y Conocimiento” (2000) sobre como o pan-africanismo se torna um ponto importante na luta contra a colonialidade nos países marginalizados e na busca por uma identidade coletiva entre os povos africanos e da diáspora. Segundo Mignolo, essa solidariedade coletiva e resistência cultural são essenciais para a construção de conhecimento mais equitativo nas relações internacionais. O pan-africanismo não atua apenas como um movimento político, mas também como uma descolonização da identidade e do saber.

Assim como as ideias abordadas por Walter Mignolo, Raymundo de Souza Dantas também discutia o pan-africanismo em suas obras literárias, interligando-o à realidade vivida pela população negra no Brasil. Graças a sua experiência em Gana, o diplomata brasileiro tornou-se um símbolo estudioso da luta anticolonial e racial em ambos os continentes (ROCHA, 2023).

Raymundo faleceu em 2002, no Rio de Janeiro, e pode-se afirmar que deixou um legado memorável à diplomacia brasileira ao se tornar o primeiro embaixador negro do país. Além de ser um grande diplomata, Dantas tornou-se símbolo de resistência ao abordar temáticas extremamente relevantes em suas obras e em suas ações, como a luta contra o racismo e a importância do protagonismo negro em cargos relevantes na política e literatura brasileira.

REFERÊNCIAS

DANTAS, R. de S. África Difícil: Missão Condenada. Rio de Janeiro: Editora Leitura, 1965.

MIGNOLO, W. Histórias Locais/Diseños Globales: Colonialidad y Conocimiento. Buenos Aires: Ediciones del Signo, 2000.

MIGNOLO, W. The Darker Side of the Renaissance: Literacy, Territoriality, and Colonization. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2007.

ROCHA, A. P. Raymundo Souza Dantas, primeiro embaixador negro do Brasil. Mangue Jornalismo, 2023. Disponível em: <https://manguejornalismo.org/raymundo-souza-dantas-primeiro-embaixador-negro-do-brasil-a-mangue-jornalismo-conta-a-historia-do-sergipano-de-estancia-que-a-sergipanidade-apagou/> . Acesso em: 20 jan. 2025.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA. Raymundo de Souza Dantas: o primeiro embaixador negro do Brasil e sua trajetória inspiradora. [s.d]. Disponível em: <https://www1.ufrb.edu.br/bibliotecacecult/noticias/399-raymundo-de-souza-dantas-o-primeiro-embaixador-negro-do-brasil-e-sua-trajetoria-inspiradora> . Acesso em: 20 jan. 2025