Alciane Carvalho Dias, acadêmica do 7º semestre de Relações Internacionais

Mestre Damasceno, nascido em Salvaterra, na Ilha do Marajó, Pará, é uma figura emblemática da cultura popular brasileira. Membro da Comunidade Quilombola do Salvá, ele se destaca como cantor, compositor, artesão e pescador, além de ser o criador do Búfalo-Bumbá, uma adaptação local do tradicional Boi-Bumbá, iniciada em 1973 (Roma News, 2024). Sua trajetória artística é marcada por mais de 400 composições e quatro álbuns lançados, evidenciando seu compromisso com a preservação e promoção das manifestações culturais marajoaras (ALEPA, 2025).

Entre suas realizações notáveis, destaca-se a criação do Conjunto de Carimbó Nativos Marajoara, fundado em 2013, com o qual gravou quatro álbuns (Roma News, 2024). Ele também foi tema de documentários como “Mestre Damasceno – O Resplendor da Resistência Marajoara”, que retrata sua contribuição para a valorização da cultura marajoara (ALEPA, 2025). Em 2023, ao completar 50 anos de carreira, sua obra foi reconhecida como patrimônio cultural do Pará, consolidando seu legado e reafirmando seu papel na luta pela preservação da identidade cultural marajoara.

A análise da obra do mestre marajoara pode ser enriquecida ao ser abordada por diferentes perspectivas das Relações Internacionais, como o Pós-colonialismo e a Teoria da Interdependência Complexa. Estas teorias revelam a dimensão política, social e global de sua expressão artística.

A valorização das tradições quilombolas e marajoaras por Mestre Damasceno se alinha à perspectiva pós-colonial, representada por Edward Said, onde destaca-se como as narrativas culturais locais desafiam os discursos hegemônicos impostos durante a colonização (SAID, 1978), desafiando as hierarquias culturais que historicamente marginalizaram as populações afrodescendentes e indígenas. Sua arte se torna, assim, uma forma de resistência cultural que não apenas preserva tradições, mas também as insere em debates sobre identidade, cidadania e representação.

Visualizando sob a ótica da Teoria da Interdependência Complexa, proposta por Keohane e Nye (1977), enfatiza a importância das interações não estatais nas relações globais. A obra de Mestre Damasceno pode ser vista como um exemplo de como culturas locais podem influenciar dinâmicas internacionais por meio de redes culturais, econômicas e turísticas. Festivais como o Búfalo-Bumbá e o Conjunto de Carimbó Nativos Marajoara transcendem os limites do Pará, atraindo atenção nacional e internacional, promovendo o Pará como um polo cultural diverso e autêntico. Além disso, sua atuação artística reforça a ideia de que a cultura é um elemento estratégico na construção de pontes entre comunidades e nações, promovendo o turismo, o comércio de produtos artesanais e o intercâmbio cultural.

O envolvimento de Mestre Damasceno com escolas de samba do Rio de Janeiro, especialmente com a escolha de seu samba-enredo “A Mina é Cocoriô!” para o desfile da Acadêmicos do Grande Rio (G1), pode ser interpretado pela ótica da Teoria da Interdependência Complexa. Essa teoria, proposta por Keohane e Nye (1977), sugere que as relações internacionais não se limitam aos estados, mas incluem múltiplos atores e interações em esferas sociais, culturais e econômicas. No ano de 2024, o renomado artista paraense participou ativamente do concurso de samba-enredo promovido pela Acadêmicos do Grande Rio para o Carnaval de 2025. Representando a escola de samba paraense Deixa Falar, sua composição, intitulada “A Mina é Cocoriô!”, foi selecionada como o samba-enredo oficial da Grande Rio. A escolha desse samba destacou a importância do Tambor de Mina, uma religião afro-brasileira predominante no norte do Brasil, como tema central do desfile.

Nesse caso, a colaboração entre um artista paraense e uma escola de samba carioca demonstra como as redes culturais se conectam além das barreiras regionais, promovendo uma troca simbólica entre diferentes tradições brasileiras. A escolha do Tambor de Mina como tema central do desfile ressalta o papel das manifestações culturais na disseminação e valorização de identidades locais em um palco nacional e global. Essa interação ilustra a interdependência cultural e como expressões artísticas regionais podem influenciar e ser influenciadas por dinâmicas culturais mais amplas, consolidando uma narrativa inclusiva e plural da identidade brasileira. A vitória do paraense não apenas evidenciou a riqueza cultural do Pará, mas também reforçou a interconexão entre as tradições religiosas e as manifestações carnavalescas no cenário nacional.

A obra de Mestre Damasceno exemplifica como expressões culturais locais podem transcender barreiras geográficas, influenciando as relações sociais e culturais em uma escala global. Por meio das lentes, do Pós-colonialismo e da Interdependência Complexa, é possível compreender como suas manifestações artísticas se tornam um meio de resistência, de afirmação identitária e de inserção do Pará em redes globais de interação cultural. Assim, Mestre Damasceno não é apenas um ícone local, mas também um exemplo vivo do impacto das culturas tradicionais na dinâmica global.

Referências

ALEPA. Encantador de búfalos: Mestre Damasceno tem obra reconhecida como patrimônio cultural do Pará. 2023. Disponível em: https://alepa.pa.gov.br. Acesso em: 20 jan. 2025.

G1. Samba-Enredo de Mestre Damasceno vence disputa para carnaval de 2025: ‘Resultado de muita dedicação’, diz escola, 2024. Disponível em: https://www.google.com/amp/s/g1.globo.com/google/amp/pa/para/noticia/2024/09/29/samba-enredo-do-para-vence-disputa-da-grande-rio-para-carnaval-de-2025.ghtml . Acesso em: 20 de jan. 2025.

KEOHANE, R. O.; NYE, J. S. Power and Interdependence: World Politics in Transition. Boston: Little, Brown and Co., 1977.

Roma News. Conheça Mestre Damasceno; o marajoara que virou enredo de Carnaval no RJ. Disponível em: https://www.romanews.com.br/cidades/conheca-mestre-damasceno-o-marajoara-que-virou-enredo-de-carnaval-no-rj. Acesso em: 20 de jan. 2025.

SAID, E. W. Orientalism. New York: Pantheon Books, 1978.

WENDT, A. Anarchy is What States Make of It: The Social Construction of Power Politics. International Organization, 1992.