
Thais Vitória Borges – Internacionalista formada pela UNAMA
A presença da estabilidade na historiografia da humanidade raramente se fez presente na História, com eventos intensos de guerras, revoluções, rupturas políticas, sociais ou econômicas recorrentes em diferentes períodos, sociedades e partes do globo. Entretanto, o século XX acarretou eventos ainda não experienciados pela humanidade, se constituindo enquanto um dos mais conturbados da História. Pela primeira vez se presenciava conflitos em escala global, com reverberações diretas e indiretas, fenômeno este ancorado no desenvolvimento científico voltado para o setor bélico característico daquele século (Da Silva, 2011, p. 13).
Da Silva (ibid, p. 13) também aponta que fora neste século que se materializou o fenômeno da “depreciação da vida humana”; como efeito da inédita quantidade de mortos e vítimas das extensas atrocidades que marcaram o século XX, sejam por consequências diretas das batalhas ou indiretas como os assassinatos sob regimes políticos. É sob e sobre este contexto que se dará a vida e estudos de Hannah Arendt.
Nascida em 1906, de origem judia e alemã, a historiadora e filósofa teve sua vida marcada pelo combate ao antissemitismo e destaca-se pelos seus escritos voltados para a compreensão do totalitarismo, estes incorporados nos governos nazista e stalinista (Seno, 2023), para além disso, as temáticas referentes a natureza da riqueza, poder e mal, autoridade e tradição são também questões desenvolvidas em seus trabalhos.
Tendo a própria autora de se exilar nos Estados Unidos em decorrência da ascensão do nazismo na Alemanha, em Origens do Totalitarismo, publicado em 1951, obra que lhe deu notoriedade, Arendt expressa seu assombro e busca por entendimento sobre o que estava acontecendo na Europa no século XX a partir das notícias que chegavam a ela sobre Auschwitz (Aguiar, 2008). Este livro constitui a procura da autora de analisar em termos históricos os elementos que se cristalizaram no totalitarismo.
É importante ressaltar que o totalitarismo representa para a autora uma forma extrema de governo que busca a total subordinação dos indivíduos ao Estado, interferindo em sua vida pessoal, pensamento e ação. Arendt dá enfoque na personalização do poder e no papel do líder totalitário; a vontade pessoal que guia o ditador; e o objetivo final do totalitarismo e de seus idealizadores (Da Silva, 2011, p. 16).
Em Origens do Totalitarismo (2013), discorrendo sobre as características dos movimentos totalitários, para ela o que se destaca é a facilidade destes serem substituídos, uma natureza de impermanência, isto porque, para a autora, a essência dos movimentos totalitaristas é que estes só podem continuar no poder enquanto estiverem em movimento e transmitirem este movimento a tudo que os rodeia. Arendt relaciona isso a como Stálin conseguiu se legitimar enquanto herdeiro político de Lênin utilizando das memórias de seu antecessor e a morte de Hitler na Alemanha.
Assim, a partir disso a autora se volta para o poder sobre as massas como força motriz para que esses regimes permaneçam no poder, apontando a ascensão de Hitler e o apoio e confiança que adquiriu das massas. É importante destacar as considerações da autora acerca do fanatismo, este que, em movimentos totalitários, desaparece no momento em que o movimento deixa em apuros os seguidores fanáticos, extinguindo nesses qualquer convicção quanto ao movimento. Entretanto, enquanto não há um colapso, uma ruptura na estrutura do movimento, seus seguidores permanecerão inatingíveis (Arendt, 2013).
Não apenas isto, Arendt alega que o movimentos totalitários objetivam e conseguem organizar as massas, e não as classes, isto porque as massas não se uniriam pela consciência de um interesse em comum, mas sim porque falta-lhe nelas uma específica articulação de classe que se expressa em objetivos determinados e tangíveis. As massas, para a autora, representam aquele contingente de pessoas que por algum motivo ou outro desenvolveram certa afeição pela organização política. Ademais, afirma que movimentos totalitários são possíveis em qualquer país em que existam massas, e as massas existem em qualquer lugar que haja uma maioria de indivíduos neutros e politicamente indiferentes (Arendt, 2013).
O que Arendt percebeu em suas pesquisas acerca do totalitarismo é que esta se trata de uma experiência que não pode ser explicada e tampouco entendida como consequência de um processo ou desenvolvimento de uma causa única presente no passado, mas sim que se cristalizou a partir de elementos de várias proveniências, como exemplo o imperialismo, o antissemitismo ou eurocentrismo (Aguiar, 2008, p.74). Assim, no contexto hodierno em que se presencia a ascensão de movimentos fascistas e de características totalitárias ao redor do globo, Hannah Arendt se torna uma pesquisadora necessária como via de conhecimento e entendimento das nuances, aspectos e contexto acerca destes fenômenos.
Referências
AGUIAR, Odilio Alves. A tipificação do totalitarismo segundo Hannah Arendt. Doispontos, v. 5, n. 2, p. 73-88, 2008.
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. Editora Companhia das Letras, 2013.
SENO, Pedro. Nascimento de Hannah Arendt. FFLCH – USP, 14 out. 2023. Disponível em: https://www.fflch.usp.br/123800.
SILVA, Douglas Andrade da. Totalitarismo, alteridade e relações internacionais contribuições para a análise da política internacional. 2011.
