
Gabriele Nascimento (acadêmica do 3º semestre de RI da UNAMA)
Keity Oliveira (Internacionalista formada pela UNAMA)
Localizado no extremo norte do Brasil, o Amapá, conforme dados do IBGE, possui uma vasta proporção de áreas protegidas, além de baixa densidade demográfica, população majoritariamente urbana e uma economia fortemente voltada para o setor terciário. Tais circunstâncias parecem ter servido, historicamente, como barreiras ao desmatamento predatório em larga escala. Contudo, conforme mostram estudos mais recentes, a violência, associada ao crescimento da fronteira agrícola e da mineração, tem avançado sobre os municípios e as áreas protegidas do estado.
O estado do Amapá, cortado pela Linha do Equador, está situado no Platô das Guianas, extremo norte do Brasil. Limita-se com a Guiana Francesa e o Suriname, a noroeste; com o estado do Pará, a oeste e a sul; e com a foz do rio Amazonas a leste a sudeste (Ferreira et al., 2023). Trata-se de um estado estratégico, não só por sua proximidade com a Guiana Francesa, mas por sua longa costa atlântica e sua localização na embocadura do Rio Amazonas.
A região é o estado com a maior taxa de violência da Amazônia Legal, segundo dados levantados na 3ª edição do estudo Cartografias da Violência na Amazônia (Aleixo, 2024), divulgados em dezembro de 2024 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o Instituto Mãe Crioula (IMC). Em 2023, o estado registrou 69,9 vítimas a cada 100 mil habitantes.
Essa foi a taxa mais elevada do país de Mortes Violentas Intencionais (MVI), que incluem homicídios dolosos, latrocínios, mortes decorrentes de intervenção policial e mortes de policiais. Conforme Aleixo (2024), os números representam um crescimento de 39,8% em relação ao ano anterior – em 2021, foram 491 mortes violentas, 367 em 2022 e 513 em 2023 no estado.
O município de Calçoene, localizado na região norte do país e que possui 10.612 habitantes segundo o Censo 2022 do IBGE, foi o que registrou a taxa mais alta de MVI do Amapá, com média de 100,8 mortes por grupo de 100 mil habitantes, conforme Aleixo (2024). O munícipio teve destaque midiático entre 2022 e 2023 em termos de aumento do garimpo ilegal, no distrito de Lourenço, que pertence a Calçoene, com um crescimento de 340% em um ano de uma área desmatada equivalente a mais de 170 campos de futebol.
Em 2024, por sua vez, Calçoene foi um dos principais municípios afetados por incêndios no Amapá com o número de 28 focos, representando 6,6% do total do estado, conforme dados de Aleixo (2024).
Além disso, segundo o jornalista, o município de Santana, que tem a segunda maior população do estado (107,3 mil habitantes), é o mais violento do país segundo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. De 2022 para 2023 o aumento percentual foi de 88,2% no número de mortes violentas em Santana (MVI de 92,9%).
Na época, o governo do Estado atribuiu o crescimento da violência na região a uma guerra entre as facções presentes na região, como o Comando Vermelho (CV), Primeiro Comando da Capital (PCC), Família Terror Amapá (FTA) e Amigos Para Sempre (APS).
Para o pesquisador Thiago Sabino, a disputa por territórios na cidade que é uma área portuária na foz do Rio Amazonas, é o principal motivo da “guerra” (Aleixo, 2024). A cidade que carece de políticas públicas como habitação e saneamento, possui conexões através de palafitas que acabam por potencializar a violência. Sendo assim, a região se torna uma rota do narcotráfico internacional de drogas e armas, que tem como origem o Suriname e destino final a Venezuela, passando pelo Pará.
Hodiernamente, percebe-se que os grupos criminosos, que antes dedicavam-se exclusivamente ao tráfico de drogas e faziam da Amazônia seu corredor logístico, agora atuam também em atividades predatórias ambientais, como a extração ilegal de madeira, garimpo, além da biopirataria.
O narcotráfico percebeu na enfraquecida legislação ambiental brasileira a oportunidade de exponenciar seus lucros, visto que as riquezas provenientes da floresta têm alto valor de mercado, aquecendo, assim, seus negócios. Tais atividades violam as mais diferentes prerrogativas legais, como a invasão de terras indígenas para fins de exploração mineral e pesca ilegal.
Outro ponto que merece destaque, quando se fala em dominação criminosa na Amazônia, é a atuação (ou a falta dela) do Estado, especialmente da esfera federal, que conta com vários personagens para fazer sua presença e fiscalização serem sentidas, sejam pelas Forças Armadas, sejam pelos órgãos instituídos para tal, como IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, FUNAI- Fundação Nacional do Índio ou ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, além da Polícia Federal.
O vazio deixado pelo Estado potencializa ainda mais o fortalecimento das redes criminosas na região. Essa característica facilita a cooptação de comunidades e autoridades para a prática de crimes. Vazio esse muito além da proteção e fiscalização de fronteiras e que transforma a região em um cenário perfeito para a atuação de grandes redes do crime organizado, seja ele atuante na destruição ambiental ou no tráfico internacional de drogas.
Conforme defendido pelo professor Aiala Couto (2019), as fronteiras da Amazônia tornaram-se desprotegidas diante das ações do narcotráfico. Tanto as áreas limítrofes quanto os interiores dos estados, ao longo de grandes cursos de mata e rios, são espaços vulneráveis e instáveis, facilitados pela presença precária do Estado.
As Forças Armadas mostram-se ineptas a exercerem suas funções quando se concentram no eixo Centro-Sul do país, lotando quartéis sem necessidade e deixando uma imensa desproteção no espaço amazônico.
Em dezembro de 2024, o governo do Amapá divulgou dados informando que o estado reduziu as taxas de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI). Conforme o governo, dados divulgados pelo Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), do Ministério da Justiça (MJSP), mostram queda de 34,2% comparado com o mesmo período do ano passado (Aleixo, 2024). Ainda de acordo com os dados do governo, foram 291 vítimas de crimes violentos em 2023, contra 192 neste ano.
Portanto, é notório a inércia do Estado em relação diante da ação do narcotráfico. Para combater essa ameaça é necessário que o Estado adote medidas urgentes. Umas das principais ações deve ser o deslocamento de tropas policiais e militares para a Amazônia, afim de combater a atuação das redes de crimes organizados na região, as quais são responsáveis por rios de sangue em todo território amazônico.
Por fim, é essencial investir em fiscalização portuária com o objetivo de investigar a entrada e saída de mercadorias ilegais no território outra medida fundamental é proteger as terras pertencentes as comunidades autóctones de atividades exploratórias Clandestinas.
Diante do exposto, recomenda-se o relatório anual “Cartografias da Violência na Amazônia” de 2024, desenvolvido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), com apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e parceria de pesquisadores do Grupo de Pesquisa Territórios Emergentes e Redes de Resistência na Amazônia (TERRA), da Universidade do Estado do Pará – UEPA. O relatório expõe dados sobre o cenário preocupante de conflitos em torno do controle, uso ou posse do território que tem produzido violência e danos irreparáveis para a floresta, aos povos indígenas, quilombolas e comunidades ribeirinhas. O relatório pode ser baixado através do link a seguir:
< https://publicacoes.forumseguranca.org.br/items/c86febd3-e26f-487f-a561-623ac825863a >
Também destacamos a série documental “Amazônia Sociedade Anônima”, dirigido por Estêvão Ciavatta e disponível na plataforma de streaming Globoplay. A série retrata comunidades indígenas e ribeirinhas que se une e tornam-se resistentes e lutam contra o crime organizado. A obra revela, sobretudo, as consequências do neoliberalismo na Amazônia que visa o lucro acima da preservação do ecossistema amazônico e da vida das comunidades que ali habitam.
Por fim, recomendamos o trabalho do Instituto Socioambiental (ISA), fundado em 1994, uma instituição não governamental que tem o objetivo de defender bens e direitos sociais, coletivos e difusos, relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos originários. A instituição trabalha em parceria com os povos embrionários para combater atividades ilegais, como garimpo ilegal, exploração de madeira, de animais e invasão das terras indígenas. Para mais informações, acesse:
Site: < https://www.socioambiental.org/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/socioambiental/ >
Facebook: < https://www.facebook.com/institutosocioambiental >
X: < https://twitter.com/socioambiental >
REFERÊNCIAS
ALEIXO, Rafael. Amapá tem maior taxa de violência da Amazônia, aponta estudo; pior cidade vive expansão de garimpo ilegal. Reportagem G1. Publicado em: 11 de dezembro de 2024. Disponível em: < https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2024/12/11/amapa-tem-maior-taxa-de-violencia-da-amazonia-aponta-estudo-pior-cidade-vive-expansao-de-garimpo-ilegal.ghtml > Acesso em: 02 de março de 2025.
COUTO, Aiala Colares de Oliveira. Conectividade e territórios em rede do narcotráfico na Amazônia brasileira. In: GeoTextos, vol.15, nº2, dezembro 2019, p. 123-147. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/geotextos/article/view/33820/20221. Acesso em: 02 de março de 2025.
FERREIRA, Helder et al. Dinâmicas da violência no território brasileiro: Amapá. In: SANTOS, Maria Paula Gomes dos (Org.). Dinâmicas da violência e da criminalidade na Região Norte do Brasil. Brasília, DF: Ipea, 2024. p. 64-120, il. Disponível em: < https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/14251?mode=full > Acesso em: 02 de março de 2025.
