Arthur Raphael, acadêmico do 3° semestre de Relações Internacionais

Thaís Carvalho, acadêmica do 7° semestre de Relações Internacionais

Ficha técnica:

Gênero: Curta-metragem

Duração: 15 min

Ano: 1989

Diretor (a): Jorge Furtado

Distribuição: Kodak do Brasil, Curt-Alex Laboratórios e Álamo Estúdios de Som

País de origem: Brasil

“Ilhas das Flores” é um curta-metragem brasileiro dirigido por Jorge Furtado, em 1989, e foi eleito pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) como o melhor curta-brasileiro de todos os tempos (G1, 2019). A obra utiliza de uma linguagem ácida e irônica para criticar o sistema capitalista, a sociedade de consumo e a desigualdade social ocasionada por esse sistema hegemônico no mundo até os dias atuais (MORALES, 2022).

O documentário retrata a trajetória de um tomate, desde de seu plantio até seu descarte na Ilha das Flores, um aterro sanitário onde grande parte do lixo produzido em Porto Alegre era descartado. O tomate, após ser selecionado como descartável pela dona de casa, é jogado no lixo e posteriormente chega à Ilha das Flores, onde um criador de porcos seleciona os resíduos orgânicos que podem ser destinados à alimentação dos animais.

Durante a seleção dos alimentos, começa a se formar filas de crianças e mulheres do lado de fora da cerca, aos quais serão deixados aqueles alimentos não dignos aos porcos. Como as filas são muito grandes, os empregados organizam as pessoas em grupo de dez, que em um tempo estipulado de cinco minutos, podem pegar o que acham mais perecível para comer. Acabando o tempo, esse grupo é retirado dando lugar ao próximo grupo.

A forma em que Furtado faz uma progressão de cada momento que o tomate passa pela mãos de diferentes pessoas em classes sociais tão distintas, com alguns comentários irônicos sobre eventos históricos e dados científicos intercalando a progressão da história, representa como está sendo lidado no mundo moderno uma situação tão hodierna como a fome. Apesar de terem se passado 30 anos desde o lançamento do curta-metragem, a obra ainda é atual por abordar temáticas como a falta de distribuição alimentar adequada no Brasil e no mundo, onde existem pessoas vivendo em situações análogas aos habitantes da Ilha das Flores, apesar de todo o conhecimento histórico e tecnológico desenvolvido desde 1989.

Nesse sentido, o curta-metragem brasileiro pode ser analisado sob a ótica da Teoria Crítica das Relações Internacionais, vertente esta que critica as teorias positivistas e a ideia imposta de que as estruturas são imutáveis, e apresenta novas formas de reflexão acerca do sistema internacional, pois adota uma abordagem holística e contextualizada do conhecimento para analisar e propor mudanças na ordem mundial (BUENO, 2024).

De acordo com o pensamento apresentado pelo teórico da vertente crítica das Relações Internacionais, Robert W. Cox, em seu seminal artigo “Social forces, states and world orders” (1981), as relações internacionais deveriam ser compreendidas através de uma estrutura histórica que analisasse as capacidades materiais, as ideias e as instituições. Cox aprofunda, em sua obra, três categorias relevantes: a estrutura histórica, as forças sociais e a hegemonia. De acordo com o autor, a ordem mundial possui uma estrutura dinâmica que evolui constantemente, e é influenciada pela forma que as ações interagem nas forças sociais e nas relações de poder.

Desse modo, inspirado pelas ideias do teórico marxista, Antonio Gramsci, Cox se aprofunda no conceito de hegemonia, que surge como um instrumento mantenedor do status quo de uma ordem existente e que evita novos conflitos. Para o teórico, a hegemonia atua como grupos dominantes que impõem os seus desejos sobre a vontade do outro, seja através da força, da aceitação e/ou legitimação de tais ideias (PEREIRA; GARCIA, 2021).

Isto posto, o conceito de hegemonia, elaborado por Robert Cox, pode ser aplicado ao contexto retratado em “Ilha das Flores”, pois há uma representação concisa da sociedade de consumo e a desigualdade expressa no território brasileiro, onde a banalização da pobreza e da fome refletem a estrutura hegemônica dos grupos dominantes da sociedade sobre os indivíduos marginalizados.

Por fim, o documentário brasileiro apresenta uma visão necessária acerca das inúmeras faces das desigualdades sociais e econômicas presentes no país, e aborda, de forma crítica, o modo como o sistema capitalista acentua e perpetua as condições subumanas em que muitos cidadãos são forçados a viver.

Referências

COX, R. W. Social forces, states and world orders: Beyond international relations theory. Millennium: Journal of International Studies, v. 10, n. 2, p. 126-155, 1981.

BUENO, G. Teoria Crítica em RI: Uma Abordagem Emancipatória. ESRI, 2024. Disponível em: https://esri.net.br/teoria-critica-relacoes-internacionais-resumo/ . Acesso em: 4 mar. 2025.

PEREIRA, R. C; GARCIA, A. A teoria crítica de Robert W. Cox como método para uma análise das relações entre China e América Latina. Revista OIKOS, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, 2021. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/oikos/article/view/52061 . Acesso em: 4 mar. 2025.

G1. Ilha das Flores é eleito melhor curta-metragem brasileiro da história. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2019/05/06/ilha-das-flores-e-eleito-melhor-curta-metragem-brasileiro-da-historia.ghtml. Acesso em: 4 mar. 2025.

MORALES, L. O que o documentário Ilha das Flores tem para nos ensinar. Compostagem Terra Orgânica, 2022. Disponível em: https://compostagemterraorganica.com.br/ilha-das-flores/#:~:text=Ilha%20das%20Flores%20%C3%A9%20um,assista%20no%20final%20desse%20post. Acesso em: 4 mar. 2025.

FURTADO, Jorge. ILHA DAS FLORES – texto original. WayBackMachine, 1988. Disponível em: https://web.archive.org/web/20230501085347/https:/www.casacinepoa.com.br/os-filmes/roteiros/ilha-das-flores-texto-original. Acesso em: 4 mar. 2025.