
Antônio Vieira, acadêmico do 3° semestre de Relações Internacionais
Ficha Técnica
Gênero: Guerra/Drama
Duração: 2h 27min
Ano: 2022
Diretor (a): Edward Berger
Distribuição: Netflix
País de origem: Alemanha
Vencedor de 4 Oscars, Nada de Novo no Front é uma adaptação do livro homônimo, publicado por Erich Maria Remarque em 1929 (LAYSA, 2023), que retrata os impactos físicos e mentais da Primeira Guerra Mundial nos soldados alemães, principalmente sobre os mais jovens, vítimas do discurso nacionalista e da ambição do Império Alemão. Nesse sentido, através de uma fotografia sombria e trilha sonora intensa, o filme conta a história de Paul Baümer, um jovem ingênuo e entusiasmado que, ao ir para a linha de frente da guerra junto aos amigos, encara a dura realidade do conflito.
A trama começa em 1917, com o grupo de amigos marcados pelo patriotismo, se alistando para combater os francesas na região de Flandres, na Bélgica, onde há uma enorme quantidade de trincheiras. De início eles são tomados pelo sentimento de glória, quando se imaginam vitoriosos e marchando por Paris. Porém, conforme Paul adentra no conflito, ele presencia a morte de amigos, passa fome e tem que se acostumar com o ambiente hostil e insalubre das trincheiras, fora a monotonia dos dias que a direção do filme consegue transmitir perfeitamente por meio da lentidão dos eventos. No fim, naturalmente, o entusiasmo do soldado vai se esvaindo, sobrando apenas o medo recorrente de uma morte violenta, e a esperança dos líderes do império alemão porem um fim na guerra.
De forma paralela à jornada do protagonista, após 18 meses, o enredo foca em Matthias Erzberger, o chefe da delegação alemã que, frente a escalada do número de soldados alemães mortos – cerca de 40.000 nas últimas semanas – e da iminente derrota, busca por meio de um acordo com o marechal francês, o cessar-fogo imediato. Contudo, as exigências para tal armistício são vistas como desrespeitosas pelo então general do exército alemão, Wilhelm Friedrichs. Entre as condições impostas pelo Marechal estão a entrega de locomotivas, trens, e a região da Alsácia-Lorena. Dessa forma, Friedrichs se nega a ver o seu país entregue aos “inimigos”, o que dá força para o confronto mais impactante da obra.
Diferente de diversas obras que retratam a guerra de modo romantizado, Nada de Novo no Front se diferencia porinovar ao retratar com realismo a vida efêmera dos soldados, o impacto a juventude, assim como a manipulação do discurso patriótico, feito por líderes políticos e militares para recrutar mais combatentes e atender a seus interesses. Nesse contexto, o filme poder ser associado à teoria pós-moderna das Relações Internacionais, que busca investigar e questionar as narrativas construídas por aqueles que detém poder na sociedade, analisando como o discurso molda a realidade política e social. (SARFATI, 2005).
De acordo com o filósofo pós-moderno Michel Foucault (apud NOGUEIRA e APARECIDA, 2017), os estados modernos administram a sociedade através do controle dos corpos humanos, por meio de leis, educação, saúde, segurança pública etc. O objetivo central é moldar o comportamento dos indivíduos a fim de torná-los corpos dóceis – produtivos e obedientes -, para com isso manter a estabilidade social. Foucault nomeia de biopoder tal política aplicada pelos estados. Nessa perspectiva, no início da trama é possível ver o biopoder sendo aplicado através do discurso patriótico feito pelo professor da escola de Paul Baüme aos alunos. Ele exalta o dever dos estudantes em lutar pela pátria, caso queiram ser considerados “heróis”. Paralelamente, o sistema de hierarquia do exército Imperial alemão é outra manifestação de biopoder, pois cria indivíduos obedientes e disciplinados.
Indo de contra ao idealismo da guerra, o filme se aprofunda em mostrar as consequências desumanas do poder que o Estado tem sobre os que se alistaram. Há uma cena que mostra essa desumanização da guerra desde as etapas preliminares, quando Paul percebe que está recebendo uniformes de soldados abatidos. Além disso, os combatentes se tornam vítimas do acordo entre a delegação alemã e o marechal francês, que impõe um prazo de 72 horas para que Matthias Erzberger assine as suas condições. Isso evidencia como poucos indivíduos detêm poder sobre a vida de muitos, haja vista que o combate ia continuar até a efetivação da assinatura, sendo os soldados usados como moeda de troca, sem qualquer humanidade.
Além do espetáculo visual e incríveis atuações de Nada de Novo no Front, a sua trama é única por subverter o gênero. Uma vez que, ironicamente, é um filme de guerra com uma perspectiva anti-guerra, que está repleto de críticas a banalidade da vida humana e a conceitos como “militarismo” e “nacionalismo” que perpetuam a lógica do conflito. Também, vale ressaltar que o livro original foi proibido durante a Segunda Guerra Mundial pelos nazistas, pois ia contra a narrativa imposta pelo regime (LEAL, 2019). Ademais, a obra cinematográfica se posiciona contra os discursos dominantes em tempos de guerra, como o patriótico e o da glorificação do combate, se associando perfeitamente com a teoria pós-moderna das Relações Internacionais.
REFERÊNCIAS:
LAYSA, Z. O que explica destaque de ‘Nada de Novo no Front’ no Oscar de 2023. UOL. 2023. Disponível em: https://www.uol.com.br/splash/noticias/2023/03/13/o-que-explica-destaque-de-nada-de-novo-no-front-no-oscar-2023.htm. Acesso em: 10, mar. 2025.
LEAL, B. Nada de novo no front: 90 anos de um clássico. Café História. 2019. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/nada-de-novo-no-front/#:~:text=A%20narrativa%20de%20Remarque%20provocou,Nada%20de%20novo%20no%20front%E2%80%9D.. Acesso em: 10, mar. 2025.
NOGUEIRA FURTADO, R; APARECIDA DE OLIVEIRA CAMILO, J. O Conceito de Biopoder no Pensamento de Michel Foucault. Revista Subjetividades, [S. l.], v. 16, n. 3, p. 34–44, 2017. DOI: 10.5020/23590777.16.3.34-44. Disponível em: https://ojs.unifor.br/rmes/article/view/4800. Acesso em: 09 mar. 2025.
SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 239-249.
