
Isabella Barbosa, acadêmica do 3° semestre de Relações Internacionais
O Passaporte Musical desta semana é sobre o cantor e compositor brasileiro Chico Science. Durante a década de 1990, popularizou-se o movimento chamado “Manguebeat”, que teve início em Recife, Pernambuco. A proposta consistia em uma fusão de influências da cultura pop, como rock’n’roll e hip-hop, com elementos da cultura regional de Pernambuco, especialmente o maracatu rural. Chico Science, juntamente com a banda “Nação Zumbi”, da qual fazia parte, marcou de forma significativa a entrada do “Manguebeat” na cultura brasileira (E-BIOGRAFIA, 2021).
Chico Science, nome artístico de Francisco de Assis França, nasceu na cidade de Olinda, Pernambuco, no dia 13 de março de 1966. Passou sua infância e adolescência no bairro de Rio Doce. Era fã da música de James Brown e Kurtis Blow, importantes representantes do soul-music e do hip-hop norte-americano (E-BIOGRAFIA, 2021).
Durante sua carreira, o artista passou por diversos grupos, como a “Orla Orbe”, com estilo black music, em 1978, que chegou ao fim antes de completar um ano no ramo musical; “Loustal”, que fazia uma mescla do rock dos anos 60 com o soul, funk e hip-hop; e, em seguida, “Chico Science & Nação Zumbi”, banda na qual se fixou e lançou discos como Da Lama ao Caos (1994), onde se destacaram as músicas “A Praieira” e “A Cidade” (FolhaPE, 2022).
O segundo disco, Afrociberdelia (1996), foi lançado durante uma época em que a banda realizou turnês nacionais, e ambos os discos se tornaram sucesso nos Estados Unidos e na Europa. Seus dois álbuns foram incluídos na lista dos “100 melhores discos da música brasileira” da revista Rolling Stone, elaborada a partir de uma votação com 60 jornalistas, produtores e estudiosos de música brasileira: Da Lama ao Caos ficou na 13ª posição e Afrociberdelia na 18ª (FolhaPE, 2022). No auge do sucesso, Chico Science sofreu um acidente grave quando seguia de carro pela rodovia que liga o Recife à Olinda, no Complexo de Salgadinho. O artista faleceu em Recife, Pernambuco, no dia 2 de fevereiro de 1997 (FolhaPE, 2022).
A partir desse conhecimento prévio acerca da vida e obra de Chico Science, pode-se analisar sua música “Da Lama ao Caos”, onde o artista denuncia a exploração e desigualdade social, sob a perspectiva de Eduardo Galeano, escritor estudado na área de Relações Internacionais. Em seu livro: “Veias Abertas da América Latina”, é trazida a discussão sobre a justiça social necessária dentro do contexto latino-americano. Em um trecho dessa obra, ele fala: “O desenvolvimento do subdesenvolvimento depende da fome, que engendra mais fome. No mercado mundial, nossas mercadorias valem menos do que nossas lágrimas e nosso suor” (GALEANO, 1973, p.135).
O escritor explica, ao longo de seu texto, como isso se interliga com o passado colonial, deixando claro como a exploração tornou a região rica em recursos, mas empobreceu o seu próprio povo. De maneira análoga, em um trecho da música “Da Lama ao Caos” diz-se: “Com a barriga vazia, não consigo dormir. E com o bucho mais cheio, comecei a pensar que eu me organizando posso desorganizar” (SCIENCE, 1994), tal reflexão musical não poderia ser tão bem representada se não estivesse convivendo no mesmo espaço político e social que Eduardo Galeano se dispõe a explicar.
Desse jeito, além de tratar sobre soberania alimentar e como a fome faz com que as pessoas ignorem problemas coletivos, porque estão preocupadas em suas necessidades pessoais, a música também mostra que é preciso orgarniza-se coletivamente para desorganizar essa estrutura colonial que o Galeano descreve.
Para complementar essa análise, é relevante destacar o conceito de Soft Power, desenvolvido pelo teórico neoliberal das Relações Internacionais, Joseph Nye. Professor da Universidade de Harvard e ex-subsecretário de Defesa dos Estados Unidos, Nye é um dos principais nomes da escola liberal das Relações Internacionais (CSIS, 2024). Seu conceito de Soft Power define-se como a capacidade de um país influenciar outro não por meio de forças militares e econômicas (Hard Power), mas através da cultura, ideologia e instituições (NATURE, 2017).
Chico Science utiliza a própria globalização, que em muitos contextos reforça a dominação cultural ocidental, como uma ferramenta de resistência. Em suas músicas, a mescla de gêneros estrangeiros com ritmos brasileiros evidencia que a assimilação da cultura global não resulta no apagamento da cultura local, mas em seu fortalecimento e reapropriação como forma de resistência ao sistema. Esse processo representa um movimento em que, em vez de ser passivamente influenciado pelo imperialismo cultural, Chico Science ressignifica essa influência para fortalecer a cultura local e desafiar a hegemonia cultural imposta pelo Norte Global.
Referências
BRASIL DE FATO. 50 anos de Veias Abertas da América Latina: um livro para entender a vida e o mundo. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/04/24/50-anos-de-veias-abertas-da-america-latina-um-livro-para-entender-a-vida-e-o-mundo/. Acesso em: 5 mar. 2025.
CSIS – CENTER FOR STRATEGIC & INTERNATIONAL STUDIES. Joseph S. Nye Jr. Disponível em: https://www.csis.org/people/joseph-s-nye-jr. Acesso em: 5 mar. 2025.
EBIOGRAFIA. Chico Science. Disponível em: https://www.ebiografia.com/chico_science/. Acesso em: 5 mar. 2025.
FOLHAPE. 25 anos sem Chico Science: relembre a trajetória do artista que revolucionou a música brasileira. Disponível em: https://www.folhape.com.br/noticia/amp/214347/25-anos-sem-chico-science-relembre-a-trajetoria-do-artista-que/. Acesso em: 5 mar. 2025.
GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. 1. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1973.
HISTÓRIA DO MUNDO. O que foi o Movimento Manguebeat? Disponível em:https://www.historiadomundo.com.br/amp/curiosidades/o-que-foi-movimento-manguebeat.htm. Acesso em: 5 mar. 2025.
NATURE. Nature Communications. Disponível em:https://www.nature.com/articles/palcomms20178. Acesso em: 5 mar. 2025.
REVISTA UEG. A influência de Chico Science no movimento Manguebeat e sua relação com a resistência cultural. Disponível em:https://www.revista.ueg.br/index.php/revistahistoria/article/download/6246/4948/26077. Acesso em: 5 mar. 2025.
