Lucas Cardoso acadêmico do 5° Semestre de RI da UNAMA

Conquistada em 1971 após uma guerra contra o Paquistão, a independência de Bangladesh é um evento crucial nas Relações Internacionais, pois exemplifica a interseção entre autodeterminação, geopolítica regional e intervenção humanitária. O conflito, marcado por violência extrema e um genocídio amplamente documentado, atraiu a atenção da comunidade internacional, influenciando debates sobre direitos humanos, soberania e a legitimidade da interferência externa. Além disso, a participação da Índia na guerra e o subsequente realinhamento estratégico no sul da Ásia evidenciaram como os processos de independência podem reconfigurar equilíbrios de poder regionais.

A independência de Bangladesh em 1971 foi o resultado de décadas de tensões políticas, econômicas e culturais entre o Paquistão Ocidental (atual Paquistão) e o Paquistão Oriental (atual Bangladesh). Essas tensões começaram logo após a Partição da Índia em 1947, quando a região de Bengala Oriental foi incorporada ao recém-criado Estado do Paquistão. Apesar de serem a maioria da população do país, os bengalis enfrentaram marginalização e exploração por parte do governo central, baseado em Islamabad (BOSE; JALAL, 2022).

Uma das primeiras manifestações da insatisfação bengali ocorreu com o Movimento da Língua em 1952. O governo paquistanês havia imposto o urdu como língua oficial, ignorando o fato de que a maioria da população do Paquistão Oriental falava bengali, dessa forma houve protestos massivos que resultaram em repressão violenta e na morte de manifestantes, o que fortaleceu a identidade cultural bengali e a luta por autonomia. Esse movimento foi um marco fundamental para o nacionalismo bengali e, mais tarde, para o desejo de independência (BOSE; JALAL, 2022).

Nas décadas seguintes, as desigualdades econômicas entre as duas partes do Paquistão tornaram-se ainda mais evidentes. O Paquistão Oriental gerava a maior parte das receitas de exportação do país, especialmente com a produção de juta, mas recebia poucos investimentos em infraestrutura e desenvolvimento. A crescente frustração com essa exploração econômica levou ao fortalecimento da Liga Awami, partido liderado por Sheikh Mujibur Rahman, que defendia maior autonomia para o Paquistão Oriental (HEITZMAN, 1988).

O ponto de ruptura ocorreu nas eleições gerais de 1970, quando a Liga Awami obteve uma vitória esmagadora no Paquistão Oriental, conquistando a maioria no parlamento nacional. No entanto, o governo central e os militares do Paquistão Ocidental recusaram-se a transferir o poder para Sheikh Mujibur Rahman, o que gerou protestos e um movimento de desobediência civil, que foi respondido com violência pelo governo paquistanês (GUHATHAKURTA, 2013).

Em 25 de março de 1971, o Exército do Paquistão lançou a Operação Searchlight, uma campanha militar brutal para reprimir os nacionalistas bengalis. Daca, a capital do Paquistão Oriental, foi palco de massacres e prisões em massa. Estima-se que centenas de milhares de pessoas tenham sido mortas durante a repressão. Diante desse cenário, Sheikh Mujibur Rahman declarou a independência de Bangladesh, iniciando a Guerra de Libertação (JAHAN; SOBHAN, 2024).

O conflito durou nove meses e levou a uma crise humanitária, com milhões de refugiados fugindo para a Índia. Assim sendo, o governo indiano, liderado por Indira Gandhi, decidiu intervir militarmente a favor dos separatistas bengalis e em dezembro de 1971, a Índia lançou uma ofensiva contra o Paquistão Ocidental, derrotando suas forças rapidamente. No dia 16 de dezembro, o Paquistão rendeu-se oficialmente, e Bangladesh tornou-se um país independente (RIAZ, 2016).

Após a independência, Bangladesh enfrentou desafios significativos, incluindo a reconstrução do país devastado pela guerra e períodos de instabilidade política. Sheikh Mujibur Rahman tornou-se o primeiro líder do novo Estado, mas foi assassinado em 1975, dando início a anos de regimes militares. Apenas nas décadas seguintes o país conseguiu estabelecer um sistema democrático mais estável e iniciar um processo de crescimento econômico (RIAZ, 2016).

Hoje, Bangladesh é uma das economias que mais crescem no mundo, destacando-se na indústria têxtil e no setor de tecnologia. No entanto, o legado da guerra de independência ainda marca a política e a sociedade do país. O reconhecimento dos sacrifícios feitos durante a luta pela independência continua sendo um tema central na identidade nacional de Bangladesh (GUHATHAKURTA, 2013).

Nesse contexto, a independência de Bangladesh pode ser analisada nas Relações Internacionais através da teoria construtivista de Alexander Wendt, exposta na obra Social Theory of International Politics (1999), que enfatiza como identidades e normas moldam a política internacional. A identidade de um Estado, segundo essa abordagem, não é fixa, mas sim construída ao longo do tempo por meio de interações com outros atores internacionais, assim os interesses e comportamentos estatais não são dados principais, mas emergem dessas relações e da forma como os estados percebem uns aos outros.

A luta pela independência de Bangladesh foi mais que uma disputa territorial ou econômica; representou um processo de construção identitária contra a dominação do Paquistão Ocidental. A teoria de Wendt permite compreender como, além dos interesses materiais, fatores como a opressão linguística, a marginalização política e econômica e o reconhecimento internacional redefiniram identidades e fortaleceram a soberania do país. Esses elementos foram fundamentais para consolidar Bangladesh como uma nação distinta no cenário internacional.

Analogamente, nota-se que o movimento bengali não foi motivado apenas por fatores econômicos e políticos, mas também pela construção de uma identidade distinta, reforçada pelo Movimento da Língua de 1952 e pela repressão cultural imposta pelo Paquistão Ocidental. Essa identidade mobilizou a luta pela independência e influenciou a resposta internacional, demonstrando que as relações entre Estados são definidas por construções sociais, e não apenas por interesses materiais.

Referências:

WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

BOSE, Sugata; JALAL, Ayesha. Modern South Asia: history, culture, political economy.Routledge, 2022.

GUHATHAKURTA, Meghna; VAN SCHENDEL, Willem (Ed.). The Bangladesh reader: History, culture, politics. Duke University Press, 2013.

HEITZMAN, James; WORDEN, Robert L.; LIBRARY OF CONGRESS WASHINGTON DCFEDERAL RESEARCH DIV. Area Handbook Series: Bangladesh, A Country Study.In: Library Of Congress Washington DC Federal Research Div. 1988. Disponível em:https://apps.dtic.mil/sti/citations/ADA217150

JAHAN, Rounaq; SOBHAN, Rehman. Fifty Years Of Bangladesh. Routledge, 2024.

RIAZ, Ali. Bangladesh: A political history since independence. Bloomsbury Publishing, 2016.