
Pedro Carvalho- Acadêmico do 5° semestre de Relações Internacionais da Unama.
O populismo é um fenômeno político que se manifesta em diversas sociedades e em diferentes espectros ideológicos. Caracterizado pela oposição entre “o povo” e “a elite”, o populismo muitas vezes desafia as instituições tradicionais e promove discursos polarizadores (Mudde & Rovira Kaltwasser, 2017). Nos Estados Unidos, Donald Trump é um dos principais representantes dessa retórica, utilizando discursos nacionalistas, protecionistas e confrontativos.
No Senado dos EUA, seu discurso reflete elementos típicos do populismo ao atacar adversários políticos, questionar a legitimidade das instituições democráticas e reforçar uma visão nacionalista da política externa. Esse estilo discursivo pode ser analisado sob a perspectiva da Teoria Realista das Relações Internacionais, que enfatiza a centralidade do poder e dos interesses nacionais na condução política. Portanto, pode-se explorar como o discurso de Trump no Senado incorpora elementos populistas e como essa retórica se relaciona com a visão realista da política global.
Um dos principais traços do populismo de Trump é a sua constante oposição à elite política e ao sistema democrático tradicional. Desde sua campanha presidencial em 2016, ele se apresenta como um outsider, alguém que luta contra um establishment corrupto e distante dos interesses do povo americano (Levitsky & Ziblatt, 2018). No Senado, essa retórica se intensifica, especialmente em momentos de tensão política, como seus processos de impeachment e votações controversas sobre políticas migratórias e econômicas. Durante os debates sobre seu primeiro impeachment em 2019, Trump e seus aliados no Senado descreveram o processo como uma “caça às bruxas” promovida por elites democratas e pela grande mídia (Germani, 1978). Esse discurso reforçou a polarização política e mobilizou sua base de apoiadores contra as instituições democráticas tradicionais.
Outro aspecto fundamental do populismo no discurso de Trump no Senado é o forte apelo ao nacionalismo e ao protecionismo econômico. Durante seu governo, ele defendeu políticas de isolamento econômico, como a imposição de tarifas sobre produtos chineses e a renegociação do NAFTA (North American Free Trade Agreement), substituído pelo Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA) (Mearsheimer, 2001). Em discursos no Senado, Trump frequentemente justificava essas políticas como uma forma de proteger os interesses dos trabalhadores americanos contra a globalização desenfreada e contra países que, segundo ele, exploravam os Estados Unidos. Esse tipo de discurso, além de reforçar a retórica populista, está alinhado com a visão realista de que os Estados devem agir de maneira pragmática para garantir sua segurança e supremacia econômica.
Trump também utilizou seu discurso no Senado para questionar a legitimidade do sistema eleitoral e das instituições democráticas. Após as eleições de 2020, ele insistiu na narrativa de que houve fraude eleitoral e tentou pressionar senadores republicanos a rejeitarem os resultados (Levitsky & Ziblatt, 2018). Esse comportamento representa uma ameaça à democracia, pois mina a confiança da população nas instituições e abre espaço para o enfraquecimento do Estado de Direito. O populismo frequentemente se manifesta dessa maneira, colocando o líder como único representante legítimo do povo e deslegitimando qualquer processo que vá contra seus interesses.
A Teoria Realista das Relações Internacionais, desenvolvida por autores como Hans Morgenthau (1948) e Kenneth Waltz (1979), argumenta que os Estados atuam com base em seus interesses nacionais e na busca pelo poder. Nesse contexto, o discurso de Trump no Senado pode ser interpretado como uma tentativa de consolidar sua liderança dentro dos Estados Unidos ao mesmo tempo em que reforça uma abordagem pragmática e nacionalista na política externa.
Para o realismo, a política internacional é um jogo de poder, no qual os Estados buscam maximizar sua segurança e influência. Trump, em seus discursos no Senado, reforça essa visão ao enfatizar a necessidade de fortalecer os EUA militar e economicamente. Ele frequentemente argumenta que os EUA foram explorados por aliados da OTAN, pela China e por organizações multilaterais, como a ONU e a OMS (Morgenthau, 1948). A ideia de que os EUA deveriam agir de forma unilateral para proteger seus interesses reflete a abordagem realista, que desconfia do multilateralismo e das instituições internacionais. Esse posicionamento ficou evidente quando Trump retirou os EUA do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas e da Parceria Transpacífica (TPP), alegando que esses compromissos prejudicavam a soberania americana (Waltz, 1979).
Embora o populismo e o realismo sejam conceitos distintos, há interseções entre eles no discurso de Trump. Ambos compartilham uma visão pragmática do poder, na qual a política é vista como uma disputa constante entre grupos opostos. No caso do populismo, essa disputa ocorre entre o povo e a elite; no realismo, entre Estados que buscam maximizar sua força no cenário global. O discurso de Trump no Senado incorpora ambos os elementos ao retratar os Estados Unidos como uma potência sob ameaça de forças internas (democratas, mídia, “deep state”) e externas (China, globalistas, imigração descontrolada). Essa dualidade fortalece sua narrativa e amplia seu apelo populista.
O discurso de Trump no Senado dos EUA é um exemplo claro da retórica populista aplicada dentro de uma instituição democrática. Seu apelo ao nacionalismo, sua oposição às elites e seu questionamento das instituições refletem características comuns do populismo contemporâneo. Ao mesmo tempo, sua visão de política externa e defesa da soberania americana se alinha à Teoria Realista das Relações Internacionais, que enfatiza o poder e os interesses nacionais como forças primordiais da política global. Esse fenômeno ilustra como o populismo pode ser instrumentalizado dentro de um contexto realista, reforçando discursos nacionalistas e minando a confiança nas instituições democráticas. Dessa forma, a análise do populismo de Trump sob a ótica do realismo contribui para uma compreensão mais ampla das dinâmicas políticas dos Estados Unidos e de seu impacto nas relações internacionais.
Referências:
GERMANI, G. Autoritarismo, fascismo e populismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
LEVITSKY, S.; ZIBLATT, D. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
MEARSHEIMER, J. A tragédia da política das grandes potências. Nova York: W.W. Norton, 2001.
MORGENTHAU, H. Política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. Nova York: Alfred A. Knopf, 1948.
MUDDE, C.; ROVIRA KALTWASSER, C. Populismo: uma brevíssima introdução. Oxford: Oxford University Press, 2017.
WALTZ, K. Teoria da política internacional. Nova York: McGraw-Hill, 1979.
