
Thais Vitória Borges – Internacionalista
Os estudos sobre a ordem do Sistema Internacional são bastante debatidos dentro da área das Relações Internacionais, seja na perspectiva realista, como através da Teoria da Estabilidade Hegemônica, no neoliberalismo, apontando para uma Interdependência Complexa, ou mesmo a Escola Inglesa, na qual o ordenamento do Sistema Internacional se constitui como objeto primário de suas pesquisas.
Hodiernamente compreende-se que, do ponto de vista do ordenamento desse sistema, por muito tempo as Relações Internacionais foram pensadas de e para uma ótica eurocêntrica e, posteriormente, para uma visão anglo-saxônica, gerando uma relação em que determinados agentes são percebidos como protagonistas e outros como emergentes; e que isto está no cerne do arcabouço teórico clássico de muitos campos de saberes, como das RI.
Todavia, como abordado por Michel Foucault (2008, p. 212), a partir do momento em que existe uma relação de poder, há também uma possibilidade de resistência. E isto pode ser examinado na mudança que ocorreu não apenas na disciplina das RI com o chamado debate “inter-paradigmático”, mas na área das Ciências Humanas como um todo, movimento este de expansão para novas perspectivas diante de ideias e pensamentos cristalizados até então, advindas das indagações construtivistas, pós-modernas e pós-coloniais.
Cabendo aqui o aprofundamento das contribuições pós-coloniais, trata-se de uma abordagem acadêmica que tem como objeto de estudo as consequências sociais, culturais, políticas e econômicas acarretadas pelas colonizações. Ademais, o desenvolvimento de estratégias normativas para descolonizar as historiografias dominantes (Wilkens, 2017, p. 1). Desde os anos de 1970, o pós-colonialismo desenvolveu uma diversidade de pensamentos e conceitos em detrimento da busca por abranger uma pluralidade de contextos, períodos históricos e regiões do globo; portanto, sua natureza não pode ser entendida como uma teoria única, pois do pós-colonialismo emergem diversas perspectivas (Ibid, 2017, p.1).
Do mesmo modo, o pan-africanismo se apresenta enquanto um fenômeno que, a depender do agente, apresenta diferentes significados. Donizeth dos Santos (apud Durão, 2018, p. 214) aponta que a reação pan-africana ocorreu de um movimento “histórico-racial-social” que buscava romper com as ideias raciais disseminadas pelo pensamento europeu. Além disso, muitos dos integrantes desse movimento que ascendia, possuíam propostas — que muitas vezes apresentavam divergências — de união de toda a raça negra contra os estigmas os quais estavam submetidos (ibid, 2018, p. 215). Nesse panorama, vale a compreensão dos pensamentos de Kwame Nkrumah acerca do tema.
Nascido em 1909, na vila de Nkroful, em Gana, Kwame, foi o primeiro presidente de seu país e se consolidou como um dos mais ativos defensores da liberdade e unificação da África contra o imperialismo ocidental, além de ser responsável por uma série de iniciativas com o objetivo de consolidar essa liberdade (Kah, 2016, p. 157). Seu pensamento foi desenvolvido durante os anos de estudos nos Estados Unidos. Segundo Asante (apud Kah, 2016, p. 215), sua visão, além de política, era também cultural, filosófica e, principalmente, afrocêntrica.
Uma de suas principais obras, Africa Must Unite (1963), Nkrumah disserta sobre sua perspectiva pan-africanista de unidade, esta que estava ancorada na ideia de uma identidade africana não-racial, no socialismo científico para o continente e no conceito de Personalidade Africana, que se associava à projeção internacional que o continente deveria ter. Nesta obra, o autor destaca a necessidade de uma verdadeira unidade africana, esta que só poderia ser alcançada por meio da formação de um núcleo sólido continental com instituições que representassem os povos e os Estados africanos, sendo também responsável pela promoção de uma política comum para a África (Nyamien, 2024, p. 53).
Kwame acreditava que a potencialidade da África só seria alcançada por meio da valorização de seus aspectos culturais e da história africana (Lopes, 2019, p. 110). Para ele, o continente deveria aprender com suas sociedades pré-coloniais e não sacrificar esses valores em prol do progresso material (Frimpong apud Kah, 2016, p. 157).
É importante destacar, também, a contribuição de Kwame Nkrumah não apenas na luta pela independência de Gana, mas também na promoção da unificação das sociedades africanas. Seus ideais reverberaram para uma maior cooperação dentro do continente, sendo ele um dos principais responsáveis pelo surgimento da Organização da Unidade Africana, em 1963, o primeiro marco de cooperação em nível continental (Nyamien, 2024, p. 12). Assim, Kwame Nkrumah representa uma das figuras centrais na busca pela descolonização do continente africano e pela integração entre seus povos e nações, tendo destacado a necessidade de superar as barreiras impostas ao alcance da liberdade que ele defendia para o território.
Referências
BLAY, J. Benibengor. Nkrumah–O Pan-Africano. Traduzido por José Luiz Pereira da Costa. Acra, 1973.
DURÃO, Gustavo de Andrade. Intelectuais africanos e pan-africanismo: uma narrativa póscolonial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 10, n. 25, p. 212 – 242, jul./set. 2018.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 4. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2008.
KAH, Henry Kam. Kwame Nkrumah e a visão Pan-Africana: entre a aceitação e a rejeição. Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais Brazilian Journal of Strategy & International Relations, v. 150, 2016.
LOPES, Victor De Carli et al. As vozes que recriaram as Áfricas: a intelectualidade de Kwame Nkrumah. 2019.
NYAMIEN, Emmanuel Stessyamoa Rodrigues da Guia. “Africa Must Unite”: a formação do regionalismo africano a partir do movimento Pan-africanista e seus idealizadores. 2024.
NKRUMAH, Kwame. Africa must unite. London: Panaf Books, 1963.
