
Alciane Carvalho Dias, acadêmica do 7º semestre de Relações Internacionais
O impacto da cultura popular na política internacional tem sido cada vez mais reconhecido, especialmente no contexto da globalização. O grupo sul-coreano Girls’ Generation (SNSD), formado em 2007 pela SM Entertainment, consolidou-se como um dos maiores expoentes do K-pop, desempenhando um papel significativo na forma como a Coreia do Sul projetou sua imagem globalmente (LEE, 2019). Com uma carreira marcada por sucessos como Gee (2009), Genie (2009) e I Got a Boy (2013), o grupo se destacou pela sua influência na expansão do K-pop para mercados internacionais, especialmente no Japão, onde se tornou um dos grupos femininos mais vendidos da história (MORI, 2018).
O Girls’ Generation também quebrou barreiras na cultura pop global. Em 2013, tornou-se o primeiro grupo de K-pop a vencer o prêmio de “Vídeo do Ano” no YouTube Music Awards com I Got a Boy, superando artistas ocidentais como Justin Bieber e Lady Gaga (BILLBOARD, 2013). O grupo também recebeu prêmios importantes na Coreia do Sul, como o Daesang (maior prêmio da indústria musical coreana) no Golden Disc Awards e no Seoul Music Awards (KIM, 2020). Seu impacto cultural foi reconhecido pela Billboard, que elegeu Gee como a melhor música de K-pop da década de 2000, e pela revista Time, que destacou o grupo como um dos principais representantes da Hallyu (KIM, 2020).
A trajetória do Girls’ Generation se entrelaça com fenômenos como os fluxos culturais transnacionais, conforme teorizado por Arjun Appadurai (1996), e a construção de imaginários nacionais e identitários, como discutido por Benedict Anderson (1983). Além disso, o uso da canção Into the New World (2007) em protestos na Coreia do Sul exemplifica como a música pode ser ressignificada dentro de contextos políticos, demonstrando a intersecção entre cultura pop e relações internacionais (LEE, 2019).
Arjun Appadurai, em sua teoria dos “espaços de fluxo” (scapes), argumenta que a globalização não deve ser vista como um fenômeno homogêneo, mas sim como uma série de fluxos culturais, midiáticos e ideológicos que atravessam fronteiras (APPADURAI, 1996). A ascensão do Girls’ Generation ilustra como a Coreia do Sul utilizou a indústria do entretenimento para impulsionar sua influência global, promovendo o K-pop como um dos principais produtos da chamada onda coreana (Hallyu). Canções como Gee (2009) e The Boys (2011) foram marcos na difusão do K-pop para o Ocidente, especialmente quando o grupo lançou versões em inglês e japonês, alcançando mercados além da Ásia (LEE, 2019). Esse processo reflete o que Appadurai chama de mediascapes, em que a mídia se torna um canal para a circulação de imagens e narrativas culturais que transcendem fronteiras.
A difusão do K-pop e, especificamente, da discografia do Girls’ Generation, também pode ser analisada sob a perspectiva de Benedict Anderson e sua teoria da globalização e dos imaginários nacionais. Anderson (1983) argumenta que as nações são comunidades imaginadas, cuja coesão é reforçada por narrativas compartilhadas, muitas vezes impulsionadas pela mídia. O Girls’ Generation, como um dos primeiros grupos femininos do K-pop a atingir popularidade internacional, ajudou a construir uma identidade global para a Coreia do Sul. O governo sul-coreano reconheceu esse potencial e passou a integrar o K-pop em sua diplomacia cultural, utilizando a música como um meio de soft power (NYE, 2004). A presença do grupo em eventos internacionais, como a apresentação de Lion Heart (2015) e Holiday (2017) em premiações estrangeiras, exemplifica essa estratégia.
Além do impacto cultural e econômico, a música do Girls’ Generation também foi ressignificada politicamente. A canção de estreia do grupo, Into the New World (2007), tornou-se um hino de resistência e foi amplamente utilizada em protestos na Coreia do Sul. Em 2016, durante a crise política que levou ao impeachment da ex-presidente Park Geun-hye, manifestantes entoaram a música como símbolo de esperança e renovação política (KIM, 2017). O uso dessa canção em um contexto de mobilização social demonstra como a música pop pode transcender seu significado original e se tornar um instrumento de engajamento político, reforçando a interconexão entre cultura e relações internacionais.
Dessa forma, a trajetória do Girls’ Generation não apenas redefiniu os padrões da música pop asiática no cenário global, mas também se tornou um elemento central na estratégia de soft power da Coreia do Sul. A análise sob as lentes de Appadurai e Anderson evidencia como o grupo influenciou fluxos culturais transnacionais e ajudou a moldar o imaginário global sobre a Coreia do Sul. A ressignificação política de suas músicas, especialmente Into the New World, reforça o papel da cultura pop como um vetor de transformação social e diplomática, demonstrando que o entretenimento e as relações internacionais estão profundamente interligados.
Referências
ANDERSON, Benedict. Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism. London: Verso, 1983.
APPADURAI, Arjun. Modernity at Large: Cultural Dimensions of Globalization. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996.
BILLBOARD. Girls’ Generation Wins Video of the Year at YouTube Music Awards. 2013. Disponível em: https://www.billboard.com/articles/news/5785701/girls-generation-wins-video-of-the-year-at-youtube-music-awards. Acesso em: 17 mar. 2025.
KIM, Jihoon. Hallyu and the Globalization of K-pop: The Role of Girls’ Generation. Seoul: K-Pop Studies Press, 2020.
KIM, Youna. South Korean Popular Culture and the Korean Wave. London: Palgrave Macmillan, 2017.
LEE, Soo-jin. Cultural Diplomacy through K-pop: The Impact of Girls’ Generation. Journal of Korean Popular Culture, 2019.
LEE, Soo-jin. K-pop and Cultural Diplomacy: South Korea’s Soft Power Strategy. International Journal of Cultural Studies, 2019.
MORI, Akiko. K-pop in Japan: The Success of Girls’ Generation. Tokyo: J-Pop Studies, 2018.
NYE, Joseph. Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York: PublicAffairs, 2004.
