Marcelo Andrade de Freitas – acadêmico do 5º semestre de Relações Internacionais da UNAMA.

Historicamente tratada como uma responsabilidade doméstica ou municipal, a reciclagem passou a integrar debates mais amplos sobre meio ambiente, comércio internacional e justiça social. Com o avanço da globalização, essa prática também passou a se inserir em cadeias transnacionais de valor, sendo influenciada por fluxos globais de resíduos, desigualdades estruturais entre o Norte e o Sul globais e normas internacionais de regulação ambiental. Nesse contexto, observa-se que o crescimento da economia mundial tem provocado um aumento exponencial na geração de resíduos sólidos. 

Como consequência, países desenvolvidos passaram a exportar parte significativa de seus resíduos recicláveis para países em desenvolvimento, consolidando um padrão assimétrico que muitos ativistas denominam “colonialismo do lixo” (SILVA, 2021). Tais práticas têm sido denunciadas por organizações não governamentais (ONGs) e veículos de mídia independente, o que resultou em crescente pressão internacional pela criação de mecanismos regulatórios, como a Convenção da Basileia, de 1989, voltada ao controle do transporte de resíduos perigosos entre fronteiras nacionais (UNITED NATIONS, 1989). 

Dessa forma, evidencia-se que a reciclagem não deve ser compreendida apenas como uma solução técnica para a gestão de resíduos, mas como um campo de disputa política e normativa no cenário internacional (GREENPEACE, 2021). ONGs como Greenpeace, Basel Action Network e Global Alliance for Incinerator Alternatives exercem papel central na fiscalização de práticas ambientais, produção de dados e denúncia de abusos. Essas ações se alinham à perspectiva institucionalista de que normas e regimes internacionais se tornam mais eficazes quando há pressão pública, vigilância e participação de múltiplos atores sociais. 

Nesse sentido, Keohane (1984) importante teórico Neoliberal das Relações Internacionais, argumenta que, mesmo em um sistema internacional caracterizado pela anarquia, os Estados são capazes de cooperar por meio de instituições internacionais que reduzem incertezas, promovem a transparência e estabelecem expectativas comuns. Tais instituições incluem tratados, convenções e regimes internacionais que, ao serem pressionados e monitorados por atores não estatais, adquirem maior legitimidade e efetividade. Paralelamente, o conceito de sociedade civil global torna-se fundamental para compreender a mobilização em torno da agenda ambiental. 

Trata-se de um conjunto de atores transnacionais que, embora não detenham poder coercitivo, atuam com base em normas, valores e opinião pública para influenciar decisões e agendas globais. Segundo Scholte (2002), tais atores funcionam como mediadores entre os cidadãos e as instituições globais, fortalecendo canais democráticos de participação. No campo específico da reciclagem, movimentos como “Break Free from Plastic”, campanhas contra o uso excessivo de embalagens e iniciativas voltadas à economia circular constituem exemplos concretos da atuação da sociedade civil global. 

Essas iniciativas moldam comportamentos, influenciam políticas públicas e contribuem para a construção de padrões éticos globais. Além disso, operam em rede, utilizando tecnologias digitais para conectar ativistas, pesquisadores e consumidores ao redor do mundo (BREAK FREE FROM PLASTIC, 2022) — dinâmica que reforça a ideia de interdependência complexa formulada por Keohane (1984), que descreve um mundo onde os países estão ligados por múltiplas formas de interação — como comércio, meio ambiente e política — e onde os problemas globais não podem ser resolvidos apenas pelo uso da força, mas exigem cooperação entre diversos atores. Entretanto, embora sua atuação seja crescente, a sociedade civil global enfrenta diversos desafios estruturais. 

Muitos de seus coletivos dependem de financiamento externo, estão sujeitos à repressão por parte de regimes autoritários e se tornam alvos de campanhas de desinformação. Soma-se a isso o fenômeno do greenwashing, isto é, a estratégia de empresas e governos que tentam passar uma imagem de responsabilidade ambiental sem adotar, de fato, práticas sustentáveis — muitas vezes por meio de marketing enganoso —, o que dificulta a identificação de ações realmente comprometidas com o meio ambiente e enfraquece a confiança pública nessas iniciativas. Apesar dessas adversidades, a persistência e a criatividade dos atores da sociedade civil global evidenciam sua relevância na governança ambiental contemporânea. 

Como propõe Keohane (1984), os regimes internacionais se tornam mais robustos quando são pautados pela transparência, pela confiança e pela responsabilização — elementos que esses atores transnacionais contribuem para fomentar. Assim, a reciclagem, enquanto prática ambiental, transcende seu caráter técnico e se consolida como um símbolo de engajamento coletivo, justiça ambiental e cooperação transnacional. Dessa maneira, reafirma-se a reciclagem como expressão de consciência ambiental, tanto no plano local quanto no cenário global. 

 
Referências  

BREAK FREE FROM PLASTIC. Global Brand Audit Report. 2022. Disponível em: https://www.breakfreefromplastic.org/. Acesso em: 06 abr. 2025. 

GREENPEACE. Plastic Waste Trade. 2021. Disponível em: https://www.greenpeace.org/. Acesso em: 06 abr. 2025. 

KEOHANE, Robert O. After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy. Princeton: Princeton University Press, 1984. 

SCHOLTE, Jan Aart. Global Civil Society and Global Democracy. Working Paper No. 31, Centre for the Study of Globalisation and Regionalisation, University of Warwick, 2002. 

SILVA, Mariana Moraes. Infraestruturas residuais: colonialismos na gestão de resíduos e a política catadora. Estudos Avançados, São Paulo, v. 35, n. 101, p. 129-149, jan./abr. 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ea/a/ZtpsvKkcX7mJnmJs7WkVspP/. Acesso em: 10 abr. 2025. 

UNITED NATIONS. Basel Convention on the Control of Transboundary Movements of Hazardous Wastes and Their Disposal. 1989. Disponível em: https://www.basel.int/. Acesso em: 06 abr. 2025.