Thais Vitória Borges – Internacionalista

Criada pós-segunda Guerra Mundial pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL)  se constitui enquanto uma das cinco comissões econômicas regionais da ONU (Da Silva Gonçalves, 2015, p. 115). Sua formulação se justificou pela necessidade de monitorar as políticas voltadas para a promoção do desenvolvimento econômico da região latino-americana, além de contribuir para reforçar as relações econômicas dos países da área, tanto entre si quanto para outras nações do globo (ibid, 2015, p. 115-116).

Da Silva Gonçalves (2015, p. 116) afirma que o surgimento da CEPAL contrariou a ideia cristalizada de que a periferia não teria como pensar acerca de sua própria realidade, e menos ainda desenvolver políticas alternativas para sanar seus desafios. Nesse sentido a CEPAL se construiu enquanto uma escola de pensamento voltada para a análise das tendências econômicas e sociais dos países latino-americanos e caribenho, com teorias que reverberam nas economias, vida social e política desses países. 

Como apontado por Schumpeter (1954, apud CEPAL, 2000, p 16), acerca dos “sistemas de economia política”, estes são interpretados enquanto um amplo conjunto de políticas econômicas sustentadas por princípios unificadores (normativos), como por exemplo, os princípios do liberalismo econômico ou do socialismo. Tendo isso em vista, a contribuição cepalina pertence a esta categoria, possuindo como princípio normativo a necessidade da contribuição do Estado para o ordenamento do desenvolvimento econômico nas condições da periferia latino-americana, em resumo, se trata do paradigma desenvolvimentista latino-americano (ibid, 2000, p. 16). 

Dentre a extensa contribuição intelectual da CEPAL, se destacam os trabalhos de Celso Furtado. Brasileiro, nascido em 1920, na cidade de Pombal, na Paraíba, o pensador teve uma formação multidisciplinar, atravessando áreas de conhecimento como direito, economia e administração. Furtado é estabelecido enquanto um dos grandes nomes da economia mundial, e teve como objeto de estudo, de forma pioneira, os desafios do desenvolvimento econômico e sua relação com questões históricas (Academia Brasileira de Letras, s.d).

Cabendo aqui o enfoque em suas ideias acerca do subdesenvolvimento na América Latina, a obra “Desenvolvimento e Subdesenvolvimento” (2009), é produto de uma produção intelectual de quase dez anos do autor, e reúne uma série de trabalhos voltados a discutir a questão do desenvolvimento, é neste trabalho que Furtado firma as bases de sua teoria do subdesenvolvimento econômico (ibid, 2009).

Nesta obra, Celso afirma que o subdesenvolvimento se trata de um processo histórico autônomo, e não uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento (ibid, 2009). Portanto, o autor defende que o subdesenvolvimento deve ser percebido enquanto um dos resultados da evolução da economia mundial moderna, estimulada pelo fenômeno da Revolução Industrial, ocorrido na Europa no século XVIII (Pereira, 2005, p. 3).

Assim, o subdesenvolvimento, como explica Furtado (2009), é uma trajetória histórica específica que precisa ser diferenciada do modelo de desenvolvimento que foi construído com base nas experiências dos países da europa – modelo este que fora aceito até então enquanto parâmetro de medida e, portanto padrão, para se pensar em uma trajetória progressista de desenvolvimento para os demais países do globo, sem considerar as especificidades históricas, econômicas e culturais destes.   

O advento da Revolução Industrial, como defende o autor, condicionou o desenvolvimento econômico mundial em três caminhos distintos: sendo a primeira via, aquela que corresponde ao desenvolvimento industrial ocorrido nos países da Europa Ocidental; a segunda via resultando em uma formação de núcleos industriais em países que apresentavam semelhanças com os países europeus – como a Austrália, Canadá e Estados Unidos; e a última, aquela que provocou a formação de estruturas econômicas dependentes; é nesta última via que se insere os países de economias subdesenvolvidas – como os da América Latina e Caribe (Pereira, 2005, p. 4). 

Para Furtado, esta última via é caracterizada por uma deformação estrutural, marcada pelo dualismo “atrasado-moderno”, isto é, uma realidade onde nesses países imperam sistemas econômicos seculares de uma natureza “pré-capitalista” ao mesmo tempo em que estes se inserem em um sistema de expansão capitalista.  Resultando assim, em uma crescente de desequilíbrios sociais, políticos e econômicos, o que o autor vai afirmar se tratar do “fenômeno do subdesenvolvimento contemporâneo” (ibid, 2005, p. 4).

Mas não apenas, Furtado discorre que é possível superar o estado de subdesenvolvimento, sob a prerrogativa de que os países que estão nessa condição, não estão fadados à situação de dependência e ao atraso, e que devido a natureza de formação histórica que se constitui o subdesenvolvimento, este é passível de superação. Entretanto, esta decorrerá diretamente de uma industrialização e fortalecimento do mercado interno destes países. Sendo o objetivo principal de que esses países periféricos tenham uma indústria capaz de se autogerar, ao ponto de ser possível substituir o programa sistemático de industrialização (ibid, 2005, p.4), aos moldes europeus. 

Em resumo, para Celso, o caminho para superar esse subdesenvolvimento é por meio da industrialização, com necessidade de mudanças nas estruturas sociais, políticas, e econômicas desses países para que isto ocorra. Nesse ínterim, é possível, por meio dos trabalhos do autor, analisar e se aprofundar sobre os vários fragmentos do fenômeno do desenvolvimento e por conseguinte do subdesenvolvimento. Partindo de suas conceituações, a análise de economias e vias para superações. Nesse sentido, apesar de possuir obras desenvolvidas a décadas, estas são essenciais para o entendimento da situação econômica sobre a qual se situa a América Latina e o Caribe hodiernamente.

Referências 

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Biografia: Celso Furtado. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/celso-furtado/biografia. 

BORJA, Bruno. A formação da teoria do subdesenvolvimento de Celso Furtado. Rio de Janeiro, UFRJ, 2013.

CEPAL, N. U. Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL. 2000.

DA SILVA GONÇALVES, Renata. A CEPAL dos anos 50 e sua influência no pensamento político brasileiro. Pensamento Plural, n. 15, p. 115-131, 2015.

FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. 4. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009.

PEREIRA, Cláudia Gonçalves. Celso Furtado e a Teoria do Subdesenvolvimento. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 12., 2005, Belo Horizonte. Anais […]. Belo Horizonte: Sociedade Brasileira de Sociologia, 2005. Grupo de Trabalho 13: Pensamento Social no Brasil.