Keity Oliveira (Internacionalista formada pela UNAMA)

Lara Lima (acadêmica do 8º semestre de RI da UNAMA)

A cidade de Belém do Pará está prestes a receber a COP30, um evento global que reunirá líderes mundiais para discutir as mudanças climáticas e a proteção do meio ambiente. Nesse contexto, a construção da Avenida Liberdade, um projeto de infraestrutura urbana em Belém, vem ganhando destaque no contexto das discussões sobre sustentabilidade e justiça social por conta dos seus impactos socioambientais, que caminham na direção oposta aos preceitos de Floresta em Pé, defendidos pelo governo do Estado.

Em primeiro olhar, Chauí (2004) afirma que a colonialidade – vontade de saber e de poder onde se reconstrói a imagem e semelhança daqueles que são violentos – é um dos elementos centrais de construção da identidade nacional brasileira que já é, em si, uma expressão prática das marcas coloniais cujos os parâmetros se definem no contraste com o colonizador, sendo moldada pela sua referência.

Entretanto, a identidade nacional também escolhe, dentro do território nacional, aqueles que mais se assemelham aos parâmetros eurocêntricos que as definem, e, assim, ignora espaços que não apareçam nesse espelho que é o olhar nacional, conforme Malheiro (2020).

É a partir desses termos que o conceito de colonialismo interno se forma, noção definida por Pablo Gonzáles Casanova, como “uma estrutura de relações sociais de dominação e exploração entre grupos culturais heterogêneos e distintos” (GONZÁLEZ CASANOVA, 2015, p. 146, tradução nossa).

Ademais, o autor atribui a genealogia do conceito do autor com Lênin, Gramsci, Mariátegui e Frantz Fanon, em uma leitura mais ampla, utilizando-se também das interpretações de Antônio Gramsci (2002) sobre as relações desiguais, violentas ou “sanguessugas”, nos termos do autor, entre as regiões norte e sul da Itália.

Nessa perspectiva, Malheiro (2020) discorre que a dinâmica de violação étnica na estruturação de uma nação se combina com relações desiguais entre regiões, o que permite a construção de um sistema de domínio territorial e étnico, aumentando estratégias de conquista e controle, simultaneamente com o empreendimento de políticas de tutela e extermínio de povos.

Características como raça e os processos de classificação social se tornam, assim, elementos estruturais de produção de hierarquias para justificar dominações (Malheiro, 2020), motivo pela qual a dinâmica do colonialismo interno também é, também, da colonialidade do poder.

Em segundo olhar, o modo de sobrevivência e organização social das comunidades tradicionais estão diretamente ligados com a conservação da biodiversidade amazônida, isso porque elas dependem dos recursos naturais para a sua sobrevivência, uma necessidade que vai muito além de apenas uma produção de subsistência.

Em face disso, o território é fundamental para a sobrevivência das comunidades, sendo um alvo constante de ameaças pelas forças do capitalismo e seus projetos de desenvolvimento que buscam explorá-lo de maneira predatória.

Desde os primeiros anos da colonização até a Lei de Terras (séculos XV-XIX) ocorre uma destruição radical das populações originárias, bem como a dispersão e diversas formas de migrações compulsórias (Silva, 2018), resultado da expulsão de seus territórios.

Nesse sentido, a Lei de Terras exerceu a função de institucionalizar diferentes formas de expropriações e aqueles que resistiram e adentraram os sertões e outras regiões de difícil acesso no país, durante o século XX, continuam ameaçados com os avanços de forma de exploração capitalista no campo.

Com o avanço do capitalismo no campo, a terra cumpre a função de mercadoria, sendo usada em grandes projetos, tais como hidrovias, estradas, pontes, dentre outros já realizados, com o intuito de angariar o desenvolvimento no território, entretanto, acabam por estimular o desmatamento, o aumento das ameaças às áreas indígenas e de conservação, além de trazerem uma série de consequências para o bioma amazônico.

Em junho de 2024, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB) assinou a ordem de serviço da construção da Avenida Liberdade, a PA-020 (Carneiro, 2024), autorizando a obra coordenada pela Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Seinfra).

O empreendimento teve ainda licença ambiental expedida pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e foi pensado como uma via alternativa à rodovia BR-316 e à avenida Almirante Barroso, facilitando transporte de cargas com origem no sul do Pará e na região do Baixo Tocantins. Entretanto, são argumentos que não justificam o impacto ambiental, sendo utilizados no discurso de Estado como subterfúgios, a serviço do empresariado oligárquico do Pará.

O projeto, intitulado de “Eco Rodovia Liberdade” prevê a construção de uma rodovia expressa de mão dupla, com duas faixas e acostamento nos dois sentidos, totalizando 14,5km de extensão, com trecho inicial na Avenida Perimetral, indo a Rodovia da Alça Viária, no município de Marituba, conforme Carneiro (2024).

Com a proposta de rasgar ao meio a Área de Proteção Ambiental Metropolitana de Belém, criada por Decreto Estadual em 1993, para proteção dos mananciais Água Preta e Bolonha que abastecem a cidade e o Parque do Utinga, importante ponto turístico de conservação de espécies animais e vegetais.

A Rodovia Liberdade, conforme noticiado por Tupinambá (2023), ameaça as comunidades tradicionais que vivem no ambiente fluvial banhado pelos afluentes da margem direita do Rio Guamá, como o Quilombo do Abacatal, assim como os furos e igarapés Catu, Aurá, Aurá-mirim, Assacuaçu, Uriboca e Uriboquinha, responsáveis pela formação da bacia do Murucutu e dos mananciais Água Preta e Bolonha.

O projeto também passará por uma região nativa, conhecida como antigo Engenho Murucutu, originalmente ocupado pela comunidade indígena Tupinambá no contexto do Levante de 1617 (Tupinambá, 2023). Localizado à margem direita do rio Guamá, guarda em si santuários à fauna e flora, sítios arqueológicos desconhecidos, além dos mananciais de água doce que abastecem a cidade.

Durante a COP28, em Dubai, Helder Barbalho defendeu a “Floresta em Pé” como prioridade nas discussões climáticas. Em sua participação no painel “Transição econômica para a Amazônia”, realizado no encontro do Consórcio dos Governadores da Amazônia Legal, Helder afirmou que:

“A COP tem o objetivo de deixar um legado de infraestrutura para Belém e para a região metropolitana, mas, além disso, também tem um legado que é o mais importante de todos: o ambiental, que não será apenas para o Estado do Pará, mas para toda a Amazônia. Toda a agenda que temos, tem também a obrigação de inserir o legado floresta” (TUPINAMBÁ, 2023).

A fala do governador, no entanto, se distancia da realidade de seu governo, no qual planeja construir um outro legado florestal, sob o alicerce da destruição, do desmatamento e da violação de direitos socioambientais.

Projetos econômicos como a Hidrovia Tapajós Teles Pires, Derrocada do Pedral do Lourenço, Ferrovia Ferrogrão, Ferrovia Norte Sul, Refinaria North Star, Refinaria Belo Sun e até a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas são a representação do legado ambiental construído pela oligarquia agrária nacional, reforçando a ideia de um colonialismo interno na região.

A construção da Rodovia Liberdade, às vésperas da COP30 em Belém, evidencia as contradições entre os discursos ambientais das autoridades e as práticas que, na realidade, impulsionam o desmatamento e a violação de direitos socioambientais. Sob o pretexto de promover desenvolvimento e infraestrutura, o projeto avança sobre territórios tradicionais e áreas de preservação, perpetuando uma lógica de colonialismo interno que, como destacam Chauí (2004) e González Casanova (2015), ainda estrutura as relações de poder e dominação no Brasil.

Um verdadeiro legado ambiental só será possível mediante a promoção da justiça social, o reconhecimento dos territórios tradicionais e o enfrentamento das estruturas coloniais que continuam a moldar a relação do Estado com a Amazônia e seus povos.

Diante do tema exposto, recomenda-se a leitura da reportagem “A Transamazônica” (2020), publicada pelo InfoAmazonia, que aborda os impactos da BR-230, a Rodovia Transamazônica. A matéria revela que cerca de 46 quilômetros da estrada foram abertos a poucos metros das aldeias localizadas na Terra Indígena Tenharim/Marmelos, além de outros quase cinco quilômetros que atravessam a Terra Indígena Diahui. Os impactos dessa intervenção são profundos, afetando diretamente os modos de vida tradicionais, a integridade ambiental e os direitos territoriais dos povos indígenas da região. A reportagem está disponível no link a seguir:

<https://youtu.be/8Io0WfKo0Qo>

Recomendamos também o minidocumentário “Progresso para quem?” (2024), dirigido por Alexandre Marcati, Dani Violin, Débora Pistore, Geandre Tomazoni e Marcela Návia. A obra retrata os impactos ambientais da BR-163, com ênfase nas consequências devastadoras para a fauna silvestre. A abertura da rodovia, aliada à conversão das florestas nativas em pastagens, fragmentou os habitats naturais, transformando-os em pequenas ilhas isoladas. Essa degradação compromete diretamente a sobrevivência de diversas espécies e rompe os delicados equilíbrios ecológicos da região. O vídeo está disponível para ser assistido no Youtube, através do link a seguir: <https://youtu.be/gBvvn_DwGDA.>

Por fim, recomendamos o Instituto Socioambiental (ISA), uma importante organização brasileira sem fins lucrativos que atua na defesa dos direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. O ISA trabalha na proteção ambiental, realiza estudos e mapeamento, e propõe práticas sustentáveis. A instituição também monitora os impactos de rodovias em Terras Indígenas e Unidades de Conservação, além de buscar influenciar o debate público e alertar a sociedade. Seu foco é promover a união entre justiça social, sustentabilidade e respeito aos direitos coletivos.

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REFERÊNCIAS

CARNEIRO, Taymã. Avenida Liberdade: o que se sabe sobre via dentro de área ambiental que passará a 1 km de território quilombola no Pará. G1 Pará. Publicado em: 17 de junho de 2024. Disponível em: < https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2024/06/17/avenida-liberdade-o-que-se-sabe-sobre-via-dentro-de-area-ambiental-que-passara-a-1-km-de-territorio-quilombola-no-para.ghtml > Acesso em: 14 de abril de 2025.

CHAUÍ, M. Brasil.  Mito fundador e sociedade autoritária. 1. ed. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2004.103p.

GONZÁLEZ CASANOVA, P. De la sociologia del poder a la sociología de la explotación: pensar América Latina en el siglo XXI. 21. ed. Buenos Aires: CLACSO, 2015.464p.

GRAMSCI, A. Os cadernos do cárcere. Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política–volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. 432p.

MALHEIRO, Bruno Cezar. Colonialismo interno e estado de exceção: a “emergência” da Amazônia dos grandes projetos. Caderno de Geografia, v. 30, n. 60, p. 74-98, 2020. Disponível em: < https://periodicos.pucminas.br/geografia/article/view/20906 > Acesso em: 14 de abril de 2025.

SILVA, Elizângela Cardoso de Araújo. Povos indígenas e o direito à terra na realidade brasileira. Serviço Social & Sociedade, p. 480-500, 2018. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/sssoc/a/rX5FhPH8hjdLS5P3536xgxf/ > Acesso em: 14 de abril de 2025.

TUPINAMBÁ, Angelo Madson. Avenida Liberdade: uma rodovia na contramão do planeta. Brasil de Fato. Publicado em: 07 de dezembro de 2023. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2023/12/07/avenida-liberdade-uma-rodovia-na-contramao-do-planeta/ > Acesso em: 15 de abril de 2025.