
Caio Farias – 5 semestre
Lara Victoria – 8 semestre
Marcelo Alves – 5 semestre
No século XXI, as guerras tarifárias emergiram como instrumentos centrais de disputa entre grandes potências, refletindo o crescimento do protecionismo e a revisão de acordos comerciais. Um marco importante foi a imposição, pelos Estados Unidos, de tarifas sobre aço e alumínio do Canadá e México em 2018, sob a justificativa de segurança nacional. Pouco depois, os EUA ampliaram essa ofensiva com o “tarifaço”, que afetou produtos de diversos países e gerou uma onda de retaliações que desestabilizou o comércio global (Sarti, 2018).
O principal alvo desse confronto foi a China, com quem os EUA travaram uma intensa guerra tarifária que reformulou rotas comerciais e evidenciou a fragilidade das cadeias produtivas globais. Essa rivalidade, no entanto, foi além da economia, causando rearranjos geopolíticos significativos, como a aproximação entre China, Japão e Coreia do Sul, uma aliança impensável há algumas décadas (The Guardian, 2019). Assim, analisar os impactos dessa guerra tarifária é essencial para entender os rumos da economia global, em um mundo cada vez mais interdependente e competitivo.
Especialistas em política e economia têm previsto há décadas que a China poderá superar os Estados Unidos. Essas especulações se intensificaram após a crise financeira de 2008, que afetou significativamente as economias desenvolvidas, como a dos EUA, enquanto os países em desenvolvimento, especialmente a China, sofreram menos e se recuperaram mais rapidamente, mantendo crescimento positivo.
O crescimento econômico acelerado da China nos últimos 40 anos, transformou Pequim num dos principais polos da economia mundial, sobretudo após assumir o posto de segunda maior economia global. Este avanço rápido colocou o país em destaque nas dinâmicas internacionais e consolidou o seu papel como ator central no cenário econômico global.
O professor de Relações Internacionais, Carlos Gustavo Poggio, afirma que o atual cenário revela uma crescente disputa entre potências globais, que ultrapassa o campo econômico e atinge a geopolítica. Para ele, o surgimento de uma nova potência desafia diretamente as já consolidadas, trazendo à tona uma questão clássica das Relações Internacionais: como acomodar uma potência emergente em um sistema internacional já estruturado com potências estabelecidas? (Trevisan, 2019).
Segundo Robert Gilpin (1981), as relações entre Estados são, por natureza, competitivas e conflituosas devido à anarquia do sistema internacional. Assim, a ascensão e queda de potências hegemônicas é inevitável e muitas vezes acompanhada por guerras. Nesse cenário, ocorre a “guerra hegemônica”, em que a potência dominante busca neutralizar seu rival não apenas militarmente, mas também no campo político e ideológico, visando preservar a ordem vigente.
Adam Smith, considerado o pai da economia moderna, abordará sobre o campo econômico em sua obra “A Riqueza das Nações”, (1776), defendendo que, na ausência de intervenção estatal, o mercado poderia exercer seu papel de regulador das decisões econômicas por meio da chamada “mão invisível”. Para ele, a livre concorrência e a livre iniciativa, princípios do “laissez faire”, iriam conduzir de maneira natural o crescimento econômico e a prosperidade coletiva.
Os avanços rápidos da China têm aumentado as tensões com os EUA, que veem sua hegemonia ameaçada. Para conter a ascensão chinesa e manter a liderança global, Washington tem adotado medidas como sanções comerciais e aumento de tarifas de importação. Como estratégia de consolidação de sua presença global, a China vem fortalecendo sua atuação por meio de mecanismos multilaterais e iniciativas econômicas.
Nesse sentido, destaca-se, entre essas ações, a Parceria Econômica Abrangente Regional (RCEP), a promoção da Área de Livre Comércio da Ásia-Pacífico, a Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative), a ampliação do BRICS para o formato BRICS+, além da criação de instituições financeiras como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) (Reis, 2020).
Em 2017, a presidência de Trump foi marcada por uma retórica anti-China, apontando o país como principal adversário dos EUA. Segundo Reais (2020), Trump culpou a China pela perda de empregos e por práticas comerciais desleais, como a exigência de transferência de tecnologia e subsídios a indústrias locais, o que gerou apoio de setores empresariais americanos a medidas mais rígidas.
Desde que Xi Jinping assumiu a presidência em 2012, a China tem promovido uma reorientação em seu modelo econômico, buscando a transição de uma economia industrial voltada à exportação para uma estrutura mais centrada em serviços e no consumo interno. Essa mudança estratégica está prevista no 13º Plano Quinquenal e no plano “Made in China 2025”, cujo objetivo é reduzir a dependência externa em setores-chave, como o energético e o tecnológico, fortalecendo, assim, a autonomia e a competitividade da economia chinesa (Reis, 2020).
Em 2018, Donald Trump adotou medidas protecionistas, que deram início à chamada Guerra Comercial entre EUA e China. Entre as ações, destacou-se a imposição de tarifas de 25% sobre diversos produtos chineses, alegando combater o déficit comercial e o roubo de propriedade intelectual. Desde então, o conflito tem sido marcado por tensões crescentes e retaliações mútuas.
Recentemente, Trump anunciou um ambicioso plano de tarifas em massa que abalou a ordem econômica global. Em 2 de abril de 2025, o ex-presidente divulgou novas tabelas tarifárias que variam entre 10% e 50%, atingindo mais de 180 países, com foco especial na intensificação da guerra comercial com a China.
A China foi fortemente impactada com a imposição de uma tarifa adicional de 34%, somando-se aos 20% já vigentes sobre seus produtos. Em resposta, o governo chinês aplicou uma sobretaxa de 34% sobre as importações dos Estados Unidos (G1, 2025). Como contrapartida, Washington estabeleceu o prazo de 8 de abril para que Pequim revogasse suas medidas, sob ameaça de novas majorações. Diante da ausência de recuo chinês, a Casa Branca confirmou o aumento das tarifas para um total de 104%.
A escalada prosseguiu nos dias seguintes. Na quarta-feira (9), a China elevou suas tarifas para 84%. Em resposta, Trump anunciou uma pausa nas tarifas para os demais 180 países, reduzindo temporariamente todas as taxas para 10% por 90 dias, exceto para a China, cujas tarifas foram elevadas para 125%. No dia seguinte (10), a Casa Branca explicou que esse valor incluía uma tarifa anterior de 20%, totalizando 145% (G1, 2025). Já na sexta-feira (11), a China reagiu novamente, elevando suas tarifas sobre produtos americanos também para 125%.
Apesar das tensões, os Estados Unidos sinalizaram interesse em retomar as negociações, condicionando avanços à postura da China. No entanto, no dia 16, a Casa Branca anunciou um novo aumento, elevando as tarifas sobre produtos chineses para 245%, intensificando ainda mais a guerra comercial (CartaCapital, 2025).
Por conseguinte, o documento oficial que comunica a medida não especifica os critérios utilizados para definir esse percentual. Como resposta, a China impôs restrições à exportação de insumos estratégicos para a indústria norte-americana e, segundo fontes não confirmadas oficialmente, estaria considerando proibir a importação de aeronaves da fabricante Boeing (CartaCapital, 2025).
Em síntese, medidas protecionistas como as tarifas impostas por EUA e China distorcem esse processo. Smith via as tarifas como intervenções artificiais que encarecem produtos, reduzem a eficiência econômica e prejudicam consumidores, além de protegerem setores ineficientes. Isso leva à má alocação de recursos e compromete o funcionamento natural do mercado.
Durante essa guerra comercial, o dólar sofreu uma queda significativa frente a moedas fortes como o euro, enquanto investidores recorrem ao ouro, sinalizando desconfiança no mercado global. Outros países também sentiram impactos diretos e indiretos desse cenário, o que evidencia como intervenções dessa natureza geram instabilidade, desorganizam o sistema de trocas e afetam a confiança internacional, exatamente o oposto do que Smith defenderia como caminho para a prosperidade.
Os efeitos da guerra tarifária, como instabilidade cambial, aumento de custos e retração no comércio, refletem as consequências negativas que Smith previa. Conforme o pensamento do autor, nenhum país jamais enriqueceu por meio de restrições comerciais, a guerra tarifária entre EUA e China é um erro estratégico, politicamente motivado, ineficiente economicamente e prejudicial ao comércio global, pois substitui a cooperação pela retaliação, comprometendo a prosperidade internacional (Smith, 1776).
Sendo assim, a guerra tarifária e a busca constante pela manutenção e “alocação” do poder entre os estados reverbera consequências que impactam diretamente a ordem econômica global, promovendo mudanças profundas nas dinâmicas de poder e estabilidade econômica de diversos países que não estão incluídos diretamente no conflito comercial, expondo a interdependência presente no setor produtivo internacional.
Desse modo, a perpetuação do embate tarifário entre EUA e China, não evidencia somente a disputa por maior exercício individual de poder e influência no sistema, mas o abalo técnico no setor produtivo de países dependentes do setor externo, desmantelando a estabilidade econômica e atingindo crises políticas, sociais e diplomáticas que afetarão, definitivamente, o Status Quo.
Referências:
CARTACAPITAL. Trump anuncia tarifas de 245% para China e fala em necessidade de proteger a segurança nacional dos EUA. Carta Capital. Publicado em: 16 abr. 2025. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/mundo/trump-anuncia-tarifas-de-245-para-china-e-fala-em-necessidade-de-proteger-a-seguranca-nacional-dos-eua/>. Acesso em: 17 abr. 2025.
CNN BRASIL. Conheça posições de Biden sobre a China, possível maior desafio de sua política. Publicada em: 17 nov. 2020. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/conheca-posicoes-de-biden-sobre-a-china-possivel-maior-desafio-de-sua-politica/>. Acesso em: 17 abr. 2025.
G1. Casa Branca eleva para 245% as tarifas sobre produtos chineses. Publicado em: 16 abr. 2025. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/04/16/casa-branca-tarifas-china-245.ghtml>. Acesso em: 17 abr. 2025.
GILPIN, Robert. Guerra e mudança na política mundial. Imprensa da Universidade de
Cambridge, 1981.
REIS, Gabriela Ferreira Chagas. O que está por trás das tensões entre os Estados Unidos da América e a China? Uma análise para além da guerra comercial. NEBRICS+. Publicado em: 25 set. 2020. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/nebrics-mais/2020/09/25/o-que-esta-por-tras-das-tensoes-entre-os-estados-unidos-da-america-e-a-china-uma-analise-para-alem-da-guerra-comercial/>. Acesso em: 17 abr. 2025.
SARTI, Felipe. A guerra comercial entre EUA e China: causas, consequências e perspectivas futuras. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 27, n. 2, p. 1-22, 2023. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br/index.php/rec/article/view/53690>. Acesso em: 17 abr. 2025.
SMITH, A. A Riqueza das Nações. 1776.
The Guardian. (2019). China, Japan and South Korea vow to deepen trade ties amid US pressure. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2019/dec/24/china-japan-and-south-korea-vow-to-deepen-trade-ties-amid-us-pressure>.Acesso em: 17 abr. 2025.
TREVIZAN, Karina. Guerra comercial: entenda as tensões entre China e EUA e as incertezas para a economia mundial. G1. Publicado em: 16 de agosto de 2019. Disponível em:<https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/08/16/guerra-comercial-entenda-a-piora-das-tensoes-entre-china-e-eua-e-as-incertezas-para-a-economia-mundial.ghtml> Acesso em: 17 de abr. de 2025
