
Caira Queiroz – acadêmica do 5° semestre de Relações Internacionais da UNAMA.
A ascensão da Inteligência Artificial (IA) nas últimas décadas, tendo mais de 200 milhões de usuários com a meta de chegar a 1 bilhão neste ano de 2025 (FORBES, 2024), tem provocado transformações profundas em diversas esferas da atividade humana, e a arte não está imune a esse impacto.
Desde ferramentas que permitem a geração de imagens, textos e músicas até programas capazes de gerar pinturas e poemas, com mínima intervenção humana, a IA vem sendo empregada como ferramenta criativa, deixando de ser apenas uma expectativa para se tornar uma realidade do dia a dia, mas também levantando questões cruciais sobre autoria, originalidade, valor estético e o próprio conceito de arte (EQUIPE BRAZIL ARTES, 2025).
Para entender melhor a usabilidade das ferramentas IAs, pode-se afirmar que essa ascensão é respaldada por dados (KOETZ, 2025). Tais processos são gerados por algoritmos avançados que analisam vastos conjuntos de dados e aprendem padrões estilísticos, permitindo a produção de conteúdo original ou emulativo. Um dos chatbots interativos mais conhecidos é o ChatGPT, da OpenAI, pois sua popularização se deu ao proporcionar resultados personalizados de informações mais complexas, de acordo com os scripts de gostos pessoais frequentes e formas de escrita (SILVA, 2024).
Suas influências dessas usabilidades já impactam o mercado de trabalho, onde processos simples, como o auxílio em tarefas cotidianas, até inovações de impacto, como a assistência em diagnósticos médicos, deixaram de ser apenas uma expectativa para se tornar uma realidade. Serviços de streaming e conteúdos publicitários já utilizam músicas geradas por IA para reduzir custos com artistas, e a concorrente atenção nas redes sociais é cada vez maior com o aumento do conteúdo gerado por IA (MENDONÇA, 2024).
Nos últimos dias, por exemplo, a criação de imagens de amigos, familiares, políticos e celebridades transformados em personagens no estilo dos filmes do Studio Ghibli aliada à “tendência” ou “trends” das redes sociais. A situação voltou a chamar atenção para os direitos autorais de artistas, o conceito de desenvolvimento, sentido e identidade contido na arte, usurpando conceitos singulares do artista.
Hayao Miyazaki, criador do desenho e co-fundador do Studio Ghibli, já tinha se posicionado contra o uso da reprodução da arte na inteligência artificial em 2016. Ao ressaltar que o Studio Ghibli não é a “Disney japonesa” e não visa o mundo propagandístico, Miyazaki adota uma narrativa anticapitalista ao questionar o consumismo e a desumanização, trazendo uma série de reflexões e interpretações por meio de simbolismos profundos com o sentido da vida e a “alma” das próprias criações (ANDERSEN, 2025).
Assim como Miyazaki, muitos outros artistas são totalmente contra a apropriação de IAs que, ao gerar uma imagem em 5 min, usurpa trabalhos aperfeiçoados durante toda uma vida. Segundo a Revista Forúm:
Em 2024, mais de 10 mil artistas, incluindo o escritor Kazuo Ishiguro, a atriz Julianne Moore e o músico Thom Yorke, do Radiohead, assinaram uma carta aberta condenando o “uso não autorizado de obras criativas” para treinar modelos de IA.
Ou seja, em meio a esta revolução tecnológica, faz-se necessária uma reflexão sobre a complexidade do tema e os desafios que a Inteligência Artificial impõe ao mundo da arte. Nesse contexto, torna-se pertinente retomar os conceitos da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, especialmente no que se refere à crítica à indústria cultural e ao materialismo que conduz à alienação. Destacam-se, em particular, as contribuições de Walter Benjamin sobre a “reprodutibilidade técnica” (ESCOLA DE FRANKFURT, p. 69), para analisar tais desafios contemporâneos na produção artística mediada hoje por inteligências artificiais.
Em “A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica”, Walter Benjamin analisa como as tecnologias de reprodução, como a fotografia e o cinema, alteram a natureza da arte. Ele introduz o conceito de “aura”, referindo-se à unicidade e autenticidade de uma obra de arte, enraizada em seu contexto histórico e espacial (BENJAMIN, 1936).
O autor argumenta que a reprodução técnica diminui essa aura, deslocando a obra de seu “aqui e agora” e tornando-a acessível em qualquer lugar e momento, o que transforma sua função social e cultural, e traz reflexão sobre a modernidade e o papel da tecnologia na cultura, sendo relevante em debates contemporâneos sobre a digitalização e a circulação de imagens (PORTAL DIALECTICO, 2024).
Ou seja, sob sua teoria, a produção artística por IA representa uma nova fase da reprodutibilidade técnica, na qual a aura da obra é ainda mais fragmentada. As criações algorítmicas não possuem um contexto histórico ou uma presença física única, sendo produtos de processos automatizados e replicáveis. Isso desafia a noção tradicional de arte como expressão individual e singular.
Por outro lado, Benjamin também reconhece que a reprodução técnica democratiza o acesso à arte, abrindo espaço para novas formas de engajamento político e social. Da mesma forma, a IA pode ampliar a participação na criação artística, permitindo que mais pessoas experimentem e contribuam para a arte, embora também desperte preocupações sobre a padronização e a mercantilização da produção cultural.
Portanto, é fato que a integração da Inteligência Artificial na produção artística desafia conceitos estabelecidos de autoria, originalidade e valor estético. Para tanto, a teoria de Walter Benjamin oferece uma perspectiva crítica para entender essas transformações, destacando tanto as perdas quanto às possibilidades associadas à reprodutibilidade técnica. Enquanto a aura da obra de arte é questionada, novas formas de criação e participação emergem, exigindo uma reavaliação dos critérios que definem a arte e seu papel na sociedade contemporânea.
REFERÊNCIAS
ANDERSEN, Alice. Studio Ghibli no ChatGPT: uso de IA para reproduzir estilo usurpa conceito da arte e amplia impacto ambiental. Revista Forúm, 2025. Disponível em: https://revistaforum.com.br/cultura/2025/3/31/studio-ghibli-no-chatgpt-uso-de-ia-para-reproduzir-estilo-usurpa-conceito-da-arte-amplia-impacto-ambiental-176606.html. Acesso em 21 de abril de 2025.
BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na era da sua reprodutibilidade técnica. Arquivo marxista na internet – Walter Benjamin, 1936. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/benjamin/1936/mes/obra-arte.htm. Acesso em 21 de abril de 2025.
BRAZIL ARTES. Como a inteligência artificial está transformando a produção artística? Brazil Artes, 2025. Disponível em: https://brazilartes.com/como-a-inteligencia-artificial-esta-transformando-a-producao-artistica/. Acesso em 21 de abril de 2025.
FORBES. Dois Anos de ChatGPT: as Principais Polêmicas e Controvérsias da Plataforma. Forbes, 2024. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2024/12/dois-anos-de-chatgpt-as-principais-polemicas-e-controversias-da-plataforma/. Acesso em 21 de abril de 2025.
KOERTZ, Eduardo. Agentes de IA: Oportunidades para transformar e escalar os negócios. Migalhas, 2025. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/428255/agentes-de-ia-oportunidades-para-transformar-e-escalar-os-negocios. Acesso em 21 de abril de 2025.
MENDONÇA, Clara. A Polêmica da Arte Gerada por IA e a Responsabilidade do Criador. CBVR, 2024. Disponível em: https://cbvr.com.br/post/a-polemica-da-arte-gerada-por-ia-e-a-responsabilidade-do-criador/. Acesso em 21 de abril de 2025.
MATOS, Olgária. Escola de Frankfurt: luzes e sombras do iluminismo. 1° Edição. Editora Moderna, 1993 – Coleção Logos.
SILVA, Anne. ChatGPT: fazer pesquisas através de IA é até 30 vezes pior para o planeta. Revista Forúm, 2024. Disponivel em: https://revistaforum.com.br/meioambiente/2024/9/23/chatgpt-fazer-pesquisas-atraves-de-ia-ate-30-vezes-pior-para-planeta-166077.html. Acesso em 21 de abril de 2025.
