Maysa Lisboa, acadêmica do 7º semestre de Relações Internacionais

Joelma, cantora, dançarina, compositora e empresária, é uma das figuras mais emblemáticas da cultura amazônica. Com sua voz marcante e presença performática, ela consolidou o tecnobrega como uma expressão legítima da musicalidade do Pará. Mais do que uma artista de sucesso, Joelma tornou-se um símbolo nacional e internacional de resistência cultural, representando com orgulho a identidade do Norte do Brasil. Sua trajetória reflete a interseção entre cultura, política e identidade, destacando-a como uma voz periférica e feminina que desafia estruturas dominantes.

Joelma da Silva Mendes nasceu em 22 de junho de 1974, em Almeirim, no interior do Pará, às margens do rio Amazonas. Criada em um ambiente marcado por dificuldades financeiras e violência doméstica imposta pelo pai, ela sonhava em ser advogada para mudar o destino de sua família. No entanto, foi na música que encontrou sua verdadeira vocação, e aos 19 anos, foi descoberta por uma empresária local enquanto se apresentava na Feira de Arte e Cultura de Almeirim. Convidada a integrar a banda Fazendo Arte, lançou dois álbuns: Fazendo Arte (1994) e Fazendo Arte II (1996), marcando sua estreia profissional no universo musical. Em 1998, prestes a lançar um disco solo, conheceu o guitarrista Ximbinha, que sugeriu a formar uma banda em vez de seguir carreira solo dando origem à Banda Calypso, projeto esse que rapidamente conquistou o Norte e, pouco depois, o Brasil (LETRAS, 2023).

Misturando ritmos como carimbó, cúmbia, lambada, merengue e forró, a Banda Calypso criou um estilo único enraizado na musicalidade amazônica. O álbum de estreia Banda Calypso – Volume 1 vendeu mais de 750 mil cópias e trouxe sucessos como Vendaval, Disse Adeus e Dançando Calypso. O grupo realizou apresentações internacionais, vendeu milhões de discos e alcançou feitos históricos, como o DVD gravado na Amazônia e uma apresentação para mais de 1,5 milhão de pessoas em Nova York. O álbum Pelo Brasil chegou a vender mais de 2,5 milhões de cópias, tornando-se um dos mais vendidos da história do país. Ao longo dos anos, a banda colaborou com diversos artistas renomados e se consolidou como referência no cenário musical brasileiro (LETRAS, 2023).

Em 2015, após 17 anos de casamento e parceria musical com Ximbinha, a artista anunciou sua separação em meio a acusações de traição e abusos, ocasionando também a ruptura que marcou o fim da Banda Calypso. Em dezembro daquele ano, fez sua última apresentação com o grupo e iniciou sua carreira solo em 2016 com a turnê Avante, e o lançamento do álbum Joelma. Canções como Ai Coração e Debaixo do Mesmo Céu marcaram essa nova fase — esta última alcançando o topo do iTunes mundial. Joelma passou a explorar novas parcerias musicais com artistas como Ivete Sangalo e Marília Mendonça e incorporou elementos da música cristã em sua produção artística (LETRAS, 2023).

Apesar dos êxitos profissionais, em 2023, chegou a anunciar uma pausa na carreira devido à saúde debilitada, mas retornou aos palcos poucos meses depois. Com mais de 25 anos de trajetória artística, Joelma consolidou seu nome como símbolo de resistência cultural e empoderamento feminino na música popular brasileira contemporânea.

Assim, a trajetória da artista pode ser analisada sob a perspectiva do teórico construtivista Alexander Wendt, para quem identidades e interesses não são dados fixos, mas construídos socialmente a partir de interações e contextos históricos. Segundo Wendt (1992), até mesmo a anarquia do sistema internacional é moldada por práticas e significados compartilhados. Nessa lógica, Joelma não é apenas uma artista: ela se afirma como uma agente cultural que, por meio da música, das apresentações vibrantes e dos figurinos coloridos, comunica símbolos de pertencimento e resistência, construindo uma identidade amazônida que desafia o centro geopolítico e cultural do país. Sua atuação reforça a ideia de que atores não estatais, como artistas a exemplo, também participam da produção simbólica das Relações Internacionais, promovendo reconhecimento e exercendo influência cultural e política além das fronteiras nacionais. Sendo assim, ela transcende o entretenimento ao reafirmar um soft power amazônico no sistema internacional.

Além de que também representa um rompimento das estruturas patriarcais que invisibilizam mulheres periféricas no poder global. A teórica feminista Cynthia Enloe defende que o pessoal é político — e que espaços tradicionalmente vistos como “menores” ou “domésticos” são arenas de poder (ENLOE, 1989). Ao conduzir sua própria carreira após o rompimento com Ximbinha e ocupar o centro de um gênero musical marginalizado como o tecnobrega, Joelma reafirma sua autonomia feminina, e sua postura diante da violência doméstica vivida na infância e na vida adulta reflete resiliência frente ao machismo estrutural da indústria musical. Ademais, suas letras emotivas e estética performática desafiam padrões tradicionais impostos às mulheres no espaço público.

Joelma não apenas representa o Norte, ela redefine o que significa ser mulher amazônida em um país marcado por desigualdades regionais e sociais. Ao ocupar espaços simbólicos frequentemente negados às mulheres periféricas e transformá-los em lugares de protagonismo cultural e político, um exemplo vivo de como agentes situados à margem do sistema, em termos geográficos ou de gênero, podem moldar realidades, gerar reconhecimento e exercer soft power através da arte.

Referências

ENLOE, Cynthia. Bananas, Beaches and Bases: Making Feminist Sense of International Politics. Berkeley: University of California Press, 1989. Disponível em: https://archive.org/details/bananasbeachesba0000enlo/mode/1up. Acesso em: 07 abr. 2025.

G1 PARÁ. Obra musical de Joelma é reconhecida como patrimônio cultural e imaterial do Pará. G1, Belém, 24 set. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2024/09/24/obra-musical-de-joelma-e-reconhecida-como-patrimonio-cultural-e-imaterial-do-para.ghtml. Acesso em: 07 abr. 2025.

LETRAS. Joelma: biografia e carreira da Rainha do Calypso. Blog Letras.mus.br, 2023. Disponível em: https://www.letras.mus.br/blog/joelma-biografia/. Acesso em: 07 abr. 2025.

RELACOES EXTERIORES. Construtivismo Social nas Relações Internacionais: a perspectiva de Tavares. Relações Exteriores, 2023. Disponível em: https://relacoesexteriores.com.br/tavares-construtivismo-social/. Acesso em: 07 abr. 2025.

WENDT, Alexander. Anarchy is what states make of it: the social construction of power politics. International Organization, v. 46, n. 2, p. 391–425, 1992. Disponível em: https://pmachala.people.amherst.edu/Current%20Politics/PS-50%20IR%20&%20Foreign%20Policy%20Theory-THE%20READINGS/Archive/Wendt,%20Anarchy%20is%20what%20states%20make%20of%20it%20(1992).pdf. Acesso em: 07 abr. 2025.

WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.