
Sofia Dias, acadêmica do 1º semestre de Relações Internacionais
Thaís Carvalho, acadêmica do 7° semestre de Relações Internacionais
Ficha Técnica:
Ano: 1936
Diretor: Charles Chaplin
Distribuição: United Artist
Gênero: Comédia / Drama
País de Origem: Estados Unidos da América
O grande gênio do cinema mudo, Charles Chaplin, utilizou com expressividade, sagacidade e sensibilidade o humor pastelão como ferramenta para retratar questões profundas e estruturais de sua época. Em Tempos Modernos (1936) — considerado por muitos sua obra mais emblemática (SOUZA, 2023) e a última protagonizada pela icônica figura de Carlitos — Chaplin constrói uma crítica sarcástica à sociedade norte-americana no contexto das intensas transformações provocadas pela crise da Grande Depressão.
Na obra cinematográfica da década de 1930, o público acompanha Carlitos, um operário cujos movimentos repetitivos e monótonos na fábrica o conduzem à exaustão mental. Junto a ele, a personagem de Paulette Goddard, uma órfã que, para sustentar suas irmãs mais novas e o pai desempregado, se vê obrigada a recorrer ao roubo de alimentos. O filme também aborda uma dimensão romântica de crítica social, ao retratar o encontro entre esses dois personagens, cujos laços afetivos são moldados pela precariedade e pela pobreza em que vivem. Nesse contexto, Chaplin constrói a narrativa de um Carlitos que, apesar das condições desumanas de seu trabalho, mantém a esperança de conquistar um futuro melhor, alimentada pela ambição de adquirir uma casa para ambos. (DENCK, 2021)
Ao mesclar comicidade e denúncia social, Charles Chaplin evidencia os efeitos desumanizadores da industrialização e da lógica capitalista sobre o indivíduo, abordando a mecanização do trabalho, a alienação e a precarização das relações humanas. O filme, ambientado em um cenário marcado pelas consequências da Grande Depressão e pelos intensos processos de industrialização desencadeados pela Segunda Revolução Industrial, revela como essas transformações afetaram profundamente a vida em comunidade. Através de uma linguagem acessível e satírica, Chaplin transcende o mero entretenimento e constrói uma poderosa reflexão sobre os impactos sociais, econômicos e culturais da modernidade.
Neste contexto, as discussões apresentadas ao longo do filme permitem compreender como processos econômicos e tecnológicos não impactam apenas as estruturas de produção, mas também transformam profundamente as dinâmicas sociais e culturais, produzindo efeitos que ultrapassam fronteiras nacionais e moldam a ordem global contemporânea. Temas como a alienação social, a racionalidade instrumental, padronização da vida cotidiana e exploração da força de trabalho, evidenciados na obra são problemáticas amplamente debatidas pela teoria marxista, explicitando de forma simbólica e crítica, os efeitos desumanizadores do sistema capitalista sobre o trabalhador.
Ao longo do filme, a fábrica é representada como um ambiente onde os trabalhadores são reduzidos a peças intercambiáveis, repetindo movimentos mecânicos e padronizados, sem espaço para a criatividade ou individualidade. Nesse sentido, a obra dialoga precisamente com a crítica marxista ao modo de produção capitalista, em conformidade com obras como Manuscritos Econômicos – Filosóficos (1844), na qual o filósofo e economista alemão Karl Marx expõe com vigor a discrepância entre moral e economia, através da análise crítica dos fundamentos da economia política de autores como Adam Smith e David Ricardo. Para além disso, Marx denuncia a exploração massiva do trabalhador pelo sistema capitalista, onde este indivíduo se torna alheio ao produto de seu trabalho, ao próprio ato de trabalhar e à sua essência humana, demonstrando assim a mecanização e desumanização do trabalho, onde o homem perde o direito de “ser genérico”, isto é, sua capacidade de se reconhecer e se realizar plenamente como ser humano através de seu trabalho (ROCHA, 2011).
No campo das relações internacionais, as contribuições da Teoria Marxista ajudam a compreender como as estruturas de dominação e exploração ultrapassam o plano econômico interno e se projetam no cenário global, refletindo-se nas relações desiguais entre Estados. A dependência econômica e a reprodução de hierarquias entre nações centrais e periféricas são expressões concretas dessa lógica de dominação capitalista em escala mundial perpetuando-se nos discursos, práticas e instituições que mantém as desigualdades entre as nações.
Segundo Martins e Rodrigues (2011), a Teoria Marxista das Relações Internacionais, diferencia-se das demais teorias tradicionais por compreender as dinâmicas internacionais a partir da desconstrução do conceito de Estado, pois enxergam tal conceito como um mero reflexo das relações sociais de produção e dos interesses de classe, entre as nações. Assim, a compreensão do cenário internacional é determinada por variáveis como: as relações sociais subjacentes entre os Estados, as formas de produção, o desenvolvimento da técnica, e por último, os interesses de classe, compreendendo, assim, as formas de dominação – econômica, cultural e ideológica-, na arena internacional.
Tempos Modernos é uma obra atemporal que aborda a alienação, a exploração e a desumanização constante sofrida pelos trabalhadores no sistema capitalista, explicitando o impacto direto na vida dos indivíduos e até mesmo nas dinâmicas existentes entre os Estados na arena internacional. Assim, as obras de Charles Chaplin possuem um papel essencial na história cinematográfica ao expor, de forma tão explicita, inúmeras críticas sociais a um modelo de desenvolvimento que aliena e explora a classe trabalhadora.
REFERÊNCIAS
ROCHA, E. L. A concepção marxiana de alienação na obra Manuscritos Econômicos-Filosóficos. 2011. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/20908/1/2011_eve_elrocha.pdf. Acesso em: 30 abr. 2025.
SOUZA, Daniel Santos de. Tempos Modernos (1936) e o mundo do trabalho na sociedade ocidental: a arte como meio de representação e discussão histórica. Revista Bilros: História(s), Sociedade(s) e Cultura(s), v. 7, n. 14, p. 163–177, 2023. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/bilros/article/view/7621. Acesso em: 27 abr. 2025.
VIGEVANI, T. et al. A contribuição marxista para o estudo das relações internacionais. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 83, p. 111–143, 2011.
