Escrito por Camila Cristina Silva do Amaral – acadêmica do 7° semestre de Relações Internacionais da UNAMA.

No quinto mês do ano,  no segundo domingo, celebramos O Dia das Mães. Um mês do ano repleto de flores, homenagens, celebrações, festas escolares e presentes. Uma data associada à exaltação do amor materno, à gratidão da família e a figura da mulher-mãe. A data popularizou-se no início do século 20, nos Estados Unidos por iniciativa da ativista Anna Jarvis, para celebrar as memórias de sua mãe, assim, em 1914, a data foi oficializada como feriado nacional. No Brasil, a data comemorativa foi oficializada através de um decreto assinado por Getúlio Vargas, no segundo domingo do mês, em 05 de maio de 1932, não sendo considerado feriado, como nos EUA (Revista Terra, 2024). 

Desde o início do processo de socialização, o comportamento imposto quanto ao gênero é diferenciado tendo em vista a bagagem histórica e cultural vigente já no princípio da vida social. Os desempenhos das mulheres na sociedade contemporânea foram e são construídos e consolidados através da história, modificando-se de tempos em tempos seus papéis sociais, no qual a ideia de maternidade concebida como natural, vocação das mulheres, nasce na modernidade.

 Na obra  “O Segundo Sexo” (1949), a filósofa francesa, Simone de Beauvoir, questiona a ideia de um “instinto materno” e critica como a maternidade é usada para perpetuar a opressão feminina e limitar as mulheres a um papel social específico. Sendo assim, a maternidade é uma construção social, constantemente romantizada, muitas vezes resultado de decisões estimuladas ou até mesmo impostas pela sociedade, quando deveria ser uma escolha consciente e livre.

 Outra percepção do “instinto materno” é o desejo feminino “ser mãe”, de acordo com a  francesa Elisabeth Badinter, tal termo é uma construção ideológica, onde mulheres estão submersas em um mito (Resende, 2017). Badinter (2011) desconstrói a “ideologia maternalista”, em que a mulher somente alcança a realização através do processo materno,  ou seja, toda mulher deseja ser mãe, nascendo com a vocação espontânea para o cuidado. A autora propõe uma reflexão crítica para o rompimento do mito e como a sociedade instrumentaliza a “regra biológica” para controlar o papel das mulheres. 

Nesse sentido, vale ressaltar que, o papel real da maternidade na sociedade contemporânea permanece, muitas vezes, invisibilizado e desvalorizado, especialmente no que diz respeito ao trabalho de cuidado e às condições socioeconômicas que cercam milhões de mulheres no Brasil e no mundo. De acordo com o Dieesse (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) 75 milhões de lares do país, 50,8% tinham liderança feminina, o correspondente a 38,1 milhões de famílias. As mulheres negras lideravam 21,5 milhões de lares (56,5%) e as não negras, 16,6 milhões (43,5%), no 3º trimestre de 2022. Como aponta Angela Davis (2016), mães negras e pobres, frequentemente criminalizadas ou negligenciadas pelas políticas públicas, têm sua maternidade desvalorizada ou até mesmo ameaçada pelo sistema. O caso das mães de vítimas da violência policial nas periferias brasileiras é um exemplo claro da luta por justiça em relação às suas mortes, interpretada como ato de amor, mas também como prolongamento de suas obrigações maternas (Quintela, 2021). 

As dificuldades das mulheres chefes de família no mercado de trabalho, entre elas, é a falta de equidade de gênero. A divisão sexual do trabalho, retirou das mulheres, a autonomia de seus corpos, bem como seu direito ao conhecimento, e a elas foi designado o papel de meras reprodutoras de vidas que posteriormente se transformaram em mão-de-obra para o sistema em questão, além da exclusividade para trabalhos não remunerados, como cuidar do lar e da criação dos filhos (Amaral; Sousa; Gomes, 2020).

A entrada do debate feminista nas Relações Internacionais é simultânea à entrada de outras perspectivas consideradas pós-positivistas, que compõem o chamado Terceiro Debate (Souza, 2014). A partir da década de 80, autoras feministas já inseridas nas outras ciências sociais ampliaram seus estudos para a área das RI’s, e segundo Ann Tickner (1992), essa entrada do feminismo foi tardia. Como resultado disso, e de outros fatores que não dizem respeito a gênero no campo de estudo, por mais que tão recente, podem ser considerados uma área ainda permeada pelo conservadorismo. O olhar diferenciado do gênero feminino no âmbito das RI fez surgir a Teoria Feminista, como uma crítica ao caráter tradicionalmente androcêntrico do campo,  reinterpretando o domínio masculino em temas importantes de política internacional. 

Cynthia Enloe (2000), outra autora da Teoria Feminista, reafirma a importância do que chama de “curiosidade feminista”, ou seja, um olhar sobre o mundo a partir do lugar das mulheres, ainda que aparentemente à margem na política internacional. Em sua essência, essa abordagem rompe com o paradigma dominante que privilegia a esfera pública, estatal e masculina, e passa a considerar os impactos do sistema internacional nas esferas privadas da vida, como o lar, o cuidado e a maternidade.

Para a cultura brasileira, o dia das mães é de grande relevância comercial, promovendo o consumo como formas de agradecimentos e expressão de afeto. Atualmente, excetuando-se o período de festas de final de ano, o maior faturamento das vendas no comércio brasileiro se dá no dia das mães, sendo, então, a segunda data âncora mais importante para o varejo (Carmo; Mesquita; Joaquim et al, 2016).  Outrossim, o marketing em torno da data comemorativa induz estereótipos sobre a figura materna, idealizando a imagem de uma mãe branca, de classe média, afetiva e presente, aderindo uma lógica de consumo excluindo a individualidade materna e a realidade de muitas mulheres que percorrem a maternidade.

Nesse sentido, o dia das mães apesar de parecer uma celebração afetiva, carrega consigo uma série de discursos normativos que reforçam a divisão sexual do trabalho e a naturalização do papel feminino como cuidadora. A romantização da maternidade, promovida culturalmente e explorada comercialmente, sustenta uma lógica em que o trabalho reprodutivo (emocional, físico e social) das mulheres é invisibilizado e desvalorizado , um ponto central de crítica das teóricas feministas como Enloe e Tickner. 

O dia das mães não é apenas uma data comemorativa mas ,também é, um ato de visibilidade e resistência da mulher no contexto contemporâneo. A Teoria Feminista, discute que a maternidade está longe de ser uma experiência homogênea, neutra ou meramente afetiva. Ao contrário, trata-se de construção social e política da maternidade, marcada por desigualdades de gênero, classe e raça. A maternidade é difícil e muitas das vezes dolorosa, desde o processo dos nove meses de gestação, das dores do parto, sentimento de frustração e, mais do que isso, lidar com a tarefa maternal que a sociedade a impõem. Além disso, a maternidade contemporânea é vivida sob pressões contraditórias, ao mesmo tempo em que se espera da mulher uma dedicação integral à maternidade, ela é cobrada a ser economicamente produtiva e independente. “O simples fato de tornar-se mãe numa sociedade como a nossa é ter cravada em sua vida a necessidade de lutar, não apenas pela sobrevivência de si enquanto mulher, enquanto sujeito, mas dos seus e das suas” (Medeiros, Evelyne, 2023 – CRESS-PE). 

Referências 

AMARAL, Camila C. Silva do; SOUSA, Isabele da Silva; GOMES, Natalia Antunes. O campo profissional das Relações Internacionais e as questões de gênero nele inseridas. Belém: Universidade da Amazônia – UNAMA, 2020. (Graduação em Relações Internacionais).

BADINTER, Elisabeth. O conflito: a mulher e a mãe. Rio de Janeiro: Record, 2011.

BEARD, Mary. Mulheres e poder: um manifesto. Tradução de Celina Portocarrero. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.

BERNARDO, A. Expectativa x realidade: por que não devemos romantizar a maternidade? BBC, 13 maio 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c2v5z773lldo. Acesso em: 8 maio 2025.

CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES (CUT). Mulheres chefiam 50,8% dos lares, mas ganham menos e sofrem mais com desemprego. Disponível em: https://www.cut.org.br/noticias/mulheres-chefiam-50-8-dos-lares-mas-ganham-menos-e-sofrem-mais-com-desemprego-7bd4. Acesso em: 8 maio 2025.

CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL DE PERNAMBUCO (CRESS-PE). O simples fato de tornar-se mãe numa sociedade como a nossa. Disponível em: https://www.cresspe.org.br/noticias/artigo-o-simples-fato-de-tornar-se-mae-numa-sociedade-como-a-nossa-e-ter-cravada-em-sua-vida-a-necessidade-de-lutar-nao-apenas-pela-sobrevivencia-de-si-enquanto-mulher-enquanto-sujeito-mas-dos. Acesso em: 8 maio 2025.

DA COSTA, A. C. A. C.; FRANCISCO, A. L. Mulheres chefes de família – e suas jornadas triplas de trabalho, ser mulher, mãe e profissional. Revista Foco, [S. l.], v. 17, n. 1, p. e4331, 2024. DOI: 10.54751/revistafoco.v17n1-204. Disponível em: https://ojs.focopublicacoes.com.br/foco/article/view/4331. Acesso em: 8 maio 2025.

DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016. Disponível em: https://piapeprograd.paginas.ufsc.br/files/2020/07/Angela-Davis-Mulheres-raça-e-classe-Boitempo.pdf. Acesso em: 8 maio 2025.

LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL. A exortação da maternidade ideal: uma face do sistema patriarcal. Disponível em: https://diplomatique.org.br/a-exortacao-da-maternidade-ideal-uma-face-do-sistema-patriarcal. Acesso em: 8 maio 2025.

MESQUITA, M. C., CARMO, L. A. M., ANDRADE, M. L., & JOAQUIM, A. DE M. (2017). Mães de shopping: a representação da figura materna nas campanhas publicitárias do dia das mães. revista ADM.MADE, 20(3), 62–74. Recuperado de https://mestradoedoutoradoestacio.periodicoscientificos.com.br/index.php/admmade/article/view/2954

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RESENDE, Deborah Kopke. Maternidade: uma construção histórica e social. Pretextos – Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas, Belo Horizonte, v. 2, n. 4, p. 175–191, jul./dez. 2017. Disponível em: https://periodicos.pucminas.br/pretextos/article/view/15251/11732. Acesso em: 8 maio 2025. 

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