Alciane Dias Carvalho, acadêmica do 7° semestre de Relações Internacionais

Antônio Carlos Jobim, conhecido mundialmente como Tom Jobim (1927–1994), não foi apenas um dos maiores compositores da música brasileira, mas também um artista cuja obra transcende fronteiras geográficas e culturais, tornando-se um símbolo de identidade nacional e diálogo global. Sua carreira, marcada por canções como “Garota de Ipanema”, “Águas de Março” e “Chega de Saudade”, reflete não apenas uma genialidade melódica, mas também uma construção social de significados que ecoam as premissas do construtivismo nas Relações Internacionais. Este artigo explora a vida e a obra de Jobim sob a ótica construtivista, demonstrando como sua música atuou como um instrumento de soft power, construindo identidades e redefinindo percepções sobre o Brasil no cenário internacional.

Nascido no Rio de Janeiro em 1927, Tom Jobim emergiu em um contexto de transformações culturais e políticas no Brasil. Sua parceria com Vinicius de Moraes na década de 1950 deu origem à bossa nova, gênero que sintetizou influências do samba tradicional com o jazz norte-americano, criando uma nova linguagem musical (Castro, 1990). O álbum “Chega de Saudade” (1959), interpretado por João Gilberto, é frequentemente considerado o marco inicial do movimento, estabelecendo uma estética que valorizava a simplicidade harmônica e a sofisticação poética.

Jobim não apenas compunha canções, mas também construía narrativas. Suas letras evocavam paisagens naturais (“Wave”), reflexões existenciais (“Águas de Março”) e uma certa melancolia urbana (“Desafinado”), elementos que contribuíram para a formação de uma identidade cultural brasileira projetada internacionalmente. Nesse sentido, sua obra pode ser interpretada como um ato de construção social, no qual a música atua como um veículo de significados compartilhados (Wendt, 1999).

A teoria construtivista nas Relações Internacionais postula que as estruturas do sistema internacional são socialmente construídas por meio de ideias, normas e identidades (Wendt, 1992). Sob essa perspectiva, a música de Jobim funcionou como um soft power (Nye, 2004), influenciando a imagem do Brasil no exterior e facilitando conexões diplomáticas e culturais.

Durante a Guerra Fria, em um momento em que o Brasil buscava se afirmar como uma nação pacífica e culturalmente vibrante, a bossa nova tornou-se um instrumento de projeção positiva. A turnê de Jobim e Gilberto nos EUA nos anos 1960, culminando no histórico concerto no Carnegie Hall, não apenas popularizou o gênero, mas também redefiniu a percepção internacional sobre o país, associando-o à criatividade e não ao subdesenvolvimento (Mccann, 2004).

Canções como “Garota de Ipanema” (1962), uma das mais gravadas da história, tornaram-se símbolos de um Brasil cosmopolita e sedutor, contrastando com estereótipos anteriores de exotismo ou pobreza. Esse processo ilustra o conceito construtivista de que as identidades são fluidas e moldadas por práticas discursivas (Katzenstein, 1996).

Sob a lente construtivista, a obra de Jobim pode ser interpretada como um processo contínuo de construção e reconstrução identitária, no qual a música opera como uma instituição social que normaliza certas visões de mundo. Quando Jobim canta “O morro não tem vez / E o que ele fez já foi demais” (“O Morro Não Tem Vez”), ele não apenas retrata a desigualdade carioca, mas atua politicamente ao expor contradições sociais que desafiam narrativas oficiais de progresso. Esse diálogo entre arte e realidade reflete a premissa construtivista de que as estruturas internacionais são moldadas por práticas discursivas cotidianas (Onuf, 1989), nas quais até mesmo uma canção pode desestabilizar hierarquias de poder.

A bossa nova, ao ser abraçada por diplomatas brasileiros como símbolo de modernidade (como na excursão do “Bossa Nova Embassy” nos EUA nos anos 1960), demonstra como normas culturais são internalizadas e instrumentalizadas pelos Estados — não como meras ferramentas, mas como elementos constitutivos de sua identidade política (Finnemore & Sikkink, 1998). Assim, Jobim, ao tecer melodias que traduziam o “ser brasileiro” para o mundo, tornou-se um empreendedor de normas, cujo legado ilustra a capacidade da arte de ressignificar o lugar de um país no sistema internacional.

Tom Jobim foi mais que um compositor; foi um construtor de sentidos cuja obra reverbera na intersecção entre arte e política internacional. Sua música, ao mesmo tempo que celebrava a brasilidade, dialogava com o mundo, demonstrando como a cultura pode ser um campo de ação política e diplomática. Sob a ótica construtivista, Jobim exemplifica como agentes não-estatais — artistas, intelectuais — participam ativamente da construção da ordem internacional, desafiando narrativas hegemônicas e criando novas possibilidades de entendimento mútuo.

Como ele mesmo escreveu em “Águas de Março”, “É o fundo do poço, é fim do caminho”— mas sua obra permanece como um convite eterno à reinvenção das relações entre nações, notas e pessoas.

REFERÊNCIAS

Castro, Ruy. Chega de Saudade: A História e as Histórias da Bossa Nova. Companhia das Letras, 1990.

Finnemore, Martha; Sikkink, Kathryn. “International Norm Dynamics and Political Change”. International Organization, 1998.

Katzenstein, Peter (ed.). The Culture of National Security: Norms and Identity in World Politics. Columbia University Press, 1996.

Maccann, Bryan. Hello, Hello Brazil: Popular Music in the Making of Modern Brazil. Duke University Press, 2004.

Nye, Joseph. Soft Power: The Means to Success in World Politics. PublicAffairs, 2004.

Onuf, Nicholas. World of Our Making: Rules and Rule in Social Theory and International Relations. University of South Carolina Press, 1989.

Wendt, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge University Press, 1999.