Keity Oliveira (Internacionalista formada pela UNAMA)

Ana Victória Padilha e Gabriele Nascimento (acadêmicas do 3º semestre de RI da UNAMA)

A Amazônia Legal é historicamente marcada por conflitos fundiários e políticas que favorecem o capital das elites dominantes desde a colonização europeia. No Pará, como em outras áreas da região amazônica, as violentas disputas entre latifundiários e comunidades tradicionais, junto às degradações socioambientais, refletem a expansão da fronteira agropecuária desde a década de 1970. Esse processo tem enfraquecido as políticas de reforma agrária, legalizando terras griladas, intensificado o desmatamento e acentuado as desigualdades sociais ali já existentes.

Em primeiro plano, desde o período colonial, a estrutura fundiária brasileira foi marcada pela concentração de terras nas mãos de poucos, com o sistema de capitanias hereditárias e, posteriormente, pela Lei de Terras de 1850, que consolidou a propriedade privada e dificultou o acesso a posse de pequenos trabalhares rurais.

Ao longo da história, as políticas de ocupação e desenvolvimento da Amazônia foram pautadas por interesses econômicos vinculados ao capital internacional e às elites regionais, com foco no crescimento a serviço desses grupos e, dessa forma, concentrando a posse de terra nas mãos de poucos.

Conforme Loureiro e Pinto (2005), até meados dos anos de 1960, do total de terras amazônicas registradas pelo IBGE, 87% constituíam-se de matas e terras não cultivadas utilizadas por comunidades tradicionais para extrativismo, 11% eram pastos naturais ocupados por antigas fazendas de gado, muitas delas centenárias, como as do Marajó e somente 1,8% das terras estavam ocupadas com lavouras e só metade delas possuía título de propriedade privada.

Isso significa que a maior parte das terras ficavam à disposição das comunidades tradicionais locais, as quais viam a floresta como parte indissociável da sua vida e sustento.

A partir da década de 1970, o modelo de desenvolvimento implementado na região privilegiou a expansão agropecuária, provocando profundas transformações na estrutura agrária. Nesse contexto, o Governo Federal visava integrar região ao mercado nacional e internacional, por isso:

“Seu principal instrumento eram os incentivos fiscais, reorientados legalmente em 1967, principalmente para a pecuária, a extração madeireira, a mineração, atividades que, simultaneamente, requerem grandes quantidades de terra, destinam-se à exploração de produtos primários ou semi-elaborados e geram poucos empregos.” (Loureiro & Pinto, 2005)

Políticas de crédito e especulação também era usado para atrair capital. Esse processo foi marcado pela concentração de terras direcionadas para a criação de gado, exploração de madeira e minerais, gerando graves danos ambientais e a expulsão violenta de povos tradicionais de territórios que habitavam há gerações.

Isso abriu espaço para o movimento especulativo e para prática de grilagem na Amazônia. De acordo com Dagnino & El Saifi (2011), a grilagem consiste na apropriação irregular ou ilegal de terras públicas, gerando a privatização dessas terras por meio de documentos fraudados.

No Pará, a grilagem é frequentemente praticada por famílias da elite agropecuária, caracterizando a “grilagem familiar”. Segundo Terrence (2019), esses grupos controlam ilegalmente milhares de hectares de terras públicas, fracionando-as para obter regularização fundiária por meio do Programa Terra Legal, criado em 2009 sob o governo Lula. O programa permite a regularização de propriedades de até 1.500 hectares na Amazônia Legal, beneficiando ruralistas.

Diante disso, o Estado atua para manter os interesses da classe dominante, pois apesar de reconhecer a grilagem como crime, falha em punir os responsáveis, priorizando o lucro sobre a justiça e sustentando o poder da elite rural.

No território amazônico, a ocupação irregular é um dos principais motivos para conflitos de terras, trazendo consigo, a violência no campo. Nesse sentindo, em uma economia capitalista, os fatores de produção como terra, capital, trabalho, tecnologia e recursos naturais, são essenciais para a manutenção do processo produtivo.

O mercado de terras desempenha um papel central nesse contexto, pois não é apenas um insumo produtivo, mas um território onde a vida econômica e social se estabelece. Ademais, este ativo possui três importantes características importantes: é escassa, não é móvel, é durável. (Souza et al., 2011). Fatores os quais, dentro de uma lógica exploratória, intensificam a disputa por terras.

Segundo dados de Conflitos no Campo em 2024, divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram registrados 2.185 conflitos no campo, uma leve queda de 3% em relação a 2023 (2.250), mantendo-se como o segundo maior número da série histórica. Apesar da redução geral, a violência permaneceu alta, especialmente nos conflitos por terra (1.680 casos, 78% do total), com destaque para o Maranhão (363 ocorrências), Pará (234), Bahia (135) e Rondônia (119).

Além disso, os dados apontam uma relação direta entre o uso de agrotóxicos e o aumento da violência, especialmente no Maranhão. Em 2024, as ocorrências dispararam de 32 para 276 casos, um crescimento de 762%, sendo a maioria no Maranhão (228 casos), onde as comunidades tradicionais sofrem os impactos da pulverização aérea de agrotóxicos, conforme dados da CPT (2025).

Conforme o relatório analítico, é notório a concentração de disputas por terra no território Amazônico, o qual sofre com o abandono da política de reforma agrária pensada desde  a criação do Estatuto da Terra, em 1964, fundamentada na Lei nº 4.504/64, a qual considera a reforma agrária como um conjunto de medidas que visam promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.

Outrossim, a Constituição Federal de 1988, sob o artigo 186, prevê que a propriedade rural e urbana considerada sem função social está sujeita a desapropriação, vale ressaltar que a desapropriação ocorre mediante pagamento de indenização, por parte do Estado, ao proprietário.

No entanto, é nítido que essa máxima não se reverbera, na maioria das vezes, na prática uma vez que há grande poder de influência de latifundiários na política, mídia e em órgãos constitucionais do Brasil, como no Congresso Nacional.

Umas das formas de tentar dirimir os conflitos é por meio da ação das Câmaras de Conciliação Agrária que funcionam nas Superintendências Regionais do Incra. O órgão é uma assistência direta ao Gabinete da Presidência do Incra e atua junto com representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e outras entidades com o objetivo de prevenir e mediar os conflitos agrários na zona rural, conforme Souza et al (2011).

No entanto, apesar da existência de organizações fundiárias, observa-se que a realidade desses dilemas ainda é de incerta e essa incerteza culmina em pressão do crescimento da especulação fundiária, dos desmatamentos, aumento de áreas de pastagem do agronegócio, grilagem e consequentemente do aumento dos conflitos na região.

Portanto, é essencial a adoção de uma abordagem integrada que promova a reforma agrária, o ordenamento territorial que respeite a natureza e a implementação de políticas habitacionais que considerem as especificidades da região e de seus povos, garantindo assim, o direito à terra, à moradia e à preservação do território.

Diante da temática exposta, destaca-se a Comissão Pastoral da Terra (CPT), um órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, fundado em plena ditadura militar em resposta a grave situação vivida pelos trabalhadores rurais na Amazônia, na época. Apoiam e fazem assessoramento à trabalhadores na reivindicação de seus direitos para garantir o acesso à terra e a permanência nela de maneira sustentável e equilibrada com os recursos naturais. Para mais informações, acesse:

Site Institucional: < https://www.cptnacional.org.br/ >

Instagram: < https://www.instagram.com/cptnacional/ >

Facebook: < https://www.facebook.com/CPTNacional >

Também se recomenda o trabalho realizado pelo Instituto Internacional de Pesquisa e Responsabilidade Socioambiental Chico Mendes, uma organização não governamental responsável por realizar projetos de ação social, eventos, pesquisas e ações voltados para a conservação dos recursos naturais, englobando a promoção humana e a inclusão social, por meio de geração de renda e disseminação de técnicas de conhecimentos. Para mais informações, acesse: 

Site Institucional: < https://institutochicomendes.org.br/ >

Instagram: < https://instagram.com/institutochicomendes.oficial?igshid=MzRlODBiNWFlZA== >

Facebook: < https://www.facebook.com/institutochicomendes >

Por fim, para você que quer saber mais sobre dados relacionados com a regulamentação de terras e reforma agrária na região amazônica, recomenda-se o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Para mais informações, acesse:

Site Institucional: < https://www.gov.br/incra/pt-br >

Instagram: < https://www.instagram.com/incra.oficial/ >

Twitter: < https://twitter.com/Incra_oficial >

REFERÊNCIAS

Comissão Pastoral da Terra (CPT). Dados de conflitos no campo em 2024 registram diminuição no número de conflitos, mas não da violência, indica publicação da CPT. Publicado em: 25 de abril de 2025. Disponível em: < https://cptnacional.org.br/caderno/conflitos-no-campo-brasil-2024/ >. Acesso em: 11 de maio de 2025.

DAGNINO, Ricardo Sampaio; EL SAIFI, Samira. Conflitos pela terra na Amazônia: o caso da região sudeste do Pará. ComCiência, n. 133, p. 0-0, 2011. Acesso em: 11 de maio de 2025.

LOUREIRO, Violeta Refkalefsky; PINTO, Jax Nildo Aragão. A questão fundiária na Amazônia. SciELO Brasil. Publicado em: 19 de agosto de 2025. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/ea/a/pstJcmXTJKSNGRYZNLPWhsN/ >. Acesso em: 11 de maio de 2025.

SOUZA, Elyson Ferreira de; SOUZA, Gisele Elaine de Araújo Batista; SOUZA, Elly Cristina Ferreira de; BATISTA, Elly Cristina Ferreira de. O CAOS E CONFLITOS FUNDIÁRIOS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA: RETRATO RECENTE DA VIOLÊNCIA NO CAMPO. Publicado: 2011. Disponível em:< https://governancadeterras.com.br/wp-content/uploads/2017/10/O-CAOS-E-CONFLITOS-FUNDI%C3%81RIOS-.pdf >. Acesso em: 10 de maio de 2025.

TERENCE, Marcelo Fernando. Grilagem de terras públicas federais e acumulação capitalista no Sudeste Paraense. COGITARE, v. 2, n. 1, dez. 2019, p. 30-49.