
Escrito por: Profª. Esp. Sabrina Sena – docente de Relações Internacionais da UNAMA.
O comércio exterior é uma ferramenta central do desenvolvimento econômico de regiões periféricas e estratégicas como a Amazônia brasileira. No entanto, perspectivas de desenvolvimento e prosperidade encontram entraves estruturais, logísticos e institucionais que desafiam sua efetivação enquanto mecanismo de integração internacional e geração de riqueza local. Este artigo propõe uma análise crítica dos desafios enfrentados pelo comércio exterior na Amazônia, à luz das teorias liberais das Relações Internacionais, sobretudo com base nos trabalhos de Richard Cobden, Robert Keohane e Joseph Nye. Busca-se compreender em que medida a lógica da interdependência e da cooperação pode oferecer soluções aos gargalos históricos que isolam a Amazônia das dinâmicas globais de comércio e investimento.
A corrente teórica liberal do campo de estudos das Relações Internacionais sustenta que o comércio internacional é, por natureza, um instrumento de promoção da paz, da prosperidade e da interdependência entre os povos e Estados. Para Richard Cobden (1853), o comércio internacional é uma força civilizatória que substitui a lógica da guerra pela da cooperação mútua. No campo contemporâneo, Keohane e Nye (1977) desenvolvem a noção de interdependência complexa, argumentando que os Estados, ao se inserirem em redes de trocas econômicas, tecnológicas e institucionais, criam vínculos que reduzem os incentivos à rivalidade e aumentam os custos dessas rupturas. Keohane (1984) defende que instituições internacionais (formais ou informais)1 podem reduzir custos de transação, garantir a previsibilidade das regras e favorecer a governança cooperativa, especialmente em regiões com baixa capacidade estatal.
A Amazônia Legal representa cerca de 60% do território nacional, abriga uma rica biodiversidade, reservas minerais estratégicas e uma população estimada em mais de 29 milhões de habitantes (IBGE, 2022). Apesar desse potencial, a participação da região na balança comercial brasileira é inferior se comparado com as outras regiões do Brasil, tanto em volume exportado quanto em diversidade de produtos (COMEXSTAT, 2025). O comércio exterior na Amazônia brasileira enfrenta um paradoxo estrutural: é uma das regiões mais ricas em recursos naturais do mundo, mas uma das menos integradas às cadeias globais de valor. Entre os principais desafios, destacam-se: infraestrutura logística precária, que pouco desenvolvidos na região, acrescentam um custo altissimo aos produtos exportados, resultando em baixa competitividade internacional (CNI, 2019), baixo valor agregado dos produtos, concentrados em exportaçao de commodities minerais e agrícolas, desconexão com mecanismos internacionais de certificação (ambiental, sanitária e regulatória)(THORSTENSEN, 2019; EULER, 2023), fragilidade institutional no que concerne a órgãos de fomento e regulação do comércio exterior nos estados amazônicos (SUDAM, 2020) e pressões ambientais internacionais que dificultam o financiamento externo de cadeias produtivas não sustentáveis.
A vertente liberal sugere que a superação desses entraves exige maior integração institucional da Amazônia aos regimes internacionais de comércio, financiamento e sustentabilidade. Inspirado por Keohane (1984), podemos argumentar que a ausência de instituições regionais estáveis e confiáveis inibe a construção de confiança mútua entre os atores locais e os investidores externos. No campo da interdependência, Nye e Keohane (1977), explicam que a criação de redes comerciais duradouras pressupõe a construção de canais de comunicação e cooperação institucionalizados. A visão de Cobden (1853) traz uma provocação relevante: o comércio, para ser emancipador, deve ser livre e pacífico, mas também deve estar atrelado ao fortalecimento das economias locais.
À luz da teoria liberal, os desafios enfrentados pelo comércio exterior na Amazônia não decorrem da inevitabilidade do subdesenvolvimento regional, mas da inexistência de uma estratégia coerente de inserção econômica internacional que combine conectividade, governança e sustentabilidade. O resgate da lógica cobdeniana, da interdependência complexa de Keohane e Nye, exige uma inflexão nas políticas públicas federais e estaduais, bem como a mobilização de instrumentos multilaterais de cooperação. Desvincular a Amazônia de uma lógica meramente extrativista e conectá-la aos circuitos do valor agregado exige uma ação coordenada entre Estado, mercado e sociedade civil, sob uma arquitetura institucional cooperativa e aberta à integração internacional.
Referências
COBDEN, Richard. Political Writings of Richard Cobden. London: William Ridgeway, 1853.
COMEXSTAT. Estatísticas de Comércio Exterior. Brasília: Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/mdic. Acesso em: 16 maio 2025.
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CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA (CNI). Programação Prioritária: Ação Pró-Amazônia 2019–2022. Brasília: CNI, 2019. Disponível em: https://www.portaldaindustria.com.br. Acesso em: 16 maio 2025.
EULER, Ana Margarida Castro; AUBERTIN, Catherine; CIALDELLA, Nathalie. A sociobiodiversidade amazônica em busca de mercados internacionais. Estudos de Sociologia (UNESP. Araraquara), v. 28, n. esp. 2, e023013, 2023. e-ISSN: 1982-4718. DOI: https://doi.org/10.52780/res.v28iesp.2.18868
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). IBGE atualiza Mapa da Amazônia Legal. Agência de Notícias, 29 jun. 2020. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28089-ibge-atualiza-mapa-da-amazonia-legal. Acesso em: 16 maio 2025KEOHANE, Robert O. After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy. Princeton: Princeton University Press, 1984.
KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and Interdependence: World Politics in Transition. Boston: Little, Brown, 1977.
SUDAM. Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia 2020–2023. Belém: Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, 2020.
THORSTENSEN, Vera; MOTA, Catherine Rebouças. NVS e as exportações brasileiras: mercados da União Europeia, Estados Unidos e China. In: NOGUEIRA, Thiago Rodrigues São Marcos (org.). São Paulo: VT Assessoria Consultoria e Treinamento Ltda., 2019. v. 2. (Série Cadernos de Normas Voluntárias de Sustentabilidade). ISBN 978-85-66977-09-7.
