Lucas Cardoso – Acadêmico do 5° Semestre de RI da UNAMA

A Guerra de Boshin (1868–1869) foi um conflito civil japonês entre as forças do xogunato Tokugawa e os partidários do imperador Meiji. Marcando o fim do Japão feudal, o conflito refletiu a tensão entre tradição e modernização em um país pressionado por influências ocidentais. Mais do que uma disputa militar, a guerra representou uma transformação política decisiva, abrindo caminho para a centralização do poder e o início da era Meiji (Sakurai, 2007).

Em meados do século 19, surge no horizonte da Baía de Edo uma frota de navios de guerra americana liderada pelo comodoro Matthew Perry, determinando que ou o Japão aceitava negociar com os Estados Unidos ou a cidade seria bombardeada. Este é mais um exemplo da diplomacia da canhoneira, visto que as potências tinham uma projeção de fogo maior forçaram impor seus interesses sobre os menos desenvolvidos.

Assim, os japoneses tiveram que aceitar uma série de tratados desiguais onde eram vistos como inferiores e fazendo muitas concessões ao outro lado (Henshall, 2005). Estas concessões para a sociedade japonesa foram interpretadas como uma humilhação, e para evitar futuras, o xogunato Tokugawa buscou por reformas e modernização das forças armadas.

Para tanto, iniciou parcerias de missões militares com países europeus, construção de fábricas de armamentos e a compra de modernas embarcações para a marinha japonesa. Naquele momento, no Japão, não existia um exército nacional, cada clã tinha suas tropas e o xogum tinha maior força militar.

Em 1867, o imperador Komei morre. Até então, seu poder era mais simbólico e em certos momentos até obedecia ao xogum. Assim, três clãs rivais do xogum, e principais defensores pela ampliação das reformas para outros setores da sociedade, passaram a desafiar abertamente a autoridade do xogunato (Henshall, 2005).

As províncias de Satsuma, Chōshū e Sato lideraram a oposição ao xogunato, formando uma aliança que apoiava a restauração imperial. Com o apoio de setores descontentes da sociedade japonesa, como samurais reformistas e intelectuais influenciados por ideias ocidentais, esta coalizão ganhou força política e militar. Em janeiro de 1868, as forças imperiais atacaram e tomaram Kyoto, dando início à guerra (Frederic, 2008).

A batalha decisiva ocorreu em Toba-Fushimi, onde as forças imperiais derrotaram o exército do xogunato, apesar da superioridade numérica deste último. A vitória foi facilitada pelo uso de armamentos modernos e por uma organização mais eficiente. Após essa derrota, Tokugawa Yoshinobu, o último xogum, retirou-se para Edo (atual Tóquio) sendo, posteriormente, tomada sem grande resistência (Henshall, 2005).

Mesmo com a rendição de Yoshinobu, conflitos menores continuaram em várias partes do país, especialmente no Norte, onde alguns leais ao xogunato resistiram. A mais famosa destas batalhas foi a de Hakodate, na ilha de Hokkaido, onde os últimos defensores formaram a efêmera República de Ezo. A resistência foi derrotada em 1869, encerrando definitivamente a guerra (Frederic, 2008).

A vitória das forças imperiais permitiu que o jovem imperador Meiji consolidasse seu poder e iniciasse a uma série de reformas conhecidas como Restauração Meiji. Estas reformas transformaram o Japão em um estado moderno, com a abolição do sistema feudal, a criação de um exército nacional e a industrialização do país. A centralização do poder em torno do imperador também reforçou o nacionalismo japonês (Walker, 2017).

A Guerra de Boshin teve relativamente poucas vítimas em comparação com outros conflitos da época, estimando-se cerca de 8 mil mortos. No entanto, seu impacto político e simbólico foi imenso, pois representou o fim de séculos de domínio dos xoguns e o renascimento do poder imperial. Também, abriu caminho para o Japão emergir como uma potência global nas décadas seguintes (Walker, 2017).

Em resumo, a Guerra de Boshin foi um divisor de águas na história japonesa. Mais do que uma simples luta pelo poder, o conflito simbolizou a escolha do Japão por um caminho de modernização e integração ao mundo ocidental. Ao fim da guerra, o país havia abandonado o passado feudal e estava pronto para se tornar uma das nações mais influentes da Ásia no século XX (Sakurai, 2007).

A teoria de Hans Morgenthau, especialmente como apresentada em sua obra “Política entre as Nações” (2013), onde afirma que a política é regida pela luta por poder, analisa bem a Guerra de Boshin. O conflito entre o xogunato Tokugawa e a aliança imperial refletia essa lógica: ambos os lados buscavam consolidar ou reconquistar o poder diante de ameaças internas e externas.

A restauração imperial, nesse sentido, foi uma estratégia racional para fortalecer o Estado japonês frente à pressão ocidental, exemplificando a ideia de Morgenthau (2013) de que os Estados agem com base em interesses definidos em termos de poder.

REFERÊNCIAS

FREDERIC, Louis. O Japão: dicionário e civilização. Tradução de Álvaro David Hwang. São Paulo: Globo, 2008.

HENSHALL, Kenneth G. História do Japão. Tradução de Lúcia Brito. São Paulo: Editora Edições 70, 2005

MORGENTHAU, Hans. Política entre as Nações: A Luta pelo Poder e pela Paz. [Português] Editora: Imprensa Universitária de Cambridge, 2013.

SAKURAI, Célia. Os japoneses. São Paulo: Contexto, 2007.

WALKER, Brett L. História concisa do Japão. Tradução de Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2017.