
Ana Victória Padilha e Carla Lima (acadêmicas do 3º e 5º semestre de RI da UNAMA)
A infraestrutura midiática na região amazônica, mais especificamente no Estado do Pará, apresenta particularidades geográficas, históricas e políticas que a caracteriza ainda como um “deserto de informação midiática”, por mais que a diversificação no cenário do acesso à informação já seja uma realidade. Assim, em uma análise crítica, as questões das dinâmicas da comunicação midiática amazônica ultrapassam o óbvio a ser observado e questionado.
Nesse sentido, a ocupação do aspecto midiático na região, conforme Castro (2012), obedece a lógica sistêmica superposta, sendo marcada por uma complexa intersecção de fatores, incluindo a disputa pelo capital comunicativo, a dinâmica geoespacial dos mercados, a função comunicativa em sua dimensão estritamente mercadológica e a complexidade local do “coronelismo eletrônico”.
Sendo assim, a comunicação na região é influenciada pelas relações de poder, pelas necessidades específicas das comunidades tradicionais e pela presença crescente de mídias digitais.
Em um primeiro momento é importante destacar que as dinâmicas da comunicação midiática em uma região considerada periférica como a Amazônia, representam uma exclusão no acesso a uma informação de qualidade pela população e na criação de espécies de redes hegemônicas na comunicação impactando diretamente no senso crítico de democracia e cidadania das pessoas amazônidas.
Por isso, o “deserto de informação midiática” na Amazônia se dá também porque a região Norte é a que menos apresenta uma cobertura jornalística no país, com cerca de 63,1% de seu território sem cobertura de sinal de internet ou/e a energia (Baster e Tavares, 2023), o levantamento foi feito pelo Censo Atlas da Notícia, projeto do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor) em parceria com o Volt Data Lab em sua primeira edição no ano de 2017.
Por conta deste cenário, muitas meso/microrregiões e comunidades tradicionais mais vulneráveis, especialmente no Estado do Pará, estão praticamente em um completo “deserto”, assim a comunicação entre elas e o “exterior” é principalmente por meio das chamadas, rádios de postes movidos a geradores cujo combustível é custeado exclusivamente pelos próprios moradores. Uma incoerência a essa realidade é a existência de linhões que por muitas vezes passam dentro de seus territórios, mas ainda assim, não as contemplam.
Deve-se evidenciar que a dificuldade no acesso à informação na Amazônia é muito mais uma questão de interesses geopolíticos do que puramente uma questão somente geográfica. Ou seja, os governos locais fazem uso de uma escolha e não de um empecilho natural “incontornavelmente” logístico ao não investirem na melhoria da infraestrutura da informação na região.
Apesar dos governos estaduais da região amazônica investirem massivamente nos últimos anos em suas propagandas midiáticas, esse investimento não se reverbera exatamente no acesso à informação midiática da população.
No final de 2021, foram destinados recursos significativos à publicidade institucional no Pará, por meio de contratos firmados com empresas especializadas na área de comunicação (Pará, 2021). Esse recurso, ao fortalecer não só poucos grupos midiáticos, demonstra a prioridade à propaganda governamental de possível interesse parcial, frente à exclusão e a fragilidade de uma informação democrática imparcial amazônica, revela uma escolha política, que reforça o “deserto de informação” dos povos da região.
É importante ressaltar que as regiões metropolitanas também sofrem com essa problemática, a alienação dos principais meios de comunicação midiática tradicionais das cidades com suas pautas cada vez mais enxutas, rasas e tendencialmente partidarizadas, faz parte desse “deserto da informação”, uma bolha perfeita para a desinformação da população mais pobre que hoje acaba utilizando os micros meios de comunicação como o principal caráter informativo pessoal, como os grupos de Whatsapp.
Constata-se assim, que os meios digitais de comunicação, junto a mídia tradicional, e às organizações de radiodifusão comunitária e de comunicação popular, são alguns dos principais subsistemas que compõem majoritariamente a macroestrutura do sistema de comunicação midiática dentro do estado do Pará e também da região amazônica como um todo.
Os grandes grupos de comunicação da região, têm uma forte proeminência midiática, econômica e política. Tais grandes grupos estão amplamente ligados com os médios, e pequenos grupos de comunicação da região. As suas ramificações estão em todas as áreas da informação jornalística, embora de forma muitas vezes centralizadas. Questão também que se dá pela influência das redes nacionais de comunicação nos grupos locais, grandes emissoras como a Globo, SBT, Band e Record TV, que dominam a projeção da informação da região.
Nesse sentido, é notório que o cenário midiático amazônico é marcado por assimetrias de poder, que se refletem tanto no monopólio dos meios de comunicação quanto na produção e circulação de narrativas. Grupos empresariais ou famílias tradicionais, que possuem interesses políticos e econômicos enraizados, são atores que exercem influência direta sobre a política local, com integrantes ocupando cargos públicos e usando os meios de comunicação como ferramentas de propaganda pessoal e controle simbólico.
O controle oligárquico da mídia cria um ambiente informativo limitado, onde as pautas que contrariam interesses hegemônicos, como denúncias de grilagem, garimpo ilegal, violência contra indígenas ou corrupção, são silenciadas ou distorcidas, sendo narrada com parcialidade, conforme Castro (2021).
O jornalismo investigativo é escasso, e o espaço para vozes dissidentes é reduzido. Assim, estabelece-se um ciclo de retroalimentação de poder, no qual a mídia local atua não como espaço público de debate, mas como extensão dos interesses das elites regionais.
Diante desse quadro, as mídias alternativas e comunitárias desempenham um papel vital. Elas operam como espaços de resistência simbólica e construção de contranarrativas, enfrentando não apenas a invisibilização, mas também os riscos reais de perseguição política e censura.
Projetos como a Rádio Yandê, a primeira web rádio indígena do Brasil, representam formas de furar o bloqueio informativo imposto pelas estruturas dominantes (Afonso e Bois, 2023). Elas possibilitam que as comunidades se reconheçam, articulem suas lutas e se façam ouvir em nível nacional e internacional.
A atuação dessas mídias, mesmo com recursos limitados, tem sido crucial para denunciar violações de direitos, dar visibilidade a culturas locais e conectar diferentes territórios amazônicos em redes de solidariedade e ação. Elas operam com uma lógica de horizontalidade, protagonismo comunitário e pluralidade de vozes.
A comunicação na Amazônia é um campo complexo, transpassado por desigualdades, disputas de poder e processos de resistência (Castro, 2013). Se por um lado a mídia tradicional reproduz visões distorcidas e silenciadoras, por outro, cresce uma teia de vozes locais que desafiam esses discursos e constroem novas formas de narrar o território.
Investir em conectividade, formação midiática e políticas públicas de inclusão digital significa reconhecer o papel estratégico da comunicação na defesa dos direitos humanos, da diversidade cultural e da sustentabilidade socioambiental.
Fortalecer essas vozes não é apenas uma questão de justiça comunicacional, mas de democracia, soberania informativa e dignidade. Isso requer investimento público em conectividade, educação midiática e políticas de incentivo à produção comunitária, além de uma revisão crítica do modelo concentrado de concessões de radiodifusão.
Enquanto a comunicação estiver capturada por interesses de poucos, a Amazônia continuará sendo falada — e não ouvida. É hora de romper esse ciclo e garantir que os amazônidas sejam protagonistas de suas próprias narrativas.
Diante do tema exposto, trouxemos a recomendação de algumas plataformas de mídias alternativas que desempenham um papel fundamental na divulgação de informações sobre a Amazônia, oferecendo perspectivas diversificadas e muitas vezes negligenciadas pelas mídias tradicionais.
Amazônia Latitude: produz conhecimento científico, reportagens, artigos, ensaios, resenhas, análises literárias e fílmicas, colunas de opinião, fotogalerias e podcasts, sobre diversos temas, como ditadura militar na Amazônia e enfoque em pautas sociais, ambientais, econômicas, políticas e culturais. O site tem como objetivo expressar, por meio da escuta de quem vive e questiona, as realidades na Amazônia e na Pan-Amazônia.
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REFERÊNCIAS
AFONSO e BOIS, Juliana e Lucas. Rádio Yandê: a primeira web rádio indígena do Brasil, IJNet, online, 2023. Disponível em: https://ijnet.org/pt-br/story/r%C3%A1dio-yand%C3%AA-primeira-web-r%C3%A1dio-ind%C3%ADgena-do-brasil. Acesso em 23 de maio de 2025.
BASTER e TAVARES, Raquel e Viviane. Desinformação, desertos de notícias e os impactos na Amazônia. Diplomatique Brasil. 2023. Disponível em: https://diplomatique.org.br/desinformacao-desertos-de-noticias-e-os-impactos-na-amazonia/. Acesso em: 23/05/2025.
CASTRO, Fábio Fonseca de. Geopolítica da comunicação na Amazônia. Comunicação & Sociedade, online, v. 33, n. 87, p.149-169, jan./jun. 2012. DOI: https://doi.org/10.15603/2175-7755/cs.v33n57p149-169. Disponível em: http://repositorio.ufpa.br:8080/jspui/handle/2011/14745 . Acesso em: 23/05/2025.
CASTRO, Fábio Fonseca de. Macrodinâmicas da comunicação midiática na Amazônia. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 8, n. 2, p. 435-445, maio-ago. 2013.
PARA. Secretaria de Comunicação. Termo Aditivo nº 01/2021 ao contrato nº 06/2021. 23 de maio de 2025. Disponível em: <[https://www.secom.pa.gov.br/sites/default/files/anexos/primeiro_t.a_gamma_comunicacao_ltda.pdf do termo aditivo]>. Acesso em: 24 maio 2025.
