Rita Polaro – 3º semestre de Relações Internacionais da Unama

O trabalho infantil permanece como uma realidade alarmante em diversas regiões do mundo, incluindo o Brasil. Essa problemática está distante de ser uma restrição aplicada somente às famílias envolvidas, pois configura-se como um problema estrutural ao atingir diversas camadas da sociedade. A construção do trabalho infantil tem reflexos do trabalho escravo que emergiu durante o período colonial, ganhando força a partir da lógica capitalista desenvolvida pela Revolução Industrial, que mantinha mão-de-obra-barata de crianças por meio de trabalhos insalubres e com salários baixos (Jusbrasil, 2024).

Sob essa perspectiva, o conceito de poder disciplinar, desenvolvido por Michel Foucault — cujos estudos influenciam significativamente as Teorias Pós-Modernas das Relações Internacionais — pode ser empregado para compreender a lógica da ordem capitalista e suas exigências produtivas. Observa-se que a manutenção dos meios de produção se inicia pela docilização dos corpos, para posteriormente torná-los úteis. Nesse sentido, quando a sociedade normatiza o trabalho precoce, privando crianças e adolescentes de elementos fundamentais para a formação, ela não apenas viola os direitos humanos, mas também perpetua ciclos de desigualdade estrutural.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), por meio da Convenção nº 138, positivada em 1973, estabelece critérios para que os países signatários definam a idade mínima de admissão ao emprego. Sabendo que cada nação possui legislações próprias, as condições que distinguem o trabalho formal do informal variam conforme a realidade socioeconômica e aspectos da cultura local. Todavia em 2021, a OIT, em parceria com a Aliança 8.7, lançou o Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil, com o objetivo de impulsionar o cumprimento da Meta 8.7 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que visa erradicar todas as formas de trabalho infantil até 2025.

Embora a iniciativa reforce a relevância do tema na agenda internacional, sua efetividade depende diretamente da atuação dos Estados, sobretudo em contextos marcados por pobreza, desigualdade e informalidade. Sem políticas públicas estruturadas e ações locais consistentes, o cumprimento dessa meta ambiciosa tende a se manter distante da realidade concreta. Ainda que o trabalho infantil informal ou ilegal esteja presente em diversas partes do mundo, a África Subsaariana, a América Latina e o Caribe estão entre as regiões com os maiores índices de trabalho precoce (ONU Brasil, 2024). Nesse sentido, as estatísticas indicam que a maioria das crianças entre 5 e 17 anos envolvidas em atividades laborais concentra-se em países mais pobres (Cidade Escola Aprendiz, 2024).

Com base nas reflexões teóricas pós-coloniais, autores como Aníbal Quijano e Achille Mbembe oferecem uma crítica contundente à persistência das estruturas de dominação herdadas do colonialismo, que continuam moldando as relações sociais e econômicas na América Latina e na África. Em seu texto “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina” (2005), Quijano analisa como o capitalismo se desenvolveu a partir das bases coloniais na América Latina, gerando desigualdades estruturais entre classes e raças que ainda hoje se fazem presentes. Compreende-se, assim, que o trabalho infantil é um fenômeno enraizado em lógicas históricas profundas, cuja erradicação exige um enfrentamento multidimensional, baseado na justiça social, no reconhecimento cultural e na transformação estrutural.

Ademais, a erradicação efetiva do trabalho infantil requer o protagonismo da sociedade civil, a mobilização popular e um investimento substancial em educação. A educação assume papel central não apenas como meio de desenvolvimento individual, mas também como vetor de conscientização crítica capaz de desafiar e modificar as práticas culturais que legitimam a exploração precoce do trabalho. Dessa forma, a articulação entre Estado, sociedade civil e movimentos sociais se mostra imprescindível para a construção de uma agenda coletiva que promova a justiça social, o reconhecimento cultural e a transformação estrutural necessárias para garantir a plena efetivação dos direitos das crianças.

REFERÊNCIAS

CIDADE ESCOLA APRENDIZ. Estatísticas do trabalho infantil no Brasil e no mundo. 2024. Disponível em: https://livredetrabalhoinfantil.org.br/trabalho-infantil/estatisticas/. Acesso em: 6 jun. 2025.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 28. ed. Petrópolis: Vozes, 2021.

OLIVEIRA, Clara. Trabalho infantil: realidade mundial. Jusbrasil, 2024. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/trabalho-infantil/2586677063. Acesso em: 5 jun. 2025.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 138: idade mínima para admissão ao emprego. Disponível em: https://www.ilo.org/pt-pt/resource/c138-idade-minima-para-admissao. Acesso em: 6 jun. 2025.

NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/271452-dia-mundial-contra-o-trabalho-infantil. Acesso em: 6 jun. 2025.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais, perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 227-278.