Maria Eduarda, acadêmica do 1° semestre de Relações Internacionais.

Ficha Técnica:

Ano: 1998

Diretor: Wolf Maya

Distribuição: Globoplay

Gênero: Drama

País de Origem: Brasil

A minissérie Hilda Furacão baseada no romance literário de Roberto Drummond, teve grande impacto e ascensão através das redes sociais, onde usuários passaram a compartilhar em clipes virais trechos de momentos marcantes da minissérie, o que chamou atenção pela intensidade na relação entre os personagens que é marcada por conflitos entre normas religiosas e sociais, tensão emocional e desejo. A estética clássica e a trama dramática acabou por atrair o público jovem, o enredo também conta com discussões sobre hipocrisia social e períodos históricos da sociedade brasileira, algo muito presente nas discussões atuais, o que despertou ainda mais curiosidade e procura tanto pela obra literária, quanto por sua versão em minissérie.

A trama é narrada e detalhada através da perspectiva de Roberto Francis Drummond, um jovem comunista que tem como amigos desde a infância, Aramel e Malthus. Os três cresceram na cidade de Santana dos Ferros, mas logo são enviados para a grande Belo Horizonte, onde Malthus se torna Frei e Roberto segue a carreira como iniciante no jornalismo, ficando sob sua responsabilidade cobrir a história da até então, não nomeada, Hilda Furacão.

Hilda Müller é uma jovem da alta sociedade mineira, vinda de uma família tradicional rica, era sempre muito cortejada pelos rapazes e afeiçoada pelo ciclo social em que vivia. Porém, no dia 1° de abril de 1959 Hilda decide abandonar a vida que continha, indo parar na zona boêmia de Belo Horizonte, lugar de marginalização e prostituição, escandalizando a sociedade tradicional e conservadora mineira. Entretanto, o porquê de Hilda ter desistido de sua vida frequentando o Minas Tênis Clube para viver como Hilda Furacão, a meretriz mais disputada da cidade, é um mistério o qual todos querem desvendar, dever o qual Roberto é designado.

A ascensão de Hilda desencadeia diversas manifestações populares vindas da “Sociedade defensora da moral e dos bons costumes”, a fim de acabar com a zona boêmia e transferir todos os habitantes do local para uma área onde seria denominada de “Cidade das Camélias”. Neste momento, Hilda se torna um ícone de representatividade intelectual pela preservação da zona boêmia, mostrando a sociedade uma mulher forte que denunciava o conservadorismo e ia contra a estrutura patriarcal, o que acaba gerando confrontos entre os moradores do local e os moralistas da época, e é em meio a esse cenário conturbado que se inicia a paixão entre Hilda e Frei Malthus (ALVES, 2010).

O conservadorismo presente no enredo da minissérie é explicado pelo contexto histórico o qual a série é retratada, o Brasil da década de 1950 até 1964, ano da instauração da ditadura militar, especialmente no Estado de Minas Gerais que por ser um estado conservador e com forte influência religiosa, vivenciava contradições sociais e tensões entre a moral e a modernização da sociedade. A prostituição era condenada publicamente pela elite, mas consumida de forma privada pelos homens da classe, o que evidência a forte hipocrisia social e o viver de aparências daquela época (CALEGARI, 2009).

Sob a ótica internacionalista, A minissérie pode ser analisada através da Teoria Construtivista das Relações Internacionais, perspectiva que busca compreender como normas e identidades são socialmente construídas por meio da interação com outros atores, argumentando que tais Identidades são representações da compreensão que um ator têm de si mesmo (THEYS, 2018).

No artigo “International Norm Dynamics and Political Change” (1998) Martha Finnemore e Kathryn Sikkink duas principais teóricas da Teoria Construtivista, abordam que normas são regras sociais que dizem o que é o “certo” a se fazer para um Estado ou ator internacional. As autoras também argumentam que há um “ciclo da vida das normas”, onde os Estados adotam normas muitas vezes por busca de legitimidade ou pressão internacional e que depois de adotar tais regras, elas se internalizam, ou seja, são naturalizadas e nenhum pouco questionadas. Logo, essas normas mudam o comportamento dos Estados porque quebram a perspectiva sobre o que consideram apropriado e legítimo.

Analogamente, em Hilda Furacão, a personagem pode ser vista como uma empreendedora de normas, pois Hilda desafia o comportamento e padrões morais da Belo Horizonte conservadora, que ao invés de ser uma mulher e futuramente uma esposa “exemplar” como esperava a sociedade, escolhe viver em um bordel desafiando completamente todas as normas impostas a gênero e sexualidade para regular o comportamento feminino. A escolha da personagem não gera escândalos apenas por ser incomum, mas porque provocava diretamente discussões sobre os costumes e a moral, tornando-se uma figura de extrema importância para impulsionar mudanças na sociedade em que vivia.

Já o Frei Malthus expressa o intenso conflito entre os ensinamentos religiosos e os novos valores que emergem no personagem ao decorrer da trama. Inicialmente, Malthus vive fielmente como exigia as normas da castidade, dedicando sua vida exclusivamente ao serviço religioso. Contudo, ao conhecer e se apaixonar por Hilda o personagem começa a reconsiderar sobre o que realmente é o “certo” e o “errado” em sua concepção, Isso pode ser interpretado como um processo de transformação interna ou uma reinternalização normativa – conceito da Teoria Construtivista que explica a incorporação de normas já existentes, porém reformuladas – pois Malthus não abandona completamente sua fé mas passa a reinterpretar tudo o que acreditava a partir de sua vivência amorosa. Essa mudança demonstra que mesmo as normas mais enraizadas podem ser alteradas através de vivências interpessoais, reforçando a ideia construtivista de que as normas sociais estão sempre em constante mudança.

Hilda Furacão não deve ser vista apenas como um romance de época, mas sim como uma obra que denuncia as contradições de uma sociedade conservadora e hipócrita, marcada por desigualdades e preconceitos. Ao dar visibilidade aos personagens marginalizados da zona boêmia, a minissérie expõe vozes que historicamente já foram e são silenciadas até os dias atuais, mostrando que essas vozes fizeram e ainda fazem parte de mudanças significativas para a sociedade. Hilda Furacão vai além de um drama individual, é um retrato coletivo da sociedade brasileira que aborda temas discutidos politicamente e socialmente até os dias de hoje, refletindo a identidade nacional e revelando como valores socialmente construídos e a cultura determinam a visibilidade do Brasil em âmbito nacional e internacional, atribuindo para uma discussão sobre como nossa história já marcada por exclusões e resistências continua a moldar as narrativas que escolhemos contar sobre o outro ou sobre nós mesmos.

REFERÊNCIAS:

CALEGARI, C; L. PORTAL DE PERIÓDICOS UFSM. “Do social ao estético: notas sobre “Hilda Furacão”, de Roberto Drummond”. 2009. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/letras/article/download/11998/7412/52020 Acesso em: 05 jun 2025

ALVES, J; V. CADERNOS DO TEMPO PRESENTE. “Hilda: um Furacão Feminino?”. 2010. Disponível em: https://periodicos.ufs.br/tempo/article/view/2636/2270 Acesso em: 05 jun 2025

THEYS, S. E-INTERNATIONAL RELATIONS. ”Introducing Constructivism in International Relations Theory”. 2018. Disponível em: https://www.e-ir.info/2018/02/23/introducing-constructivism-in-international-relations-theory/ Acesso em: 05 jun 2025

SIKKINK, K. FINNEMORE, M. “International Norm Dynamics and Political Change”. 1998. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/2601361 Acesso em: 05 jun 2025